Friamente, quando o relógio anunciar que 2011 é morto e, de
sua mortalha gasta nascer 2012, nada terá mudado. Todos (salvo os que passarem
desta para melhor em data tão auspiciosa) acordaremos os mesmos, fazendo
basicamente as mesmas coisas, como nossos pais.
Esse voto de confiança cega que se empresta ao novo ano é
papo para bovino pegar no sono, serve mais como auto-indulgência, um tapa em
costas próprias nos parabenizando pelo que realizamos (geralmente pouco diante
do sonhado/planejado) e incentivando a nós mesmos a ter novos planos para os
365 dias vindouros assim como acumular, no mesmo período, seja lá o for que não
realizamos nos 365 que acabaram de perecer, gratos de não ter mais que olhar na
nossa cara de pau.
Vamos empurrar com a pança desde o primeiro do ano e fazer
como Souza de ‘Não verás país nenhum’ afinal, não é assim que somos mesmo? Essa
catarse do último dia do ano, essa lavagem intestinal e interna que promovemos,
na verdade, é de faxada, não vinga mesmo nas raízes e faz apenas tirar a capa
de verniz do ano velho trocando-a pelo do ano novo, mais brilhante, mais
bonita, nova, promissora.
Mas seria isso mesmo? Esse amargo é o tom certo para essa
época? Alguns dizem que sim, balela de fim de ano, hipocrisia sazonal,
abestalhamento espiritual, simplificação de coisas complexas ante o fim de um
ciclo e inicio de um outro novo mas que, via de regra, não faz mudar nada salvo
os dias no calendário.
Por outro lado, somos essencialmente criaturas cíclicas,
direta ou indiretamente, propositadamente ou sem propósito algum mas não menos
cíclicas. Temos a vida regida por fases, ciclos e ritos de passagem e acho que
estes são em si essenciais ao bom desenvolvimento do que somos ou podemos vir a
ser e como lidamos com cada fase dessas determina e muito o quê e quem somos.
Assim, esse rito de matar um ano e deixar para trás tudo
que se passou, dar essa esperança, mesmo que inocente e quase imbecil a um
futuro que não sabemos o que tem reservado ou, pior, sabedores de que não trará
talvez efetivamente nada de realmente novo, creio ser essencial para manter a
sanidade. Traçar as mesmas metas e, imbuído de uma certeza férrea,
determinar-se a executá-las no ano recém nascido ainda que seja apenas para ao
final dele renovar os votos para o seguinte, ajuda a manter a cabeça no lugar,
o espírito em ordem e nos torna mais humanos.
Esperar o melhor, ter certeza do pior e para ele
preparar-se, pode soar coisa de auto-ajuda mas acho que funciona mais do que o
inverso. Não se trata de um clichê festivo mas de uma constatção básica de que
ser humano é enterrar ciclos para trazer ao mundo novos, dar essa chance a nós
mesmos e aos que nos rodeiam para que tudo possa ser realmente melhor ou o mais
próximo disso quanto possível.
Por isso mesmo, eu apoio integralmente esse expurgo de fim
de ano, esse exorcismo coletivo, esse prugatório universal e vou mesmo na
passagem do óbito deste para o nascimento do outro desejar ardentemente que
tudo que eu quero não só para mim como para todos nós se concretize da melhor
forma possível o que já muito bom pois todos nós sempre estamos insatisfeitos com
a forma com que nossos planos acabam sendo executados sem saber que, na grande
maioria daz vezes, este e o executado podem diferir enormemente sem que o
resultado final seja alterado.
Usando um clichê, pedi laranjas mas vieram limões, então, o
que você faz?