Dobrou uma rua, depois outra, mais outra e viu que estava perdido, em seu nervosismo errara o caminho. Voltou por onde veio e refez o trajeto, notou onde se equivocara e dessa vez, dobrou a rua certa. Andou por mais alguns metros, a noite já ia caindo morna, quase com preguiça em render o dia.
Qual era a casa mesmo? Deveria ter anotado, não podia ter confiado em sua memória, essa mania de segredo lhe deixava confuso e um tanto enraivecido, estava na rua certa, seria a quarta casa? Não, a sexta, ou seria a oitava? Não queria bater de porta em porta, era a sexta com certeza, bateu na porta, não houve resposta, bateu novamente, não houve resposta, ou estavam lá dentro rindo de sua situação ou estava na casa errada. Empurrou a porta mas ela não cedeu, sentiu a mão no ombro e cubos de gelo se formando em suas veias, num salto, virou-se.
Está perdido? Perguntou um homem de aparência suspeita ou talvez essa aparência fosse a dele não do homem, quem seria suspeito?
Um pouco... disse ele, o suor lhe escorria pela face como um rio.
É ali, disse o outro apontando para algum lugar mais à frente. Ele, em seu nervosismo, não atinava para onde o outro apontava e fez forçar a vista.
Ali, apontou o outro, naquela casa com a porta meio torta, está vendo? É ali!
Desculpe! Disse ele. Ali onde? O que? Como sabe onde vou? Perguntou assustado, estava atrasado, sabia, mas não era possível que aquela pessoa soubesse disso ou para onde ele ia.
Antes de você, disse o outro, tinha mais gente aqui meio perdida, todos entraram naquela casa ali e todos estavam vestidos igual a você. Aqui todas as casas se parecem, é fácil de se perder se não conhecer bem.
Suas mãos suavam, seus pés tremiam e suas pernas já falhavam em sustentar o corpo, outros? Então ele era o único atrasado? Não! Pode ser que ainda falte alguém chegar, talvez seu interlocutor soubesse quantas pessoas haviam entrado na casa mas, qual propósito de ficar ali apontando a casa para outras pessoas?
Outros? Perguntou.
Sim, outros. Eu estava aqui cuidando das minhas coisas e os vi aqui plantados feito moscas, não sabiam onde estavam, apontei a casa e todos foram para lá. Disse e apontou de novo para a casa.
E como sabe que iam para lá? Como sabe que eu vou para lá? Não lhe disse nada, posso estar indo a outro lugar, porque não? Perguntou agressivo, o medo já lhe tomava os músculos e nervos.
Ora, disse o outro, foi um entra e sai o dia todo ali naquela casa, comida e bebida e sabe, a gente mora aqui, a gente vê, não sou de ficar me metendo mas, se posso ajudar alguém, eu ajudo. Vi essas pessoas e certamente não eram daqui, estavam perdidas e naquela casa, faz tempo que não vive ninguém, só podiam estar indo lá. Concluiu.
Estava atrasado, sabia, será que os outros leriam em sua face o medo e o nervosismo? Será que os outros haviam perguntado por ele para aquele homem? De certo que lhe teriam dito seu nome, já saberiam que seu atraso não fora por acaso, poderia voltar, encerrar aquela conversa ali mas e depois? Como faria para dar conta da sua parte do acordo que havia fechado? Seria preciso sumir e para ele, isso não seria fácil, não depois de ter andado com todos os outros para cima e para baixo naquela missão descabida.
Sabe quantas pessoas? Perguntou, na verdade sua boca o fez, sua mente não teve tempo de ponderar sobre a validade ou aplicação daquela questão.
Isso eu não sei, respondeu o outro, eu mesmo só indiquei a casa para umas quatro pessoas, eu acho mas, e levantou os olhos como a fazer um cálculo, vi aí passar mais umas gentes indo para lá.
Mais umas gentes! Bem, se ele havia indicado a casa a quatro, então ainda restavam oito com ele não contando, claro, o rabino que ou já estaria lá ou estava a caminho. Contemos então que já há quatro pessoas na casa ao menos, cinco se o rabino já está lá então, contando com ele ainda faltariam mesmo oito.
Estava atrasado, sabia disso, se quatro já estavam lá e ele chegasse naquele momento, os que viessem depois seriam os atrasados, não? A que horas haviam marcado? Não lembrava bem, ao cair da noite? Mas a noite tardava tanto a cair naquele dia e, além disso, o que significa cair da noite, pode ser quando já não há mais evidência de luz do dia? Ou quando ainda restam alguns vestígios do dia feito pequenas velas acesas no horizonte?
Se ele talvez esperasse um pouco, quem sabe? Poderia dar mais uma volta, retornar àquele ponto e perguntar a seu interlocutor, contando que ele ainda estivesse ali prestativo para ajudar almas perdidas como a sua, se outros haviam passado por ali e entrado na casa.
Bem, disse o outro, o amigo me dê licença que preciso entrar, já cai a noite e, por essas bandas, ficar aqui fora sem necessidade não é lá muito bom. Fez uma mesura com a cabeça tão rápido como aparecera, sumiu.
Estava atrasado, e sozinho. E se aquele estranho fosse um enviado para garantir que ele iria cumprir com o acordo? E ele havia se retirado dizendo que a noite já ia caindo então, era hora? Iria aguardar ali mais alguns minutos, quem sabe um dos outros passasse e ele poderia então chegar junto com ele, juntos não seria tão ruim, atrasado e sozinho era muito pior.
Sim, iria esperar, ficaria ali pelo menos mais alguns minutos, certamente um dos outros logo passaria, tão afobado quanto ele, tão nervoso, não, ele estava mais, o que o atrasava não era o tempo mas a angústia de saber o feito que tinha pela frente.
Os outros, saberiam? Suspeitavam? O rabino de certo, esse ninguém enganava, o homem era esperto mas os outros, talvez aquele metido que só acreditava nas coisas que podia ver ou pegar. E o outro que não saia das barbas do rabino? Aquele sim devia saber de algo mas, talvez não, talvez não soubessem e ele precisava apenas não estar atrasado, chegar, entrar, fazer sua parte e depois cumprir com o acordo.
Seus dedos tremiam e tamborilavam em suas coxas, ninguém mais passara e agora, a noite já não mais caía, já havia se derramado por completo. Estava atrasado, sabia, desistiu de esperar e resolveu ir.
A passos lentos foi se aproximando da casa que o outro lhe havia indicado, a porta era realmente meio torta, de certo que para abrir teria de haver uso de força, como ela, ela estava fora dos caixilhos.
Parou na frente da casa, ergueu a mão e, antes que a pusesse a bater na porta, relutou, a mão planando no ar a poucos milímetros da porta, pensou em desistir, em voltar, em mentir, em inventar algo. Pensou em correr, em perder-se no mundo, mudar seu nome e sua aparência, talvez casar e ter filho em outro país ou cidade, poderia ser apenas mais um e não um naquele grupo aliás, nem sabia porque estava com eles, até soubera um dia mas depois, isso se perdeu entre dúvidas e dilemas que sermões não conseguiram dissipar.
Já estava recolhendo a mão, decidido a ir-se quando, de súbito, a porta rangeu alto e abriu, sua mão no alto fechada ficou estática, seus olhos abertos como janelas estavam gelados e sua boca, num esgar, lhe traiu com um silêncio inoportuno.
Do outro lado veio apenas uma frase.
Judas! Você está atrasado, todos já estão aqui e o rabino perguntava de você, entre!
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