Este
sou eu e eu me lembro de quase tudo.
Se
a vida fosse uma URL, aonde ela o levaria? Somos apenas álbuns de fotos cujas
fotos foram tiradas em filme e o tempo vai, aos poucos, comendo as cores pelas
beiradas deixando tudo em escalas de cinza até que finalmente, um dia, haverá a
ausência total de cor.
Nossas
mentes são seletivas e talvez isso seja bom pois o acúmulo dos anos traria a
insanidade aliado a quantidade absurda de lembranças ainda que ínfimas que
carregaríamos dentro de nós. Mesmo assim, um aroma, um gosto, um lugar, uma
frase, coisas assim meio sem sentido são plenamente capazes de nos remeter a
tempos passados há muito e, por vezes, trazer aos olhos as lágrimas mostrando
que esse acúmulo é histórico e só não é histérico porque, inconscientemente,
armazenamos tudo que nos chega pelos cinco sentidos (e fora deles) guardando,
como disse, selecionando, apenas o que realmente deve ser guardado para acesso
imediato quando preciso.
Olhe
para trás e tente imaginar quantos caminhos não foram trilhados, quantas
escolhas foram feitas e quantas não foram, como poderia ser em cada momento que
foi/não foi realizado, provado. Talvez o resultado final acabe sendo sempre o
mesmo ainda que outras realidades resultantes de outros passos dados pudessem
trazer a vida outros cenários.
Ver
minha vida como resultado da de outros, as nossas vidas não são, na verdade,
nossas, eram de nossos pais até o momento em que viemos ao mundo e então, numa
simbiose nefasta, tiramos deles, que sorriem enquanto o fazemos, a vida que será
nossa e talvez esse caminho não seja assim tão árduo quanto o fazemos se
pensarmos que depois disso, de extirparmos de nossos pais a vida, muitos de nós
terão as suas removidas em cirurgia pelos filhos que virão ou pelos amigos, família
escolhida, escoltada por nós pela vida afora, esse amalgama de nós mesmos que
vai se moldando enquanto os anos vão gastando nossas tintas.
Temos
essa ideia falsa de identidade mas, no fundo, vejo a mim como uma réplica
melhorada, na medida do possível, de meus pais, mimetismo singular, vejo/faço.
Esse óleo invisível liga a nós e a eles e aos que cruzam nosso caminho, não há
mesmo um eu e se houver talvez seja apenas nos ossos e quando a terra lambe os
beiços depois de nos devorar de volta. Isso não é ruim, esse não ser, acho que é
bom enquanto sabemos usar essa bagagem toda que vamos guardando vida afora e,
no final, o que conta mesmo não são as marcas materiais que deixamos mas as
pessoas que tivemos em nossas vidas e as vidas que tivemos parte tanto para o
bem como para o mal, há que se acertar o preço da parte má quando cobrado ainda
que a contragosto.
Como
o sonho dentro do sonho dentro do sonho, acordamos dia a dia tentando achar a
saída mas ela apenas dá em outro sonho e esquecemos de que o sonho em si é bom
e que nos move adiante, para aquele lugar, lá, onde tudo deve ser melhor,
acordar é fechar os olhos para isso, preferir não ir adiante e escolher o mais
fácil e simples do que o mais trabalhoso e árduo mas que trará a recompensa
final que costumamos chamar felicidade.
Não
sei, há fotos antigas onde vejo meus pais sorrindo, em poses imortais de um
momento que me foge o significado e que talvez não guarde significado algum. Há
ainda fotos com amigos e pessoas que nem mesmo aqui estão mais e num ímpeto
desespero tento relembrar do que sentia naquele momento, às vezes sei, muitas
vezes não me lembro. Penso se as fotos antigas, de antes de mim ou de quando
eu não conseguia guardar lembranças, são invenções, manipulações de um
passado que não e meu, é dos meus pais mas isso pode não ser verdade uma vez
que, como disse, eu mesmo não me recordo das fotos que eu mesmo tirei ou em que
estava então, como saber o que é mesmo minha memória ou de outros?
Gostaria
que a vida fosse uma sequencia de fotos sem fim e que, ao final, pudéssemos
rever cada uma delas para saborear novamente momentos que foram tão ternos que
pareceram ter durado décadas e outros tão efêmeros que podemos duvidar de sua
existência. O tempo vai passar e assim como meu velho pai está hoje vivendo de
lembranças embaralhadas, plantadas em cada ruga de seu rosto senil, eu mesmo
irei embaralhar as minhas e talvez às dele sem saber de quem são
ao final.
Não
me assusta envelhecer, até me atrai, me adoça a boca e o passar dos dias deixa
um gosto de tudo ter tido sentido, propósito, razão. Quero envelhecer podendo
ver as minhas fotos com carinho, ainda que não saiba se fui eu ou outros que as
tiraram, só me assusta e muito perder a referência de quem são as pessoas nas
fotos, esquecer ou não mais lembrar e há uma diferença grande entre as duas
coisas.
Quero
estar ali, com minhas rugas e o meu amado ao meu lado e ainda ser capaz de
olhar para ele e para mim e para nossos álbuns e ser capaz de ligar uma coisa a
outra pois mais do que morrer, que não me é assustador pois todo livro tem de
ter um final, me apavora ter o amor ao meu lado e ser incapaz de reconhecer que
ele esteve lá por anos, pela vida toda, sempre e temer a morte não por ela em
si mas por ter passado uma vida sozinho.