30 de abr. de 2012

everything will flow...



Engraçado e estranho como a vida ou o destino, se assim se prefere nomear as insondáveis circunstâncias que entrelaçam caminhos a revelia de nossa vontade e desejos, trabalham.

Mais estranho ainda é como a empatia de uma situação pode transpor limites temporais e nos dar uma olhadela num futuro possível com probabilidades e possibilidades que, de nós quem pode saber ao certo, viriam a ser. Por outro lado, essas mesmas situações podem nos dar um despertar, uma consciência do que é realmente importante e de como, por razões diversas e tão individuais quanto nossas personalidades, estamos diariamente a por fora tudo aquilo que realmente conta.

Se há regra mais certa é que nos olhos alheios, poeira é refresco e eu mesmo, vezes antes combativo nessas mesmas páginas que andavam abandonadas, acabei por voltar à minha área de conforto e esquecer de que a pedra que atinge meu vizinho, ainda que não direcionada a mim, faz ondas num lago tranqüilo (apenas sob a superfície) as quais acabam por me alcançar não importa quão longe se pareça estar do epicentro.

Há alguns dias, conhecemos uma das partes envolvidas num desses infames ataques a gueis. Creio que todos se recordem deles, lá pelo fim do ano passado, um casal foi brutalmente agredido na região da Paulista e um deles foi seriamente ferido, houve grande repercussão, entrevistas e todo aquele circo que não eles mas a mídia adora armar apenas para ser suplantado pelo próximo assunto mais escabroso e menos importante.

O casal em si teve sua vida revirada, seu norte perdido tanto pessoal como profissionalmente e pagaram o amargo preço da exposição e, com tamanha guinada, irão dentro de poucos dias, embora do país em busca de ares mais frescos, novos horizontes e oxalá um recomeço. De certa forma foi triste conhecer pessoa tão especial e ter usufruído de sua companhia tão pouco tempo posto que nos pareceu que, fossem outras as circunstâncias, ele e seu marido se tornariam parte de nosso grupo de amados amigos.

Esse gosto amargo do futuro já pretérito me incomoda porém, mais ainda me incomoda o fato de ver duas pessoas que tinham uma vida em comum, planos, sonhos, desejos, terem tudo isso arrancado de si não pela fatalidade que nos ronda feito cães de Agosto mas pela violência ignorante que atinge todos nós pouco importa orientação sexual, classe, etnia ou seja o que for; basta não ser igual, não estar de acordo ou passar ao outro esse impressão e ainda pior, nem isso que ainda poderia, num exercício forçado de lógica, estar aliado a crenças pessoais ou ‘ideológicas’ o que ainda não justificaria de forma alguma o fato mas, a gratuidade da coisa me assusta, faz-se porque se quis, porque ‘deu vontade’ e porque se tem certeza de que, via de regra, será o fato impune.

Esse moço nos disse que muitos lhe torceram o nariz acusando-o de fuga mas, quem de nós aqui longe do olho da tormenta, pode emitir tais julgamentos? Como saber se não agiríamos da mesma forma? Não desejaríamos ir para outro lugar, recomeçar, apagar tudo isso e tentar de novo? Não sei, poderia discorrer sobre um sem fim de hipóteses fosse isso conosco aqui mas é praticamente impossível dizer ao certo o que faríamos e utópico dizer a eles, com as peles ainda doídas do fato, que essa ou aquela atitude é errada e que deveriam levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

Triste, abalou-me profundamente o fato e me fez pensar em como poucos graus nos separam e como fazemos esses poucos graus virarem anos-luz, como é precioso o tempo que temos uns com os outros seja pessoal ou virtualmente pois, sob todos os aspectos, hoje cá estamos e amanhã podemos estar aqui ou ali ou mesmo nem estar.

Entrei nesse exílio aqui pela minha crença firme e já compartilhada de que isto não é oficio mas diversão e, por assim ser, deve ser feito quando desejado mas, ao mesmo tempo, esse contato com pessoas daqui e que mesmo distantes alimentavam, creio eu, uma amizade clara fez e faz falta pois ainda que tenhamos momentos ilha nenhum de nós, como já disse, nasceu para sê-la. Esse encontro com esse amigo novo e que já se vai e por razões tão infames ainda que, como disse, não lhe condene em absoluto, me fez colocar a mim e a meu amor em tal situação e isso me apavorou e fez rogar a todos os santos que nunca e jamais ocorra seja conosco ou com nossos amigos, talvez o impacto tenha sido de ver a desgraça que existe e que pode bater à nossa porta do nada, a qualquer instante.

Não posso prometer que mudarei nossa sociedade para que outros como eles nunca mais passem por situações como essa e não tenham que deixar tudo aquilo que construíram aqui para tentar reerguer suas vidas em outro lugar mas, talvez esteja mesmo na hora de nós aqui desse vilarejo começarmos a unir as forças de alguma forma e tentar, ao menos, fomentar alguma mudança ou acabaremos por ver cada vez mais pessoas, todas são próximas, não há desconhecidos pois a violência/ignorância não conhece amizade ou a falta dela, indo embora, perdendo sonhos ou pior, as vidas.

Nesse meio tempo, só posso desejar a eles toda a sorte do mundo, que encontrem uma nova vida para onde vão e que ela seja infinitamente melhor que a já conquistada por aqui. Que sejam felizes, que construam seus sonhos e alimentem novos, que tenham dias maravilhosos, amor e perseverança para quando dos dias mais nublados, que possam achar tudo aquilo que perderam aqui e que, se um dia voltarem, encontrem não apenas os amigos deixados aqui, sedentos de seu abraço e de revê-los mas, acima de tudo, possam encontrar um lugar onde viver suas vidas em paz, com amor, respeito, justiça e tranquilidade, sem medo.

May the road rise with you!

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