27 de abr. de 2011

multidões



eu não, eu não e você eu sim, eu sim.

essa dicotomia foi se arrastando pra dentro de nós com o tempo, matando aos poucos, pressionando seus dedos finos e artríticos no pescoço do sentimento que nem sequer gemeu em protesto, acho que suspirou mas não posso saber ao certo entre nossos suspiros velados pelos cantos quais eram realmente os dele.

deveria estar já morto quando sua traquéia começou a colapsar sob a pressão ou em um estado tão fundo de letargia que lhe impediu de emitir qualquer tipo de alerta, socorro ou manifestações contrárias a seu fim tão súbito para ele, tão previsível para nós ainda que feito como ignorado.

onde? quando? não sei. pra trás há apenas coisas boas, deveriam ter cimentado o futuro que hoje é cotidiano amargo mas algo entrou nessa massa mesmo depois de assada e a desandou, feio, sem volta. quais as juras feitas erradas? quais as promessas feitas de pó? quais os beijos negados? como foi chegar a isso?

não sei, não sei e você eu sei, eu sei. não sabe, não sei. as coisas morrem num suor plástico, uma imitação barata de choro divino e do outro lado, não se vê nada além de expressões vazias, o fim de tudo isso? assim? assado? a transformação foi investida de poder por nós mesmo, sagrada na vergonha, no mutismo mútuo, parte personagem, parte sensações, sumindo aos poucos, aos poucos, uma sombra crescente no que se chamava gostar.

a sombra. esse expressionismo anão. essa coisa na garganta, travada, esse cuspe que sai seco, esse olho que não fala nem molha, nada mais? e de mim? que mais? de você? o que se faz de mim? o que levar de mim? paisagens pálidas e meu cenho franzido? mas posso derramar desprezo incolor e raiva, um contento mórbido, cantado em frases sem nexo e sem estímulo.

pegue o que puder, tire o que puder. puto sem valor, saco vazio, me fez cuspir e quando seus trinta dinheiros se forem eu ainda estarei aqui como antes e eu sim irei em frente apesar de você, pra frente, muito a frente de você.
mas dessa ira toda, esse frege negro fazem oco e prefiro deixar esses campos mortos pra ti, que os estimule e tire deles o que puder, sorte sua, sorte minha, esse gólgota é seu, aproveite bem.

o fim, ele chega, sempre, sempre e sempre. o horror, o horror, não se pode fugir do horror. mas eu ainda acredito no final da ponte colorida.

10 comentários:

  1. O que dizer? Fiquei sem ar...

    Beijos

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  2. Meu amigo, sem qualquer exagero ou condescendência ou o que seja... a partir de hoje é oficial: Alexandre Melo é a resposta que darei pra quaisquer entrevistas que perguntem meu autor favorito.

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  3. Traduzindo: "supimpa" é pouco pra elogiar esse texto!!

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  4. "uma imitação barata de choro divino e do outro lado, não se vê nada além de expressões vazias"

    uau!!!

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  5. Tava sentindo falta dos seus textos. Very beautiful.

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  6. Também acredito no final da ponte colorida ...

    BELELÉRRIMO"

    ;-)

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  7. Que texto foda! "as coisas morrem num suor plástico..."

    Cadê seu livro? Eu quero!

    Bj

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  8. o horror, o horror, não se pode fugir do horror.

    :/

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  9. Mas é uma dessas putas literárias, hein???? Das mais ordinárias e das mais profundas - em todos os sentidos!!! Hehehehehe! Amo-te, guri!

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  10. Eu não. Não creio que a ponte colorida exista, ou tenha final. Algumas pessoas pintam suas pontes para parecer menos chocante, mas no fim é tudo uma grande ponte cinzenta despedaçada. Sorte de quem não cair.

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