Haviam chegadas, partidas, algumas chegavam partidas outras partiam ao chegar e entre acenos, mares nos olhos, promessas sem assento marcado, sentimentos atrasados e vidas canceladas ou em lista, ele chegou.
Sem número de vôo, portão de embarque aberto, passaporte vitalício ao esquecimento com todas as páginas carimbadas pela aduana da vida. Sem beira, eira, euro, dólar ou libra, lenço amarrando os documentos que já haviam rodado o mundo em máquinas de lavar, uma sacola plástica contendo alguns recortes de jornal, um agasalho carregado de conselhos maternos nunca seguidos, um tubo de dentifrício de onde apenas um leve hálito de menta (rançoso) resistia, uma escova banguela de dentes, um exemplar de um autor russo que não terminara sua obra, de páginas gastas nas pontas que seus dedos acariciavam compulsivamente, incompleto como sua vida, repleto como as certezas que levava na alma, cartões de embarque que evidenciavem onde estiveram ainda que não provassem que realmente fora. Uns trocados globalizados num bolso, noutro um furo que lhe roubava migalhas, tempo e o vento.
Chegou para fazer conexão, consigo, com tudo mas perdeu a hora, sempre estava atrasado tentando pegar o próximo voo com destino à vida, contentava-se em levá-la nos saguões de embarque certo de que mais dia, menos dia, ambos haveriam de acertar as conexões e rumar ao mesmo destino.
Mas desta feita, perdido novamente, cansou-se. Da sacola de ar cansado, puxou um amarfanhado dos cartões de embarque já gastos, comidos pelo tempo, os números de assentos já apagados, nunca lhe houvera um marcado, a vida lhe passava em assento livre, deixou os papéis caírem aos poucos no chão e pousou a sacola amiga de guerra num dos assentos disponíveis no saguão.
Chamaram um voo, não era o seu, fosse e não faria diferença, ninguém embarcaria consigo mesmo. Fez fila no portão de embarque com os demais, foi indo e aproveitou-se de uma distração dos atendentes para burlar a passagem. Notaram-lhe o disparate e saíram em sua busca. Correu, ganhou o finger e embarafustou pela portinhola que dava acesso à área externa, o povo atrás dele e o povo de trás digitalizando tudo, afoito, aflito e animado.
Ganhou a pista, entre os aviões, sirenes e pessoas em seus calcanhares. Ultrapassou um jato grande que estancou e soltou um impropério pelas turbinas, abriu os braços em asas e saiu em disparada.
Decolou bonito, vento a favor, leve e tranquilo, digno de pilotos experientes, com milhares de horas de vida sem voo.
Nunca mais foi visto.
Nunca mais voltou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
one is the loniest number...