2 de mar. de 2011

PUT(a) polaróides urbanas em texto

Semana passada, Quinta, fui à tarde na Biblioteca São Paulo que fica ali no Carandiru onde antes era o presídio. Uma evolução termos trocado as grades pelos livros mas nem tanto quando algumas pessoas que lá vão confundem o lugar com boteco ou sala de casa e começam a conversar em voz alta.

Porque vamos a uma biblioteca? Para ler, pesquisar, trabalhar até e, no meu caso, para escrever em paz, em silêncio e mudar um pouco de ares para que as idéias fluam ou se reiventem ante lugares novos. Porém, tem gente que, como disse, acha que ali é uma extensão de seu lar ou 'happy hour' com amigos e com frequência preciso recorrer aos fones de ouvido para me isolar do ruído externo com ruído interno e daí foi-se para a casa do caralho o silêncio pois é bom sim às vezes não ouvir nada além de seus pensamentos.

Me impressiona como temos pouca ou nenhuma consideração pelo alheio, pelo próximo, somos extremamente individualistas e se você reclama passa por grosso, rude ou recalcado. Você está errado quando certo e, assim, está certo quando, como os demais, está errado mas agindo de acordo com a regra social vigente de cada um por si e todos contra todos pois Deus saiu da equação faz é tempo pois cansou de apontar o 'x' da questão.

Enfim, estava chegando ao ponto de clímax de um capitulo quando sou interpelado por um cafuçu (catável, não sou boba).

Ele: 'Posso usar essa tomada aqui?' e aponta para o chão onde havia uma tomada vazia ao lado da que era ocupada por meu netbook.

Eu: 'Claro, pode usar' disse medindo o cafuçu de cima abaixo. Essa biblioteca é pródiga na frequênica de cafuçus, vai por mim, se quer pegar um vai lá, impressiona ele com sua cultura e leva para casa para o lanche da tarde.

Voltando, ele espeta o carregador na tomada, deixa o aparelho ali carregando e sai mas, em seu lugar, fica um amigo que acabara de chegar, vejo que eles conversam algo mas não sei o que pois não retirei os fones de ouvido. Então o cafuçu recém chegado senta-se ao meu lado e me pergunta algo, sou forçado a retirar os fones de ouvido.

Cafuçu: 'É um notebook?' sai a pergunta com sotaque carregadíssimo que não deixa dúvidas de onde ele veio. Já fico úmida.

Eu: 'Não, é um netbook' e olho para ele. Moreno, deve ter seus vinte anos, braços grossos, cabelo preto, sorriso que derreteria a calota polar, coxas boas dentro do jeans, mãos fortes, garoto feito homem na vida dura.

Cafuçu: 'Mas qual diferença?'

Eu: 'Bom, este é menor, menos potente, mais para acessar a net mesmo e escrever sabe?'

Cafuçu: 'Ah, entendi...eu vim aqui retirar esse livro' e me mostra isto aqui:




Fico olhando para o livro, longe de mim ter preconceito, ainda mais viado que sou mas, olhei para o livro e olhei para ele e fiquei com aquela sensação de que algo ali não casava. Como poderia ser culto em pele de orgro, resolvi descobrir até onde ia seu conhecimento do assunto.

'Legal esse livro, posso ver?' perguntei.

'Claro' disse ele e me estendeu o livro 'a moça daqui disse que esse livro custa R$300!! Disse que eu posso levar mas se acontecer alguma coisa eu tenho de pagar!'

'É' disse eu 'capa dura, papel bom ' e lhe estendi o livro de volta 'ilustrações, é caro mesmo mas não acho que chegue a tanto. Qual editora?'

Ele ficou olhando para o livro, sem saber o que responder. Olhava para mim como a perguntar o que era editora. Peguei o livro de volta e achei o nome Cosac Naif.

'É' disse eu 'os livros dessa editora são caros mesmo...e esse livro é de história, técnico, deve ser caro'

'Por isso que eu peguei' disse ele 'é de 'histórias' e tem umas figuras bonitas...'

Pronto. Comprovada minha suspeita de que livro e cafuçu não se dariam bem, voltei ao processo de umidificação. Depois disso ele me perguntou sobre as tatuagens, se tinha doído, onde eu fizera. Depois falou de SP, das chuvas e de como o tempo mudava aqui rápido, de como as pessoas eram frias, de como a cidade era enorme, eu querendo lhe servir de guia, ia mostrar uma cidade que ele não ia esquecer tão cedo.

Descobri que ele é do Maranhão e que, antes de SP, passou por Imperatriz, Fortaleza, Goiania e Brasilia de onde uma tia lhe deu grana para tentar a vida por aqui. Ele chegara fazia pouco mais de um mês, estava num tipo de albergue com amigos e como não se atrevia a sair pela cidade com medo de não saber mais voltar para o albergue, ia apenas na biblioteca que era próxima do referido lugar.

Ele ia falando e eu ia imaginando ele pelado, dava para ver pelos no peito pela gola da camiseta e eu dei mais corda. Ele disse que já tinha passado fome aqui (se tivesse me conhecido antes não ia passar não) e que única distração dele era vir ali e pegar livros para ler. OK gato mas na próxima pega um mais fácil pois seu currículo, você mesmo disse foi de no máximo 'Crepúsculo' e que você levou mais de um mês para ler.

De repente, o amigo o chama e ele se vai. Vejo-o de novo alguns minutos depois com outro amigo, cafuçu também e simplesmente delicioso, um ar de malandro que me faria cozinhar para ele e lavar sua cuecas com freada. Eles conversam entre as estantes com livros.

Malandro: 'Mano, pega um livro aí pra fulano!'

Cafuçu: 'Mas qual?'

Malandro: 'Ah, sei lá mas tem de ter figura mano, tem de vir com figura sacou?'

Continuo escrevendo e, no fim do dia, vou embora. Quando estou descendo as escadas, em direção à saída, ele me vê lá de cima e acena, aceno de volta com um sorriso, nem sei o nome do cafulçu. Quando eu voltar na biblioteca e, por sorte, ele estiver lá, com uns dez contos e um lanche ele pode ser meu, duvida?

8 comentários:

  1. vindo de vc, minha ídala, não duvido de nadica de nada

    ResponderExcluir
  2. Eu odeio esse tipo de gente, do fundo do meu coração. Gente que conta a vida inteira pra vc na fila do banco me dá urticária...rs... Não tenho a menor paciência e já começo com minhas respostas monossilábicas e deixo bem claro que não estou interessado no assunto...

    ResponderExcluir
  3. PUTS... Fiquei arrepiado, sério...
    Puro fetiche esse rapaz, pela maneire que vc descreveu... Não vou nem me estender muito senão eu fico úmido tbm... hahahahahahahahahahahahah
    Você podia escrever um conto com um personagem assim, hein?? hahaha

    Abraço, melo... Até o próximo

    ResponderExcluir
  4. colocar no roteiro de viagem "visitar biblioteca do carandiru". Beijão!

    ResponderExcluir
  5. é...definitivamente isso é São Paulo. Encontros e desencontros casuais... sensações diferentes, barulho, irritação e umidificação também! afinal ninguém é de ferro.

    O cafuçu pelo menos esta ali na biblioteca quando poderia estar simplesmente tomando uns gorós na esquina. Tem seu valor, mesmo não tão letrado, está as voltas com os livros e mesmo não os entendendo por completo, motiva-se ao fato. Tempo de gente sofrida que poderia fazer de tudo, mas foi ali e encontrou você!...

    Que venham as cuecas pra vc lavar!!!

    bjaum e ótima semana

    ResponderExcluir
  6. E onde estava Wans? Trabalhando minha gente. [3]

    ResponderExcluir
  7. Não duvido de nada nesta vida ... afinal Melo é Melo né?

    enquanto isto: Onde estava mesmo o Wans??? kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    bjao queridos

    ResponderExcluir
  8. Eu ri alto disso, hahahahahaha

    Cafuçu pegando livro do Johan Huizinga aleatoriamente? Altamente suspeito, XD

    Seu Melo, seu Melo... hehehe

    Bjo e abraço, o/

    ResponderExcluir

one is the loniest number...

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...