3 de ago. de 2021

o tédio é coragem que matamos com a vida adulta

 



eu lembro de um tempo que era meu e de outros e que hoje pertence a quem lhe é de direito porque esse tipo de tempo passa rápido e tem dono por um breve período de tempo, não se submete a um único mestre, demanda que a cada ciclo novos senhores lhe ditem os rumos para poder falar de coisas e vidas que estão ali no momento e que precisam dobrar o espaço e o tempo para fazer do seu prazer a vida eterna que levarão até o final quando o tempo estender ante os olhos a manta costurada durante os dias que foram feitos com o desejo que nasce e morre para morrer nascido de novo com outras placentas.

talvez seja saudosismo, nostalgia, um tipo de saudade que a idade vai fomentando feito massa de pão que ela vai sovando quando somos imberbes porque sabe que a massa cresce mas leva tempo, muito tempo. talvez uma constatação de que os anos não dobram a gente, a gente é que vai dobrando os anos conforme eles se acumulam, vamos dobrando cuidadosamente um a um formando uma pilha de folhinhas amarelas que vão se amontoado num canto da gente feito poeira que a vassoura não consegue limpar.

tudo isso vai se formando num caldo que faz a gente começar a valorizar o que foi, não que o valor do que é não seja, não esteja e não valorize mas, o que foi parece feito de outra liga, material ou feitura, brilha diferente, tem uma luza própria que ofusca o agora com uma cegueira incapaz de ser curada, um perfume impossível de tirar do nariz, um gosto que não sai nem com água sanitária, um toque que não cicatriza mesmo depois de anos.

pode ser um atestado de senilidade ante a agilidade e rapidez que imperam, o hoje tem muito poder, o agora virou algo tão precioso, o momento virou um ouro raro, tudo tem de ser imediatamente processado, gostado, curtido, levado, sentido e tanta adrenalina vai para onde? cérebro fica encharcado de tensão e tudo precisa ser valorizado num segundo e seu milésimo e quando eu era das horas e dias as coisas pareciam durar mais, sentir mais, gozar mais porque não havia como saber e sentir sem arriscar, sem o medo de estar totalmente errado e sem qualquer tipo de manual, guia ou canal que pudesse dizer o que era e o que não era, vivíamos o mistério, o desconhecido, tudo se desdobrava a nossa frente como um tipo de véu espesso que íamos tirando apenas para descobrir outras camadas debaixo e não acabava nunca e a gente precisava ir tirando para saber o que viria depois.

eu sinto falta desse mistério, desse descobrimento, dessa sensação de não saber de nada e achar que sabia de tudo, dessa vida obscura que não se deixava observar, a gente precisava fazer a cirurgia de peito aberto e sem anestesia para senti o que estava acontecendo e depois resolvia o que fazer com a dor ou com o prazer que muitas vezes vinham juntos. sei que hoje esse mesmo mistério ainda está por aí, mesmo com tudo tão nas caras, mostra, vivo, aberto em milhões de feeds e likes mas ele está lá, o mistério segue firme e forte porque ele não tem medo de nada, nem do like nem do block, ele se reinventa e segue nos mantendo vivos porque sem ele a gente morre e se a gente morre qual vai ser o mistério?


Um comentário:

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