Eu sentei aqui para escrever essa carta mas comecei a escrever e agora não sei bem para quem ou por que ou se essa carta vai ter alguma serventia que não seja ir pro lixo ou fazer você chorar se é que alguma coisa é capaz disso mas, vou tentar mesmo sabendo que escrever carta hoje é algo meio ridículo, quase infantil, quem faz isso? Eu faço, sempre fiz e se você se der ao trabalho e tiver tempo e desejo, há uma caixa de sapatos - nossa, que clichê, cartas em um caixa de sapatos - de tênis melhor, aquele que você usava direto até que eu fiz você tomar vergonha e parar de usar, sabe? Pois, estão lá, devem estar impregnados com aquele cheiro forte dos teus pés, cheiro que eu amava, lembra? Quando nos conhecemos você tirou primeiro o tênis e aquele cheiro forte entrou pelo meu nariz e eu gozei por dentro e me apaixonei por você ali de joelhos cheirando seus pés, você gostou, eu lembro e, na verdade, muitas vezes eu esperava você guardar o tênis para depois ir lá enfiar minha cara nele e gozar porque aquele era o seu cheiro e não aquele cheiro falso de desodorantes e creme de barbear.
Enfim, elas estão lá, com o cheiro do seus pés, com esses pés que eu amava e com os quais você pisou em mim e em tudo que eu sentia, eu deixei, permiti porque pés como os seus não é todo dia que se acha, grosseiros e delicados no limite entre um outro, com suor e cheiro na medida certa, eu me apaixonei pelos seu pés e depois por você e as cartas agora fedendo aquele cheiro bom dos seus pés estão lá, você pode ler, rasgar, pisar - seria uma despedida ideal, ter seus pés sobre elas e sobre cada palavra que escrevi, feito um desprezo contido que você deve ter e nunca me falou - fazer como bem entender, elas são suas, não são minhas, não as escrevi para guardar um diário ou deixar testemunho de algo ou prova de algum tipo de amor que nunca fui disso, você sabe; acho que as escrevi mais como lembranças de um amor que me pegou pelos seus pés, esses pés que eu cheirava escondido enquanto você dormia cansado, suado e sem banho porque eu insistia que você descansasse sem sem lavar e você ia talvez por estar mesmo muito cansado ou porque sabia secretamente de que eu iria, na treva da noite, prestar meu olfato aos seus pés e ficava ali por horas sorvendo aquele aroma de suor e poluição dos seus pés e às vezes os lambia e você se mexia ou fingia se mexer e deixava eu seguir com minha adoração até clarear o dia algumas vezes.
Lembro de uma vez em que você me perguntou de onde saia essa paixão por pés e eu respondi que ela inexistia até que encontrei os seus pés naquele dia, com aquele tênis e com aquele cheiro que despertou em mim algo tão forte que eu roubava suas meias usadas para cheirar durante o dia e misturava minha essência com ela para fazer um cheiro novo que era de nós dois e eu só as jogava fora quando já não era mais possível distinguir qualquer cheiro de tão gastas, acho que o amor faz disso com a gente ou a gente faz disso com o amor que a gente descobre e não tem medo de sentir, no seu caso foram os pés mas poderia ter sido outra coisa, suas mãos, seu joelho, suas coxas, suas bolas, seu cotovelo, já me apaixonei por todas as partes da anatomia humana eu acho mas seus pés foram o amor mais forte que já senti, acho que nunca mais sentirei algo assim por outras partes do corpo de outra pessoa.
O parágrafo acima soou como despedida e é efetivamente uma, não se preocupe, nada errado ou nenhum mal foi feito, seus pés seguem inocentes, se podem ser culpados de algo é de ainda terem o mesmo cheiro de quando nos conhecemos, o mesmo aroma, o mesmo odor forte nos dias quentes e o mesmo odor leve nos dias frios e confesso que levo comigo um par de tênis seus usados - não aquele que você teimava em usar até que eu disse ou ele ou eu, o mesmo que está como guardião das cartas na caixa - e algumas meias para cheirar quando bater a saudade forte; se há algo ou alguém a culpar é o tempo a anatomia humana que mesmo sendo a mesmo a milhões de anos ainda me surpreende e eu me apaixonei por outros pés, acho que estou numa fase de pés, culpa sua, antes de você os pés para mim eram apenas um fetiche, nada mais, depois de você ela viraram um tipo de artigo fino que eu aprendi a apreciar feito um tipo de degustador, sei refinar os aromas e sou capaz de dizer apenas por ele que tipo de calçado usam, quanto tempo estão sem ar, qual tipo de meia, se são cuidados ou desleixados, se merecem ser cheirados ou não, tudo graças aos seus pés que seguirão comigo para sempre como a referência, o padrão, não aceito menos.
Não culpes os pés novos por minha partida, já disse que não são culpados, acho que apenas a rotina tornou seu cheiro dos pés algo comum, mesmo nos dias mais ousados em que você ficava com as mesmas meias, acho que senti isso quando passei a cheirar seus pés não ter mais um frescor suado de desejo, um cheiro de pés que eu precisava por na boca ou cheirar, eles não perderam o gosto mas eu me acostumei e preciso de outros sabores, não quero que você se sinta mal ou traído, deixei aí as cartas para seus pés e acho que é bem provável que algum dia eu precise dos seus pés suados para matar um desejo ou reviver uma lembrança mas, por enquanto, quero viver esse amor novo e sentir esses pés novos em mim, eles não tem o mesmo cheiro que os seus, nem pior ou melhor, apenas diferente e, se fecho os olhos, posso até sentir algumas notas dos seus pés nesses novos, reforço que não é novidade em si mas o cheiro novo, estranho porque é novidade mas não é uma novidade que provoca, apenas que excita e não são feitas para isso as novidades? Acho que o que eu quero dizer é que eu sou uma criatura olfativa e o cheiro, meu amor, o cheiro é o que move a humanidade e, no meu caso, o cheiro dos pés, eles que movem a gente, acho que fascina querer senti-los e de alguma forma fazer parte do avanço da humanidade, algo assim.
Bom, me despeço, deixei algumas meias minhas de alguns dias onde gozei para você, não sei se vai gostar, nunca vi você, muito interessado nisso mas, pode ser um início ou pelo menos uma lembrança minha que você pode deixar pela casa ou cheirar quando e se sentir saudades minhas caso contrário pode jogar no lixo ou vender na internet e faturar uma grana, tem gente que paga e bem por esse tipo de artigo mas, pessoalmente, me sentiria feliz em saber que pelo menos uma vez você as cheirou e pensou em mim...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
one is the loniest number...