Creio que todos tenham visto esse caso aqui.
Antes, deixo claro que não estou absolutamente defendendo qualquer comportamento violento ou abusivo da autoridade policial mas apenas encarando a profissão de PM como qualquer outra com seus problemas e dificuldades ante uma conjuntura social complexa e insana que acaba cobrando de todos nós um preço alto demais e inserida num Estado que valoriza acima de tudo a violência, a necrosociedade e a regra de que bandido bom, é bandido morto sendo que a definição de quem é ou não bandido fica critério deles.
Igualmente, não posso compactuar e justificar sob um aspecto humanitário e social a violência extrema que vivemos principalmente nos grandes centros, creio que todos estamos fartos de ler e ver notícias sobre sequestros, gangues, latrocínios e tudo mais, tudo desembocando numa sensação de frustração e impotência que permite ao Estado e a nós mesmos aplicar a lei do cada um por si e aí, meus caros, não há mais esperança de salvar quem quer que seja.
Por mais que nos sintamos indignados e com raiva, se deixarmos esses sentimentos nos dominaram perderemos o foco da raiz do problema, estaremos sempre atacando o sintoma e não a doença e a causa dela não é apenas a polícia mas todos nós que vivemos em sociedade.
A relação que temos com a polícia é uma relação de amor e ódio, precisamos dela e ao mesmo tempo a execramos, elogiamos quando nos atende bem e ofendemos quando age mal, detestamos precisar dela mas tememos não tê-la por perto e esse tipo de sentimento e comportamento paradoxal vai de um extremo a outro conforme a classe social em que vivemos, brancos classe média tem um tipo de visão e sentimento, brancos classe alta outro e pobres, negros e periféricos outra totalmente diferente e, a grosso modo, seria respectivamente algo assim: os primeiros querem proteção e segurança mas acham que ela exagera e que o problema é estrutural discutindo do alto de seu chão de taco e MPB descolada, os segundos acham que a PM é tipo o novo capitão do mato, feitor, tem de manter os pobres e demais longe e sob controle, sua milícia pessoal sempre disponível a um telefonema para algum deputado ou governante e os últimos, só sabem que ao ver uma viatura existe uma chance grande de serem presos, agredidos, humilhados ou mortos.
Essa relação complicada é herança da ditadura, as polícias eram braços da ditadura e, depois da abertura, seguiram impregnadas dos refugos do regime que, se não estão mais aí, deixaram as corporações abastecidas de suas ideias e comportamento que parecem ter sido inscritos em pedra sagrada quando não tem uma relação espúria com o crime e tornando-se algo ainda pior e mais perigoso, as milícias que estão devorando sem medo o RJ e começando a estender seus dedos para outros estados.
Mas não é só isso, uma profissão como PM é um trabalho ingrato além de extremamente perigoso, todos nós quando saímos de casa para trabalhar ou seja o que for, temos uma chance de não voltar vivos afinal, a vida é uma sacola plástica jogada ao vento mas, um policial tem essa chance aumentada de forma exponencial e isso para ganhar um salário que mal paga as contas do mês. Como pedir que essa pessoa entregue sua vida diariamente se ela mal consegue sobreviver dignamente? Da mesa forma que os professores são pouco valorizados e deles se espera muito, fazemos o mesmo com a polícia sendo que eles esperamos que morram para manter a lei e a ordem mesmo quando a lei e ordem parecem algo meio sem sentido.
Temos um perigo alto aqui não apenas por demandarmos que pessoas mal preparadas e mal pagas saiam armadas pelas ruas para zelar pela segurança pública mas por entendermos que seus excessos e truculência são justificados numa sociedade que só entende a linguagem da porrada, o malandro é sempre o outro e ele precisa ser detido e colocado atrás das grades mas, as mensagens que enviamos aos agentes da lei são dúbias, mate mas seja humano, bata mas seja doce, afaste o perigo mas o abrace, seja humano mas agressivo, zele por mim mas não espere que eu zele por você e, se você exagerar ou ultrapassar algum limite, eu vou te condenar mas lá no fundo eu te entendo e apoio, como fazer uma relação dessas funcionar?
Nossa relação com uma corporação que deveria atuar como ajudante de manutenção de algum tipo de tecido social é tóxica, tomamos as partes pelo todo e enxergamos na polícia algo a temer e crucificar porque são bestas fardados que o Estado usa para manter a ordem enquanto outros exaltam que a mesma polícia anda matando pouco e deveria mais é sentar o pau em vagabundo então, como essas pessoas devem se comportar se não está claro o que se espera delas? Sem contar que, socialmente, elas estão lutando para viver de forma digna, não tem estrutura física ou emocional para lidar com trabalho de altos níveis de estresse, tem a sociedade e lhe cobrar coisas distintas, não pode ser feliz em seu trabalho e tem de lidar com o medo da morte, que a todos nós parece algo distante, de forma muito próxima e quase certa?
Esse comportamento do PM da matéria acima não é então surpresa, é sim o normal, o esperado de uma pessoa que não tem claro seu papel na sociedade, não sabe ao certo como desempenhá-lo para contento de todos, não recebe o suficiente para isso, não tem preparo ou amparo para isso e acaba apenas reproduzindo o comportamento que essa mesma sociedade espera que ele tenha apenas para, em seguida, ser condenado por ter apenas correspondido ao que se esperava dele.
Antes de condenar a PM como um tipo de mal maior, deveríamos apontar nossos dedos para a sociedade e seus grupos que perpetuam os mesmos vícios e privilégios há séculos, se a PM é um monstro foi essa sociedade que os criou e alimentou, eles não surgiram do nada e se há truculência, violência, exageros e abusos não é por que eles são sádicos dementes, podem até ser alguns deles que são apenas humanos mas eles refletem apenas o comportamento dessa sociedade que os fomentou a agirem a assim.
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