9 de fev. de 2015

A volta que feneceu




Quando eu comecei a escrever, lá se vão anos, não sabia ao certo por onde enveredaria. Era algo mais pessoal e ainda que houvesse o desejo de ser lido, compartilhar o que minha mente insistia em matutar, imberbe, pensava que não era para mim mas destinado aos letrados, aos que realmente sabiam o que faziam pois os lia e não me julgava digno de subir a esse panteão.

Quem escreve sabe que é prazer e sina, ambivalente mas impossível deter o impulso catártico que nos move a esvaziar o co(r)po interno apenas para vê-lo encher-se tão rapidamente quanto foi aliviado. Segui guardando meus rabiscos, apenas divindo com poucos (afortunados?) e dando-lhes vazão inúmeras vezes nas cartas e expressões dos amores que fui conhecendo (muito perdeu-se, deveria ter sido mais zeloso).

Veio a internet e não apenas eu mas uma leva inteira de gente (boa e nem tanto) ganhou subitamente espaço, fomos aí nos achando e compartilhando visões, ideias, pareceres, tudo às vezes congruente e outras tantas diametralmente opostos. Acho que foi o impulso que faltava, se antes o sonho de publicar era algo inatingível, agora tudo era possível! Não era mais preciso sonhar em ser descoberto, ansiar por ter minha arte reconhecida, poderia fazer tudo sozinho.

E assim o fiz. A experiência foi gratificante mas ainda fomentava aquele sonho de ser publicado no estilo clássico, com editora e tudo mais como que para chancelar minha escrita e cobri-la com o manto da credibilidade afinal, todos que publicam por si podem julgar-se escritores mas nem todos os escritores efetivamente são publicados.

Então, quando já me preparava para aceitar as vicissitudes de ser independente, bati à porta de uma certa editora e ela me disse 'SIM'. Foi por pouco, tipo colocar o pé para a porta não fechar na sua cara e ainda mais, era uma editora especializada em literatura LGBT, você sabe quantas assim existem no Brasil? Mais fácil encontrar um animal em extinção. De escritor, aos poucos fui passando a colaborador e amigo, vi o sonho crescer, amadurecer e, infelizmente, fenecer mas, se há verdade no que dizem de que as luzes mais belas ardem intensamente e morrem antes de seu tempo, então a Editora Escândalo brilhou por um bom par de galáxias.

A missão foi dada e a missão foi cumprida, com êxito sim, porque não? Se começa, um dia acaba e penso mesmo que saímos meio à francesa não por uma situação vexatória mas porque os grandes atores não necessitam sair sob ovação em pé, tem ciência de que cumpriram seu papel e de que deixaram sua marca em quem lhes assistiu. A Escândalo fez sua parte com louvor, ajudou a colocar a literatura LGBT no mapa, mostrou ao mundo alguns talentos, disse que era possível, que podíamos não apenas sonhar mas realizar, e realizamos.

Se hoje viramos essa página é apenas para termos a certeza de que muitas outras serão escritas do jeito que for possível pois quem escreve e escreveu sabe que a tarefa não acabou, ainda temos muito a dizer e seguiremos nessa via até que todos nos ouçam e creiam, eles irão nos ouvir. Se há algum ressentimento é apenas para com nossa sociedade que pouco fomenta iniciativas como essa, e o próprio 'mundo LGBT' que muitas vezes prefere perder seu tempo com amenidades ou coisas supérfluas, não prestigiando quem realmente estava fazendo algo para elevar nossa cultura enquanto grupo.

Seguimos agora feito rebanho sem pastor mas seguimos, mais tímidos talvez mas empossados de um sentimento de capacidade e credulidade em nós mesmos inabaláveis. Vimos nossas caras, lemos nossos livros, nos abrimos e nos sabemos não mais sozinhos pregando para as pedras, não apenas Escândalo mas outras casas que também saíram de cena são as responsáveis por estarmos aqui onde estamos hoje e pelo caminho que trilharemos a seguir.

Se essa parte do sonho acabou, acordamos para outra parte dele onde poderemos moldá-lo e vivê-lo com o que aprendemos e sabendo que o futuro é apenas aquela esquina que ainda não dobramos, quem sabe nela não nos encontremos todos novamente para sonhar juntos mais uma vez?

2 comentários:

  1. A vida é isto ... sempre a nos impor esquinas como futuro ... a cada uma destas esquinas q viramos, novas possibilidades sempre se nos apresentam ... é permirtirmos experenciá-las em plenitude ...

    Beijão

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  2. Tú sabe que sou seu maior fã, né? feliz de poder participar de tudo isso e te ajudar no caminho seguinte. Amo-te!

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