Havia tido um pesadelo horrendo. Ainda incerto de estar realmente acordado ou ainda preso naquele horror onírico, chamou pelos outros Deuses para lhes contar o que sonhara e pedir que lhe interpretassem, dessem algum sentido, ordem ou significado pois mesmo sendo Deus, quando nos domínios do sonho ainda se submetia aos desígnios de divindades muito mais antigas, anteriores e há tempos esquecidas e mortas salvo na mente dos Deuses novos que ficaram em seu lugar sem saber se eram filhos desses Deuses de antes ou Novos Deuses que criaram a tudo que existia.
Cercado já dos outros Deuses, começou a contar-lhes seu pavoroso pesadelo mas antes, perguntou por quanto tempo havia dormido. Os Deuses não sabiam responder ao certo, alguns diziam apenas dias, outros horas, uns diziam que talvez milênios ou milhões de anos mas o consenso era que não se podia dizer já que o tempo para Deuses fluía de forma distinta.
Conformado com tal ignorância, o Deus começou seu relato.
Não se lembrava de como tinha adormecido mas apenas de, sem razão aparente, ter sentido um sono incontrolável e dormido quase que instantaneamente. Deuses dormem ainda que seja um fato muito raro e que deva ocorrer, para colocar em termos humanos, como se uma pessoa dormisse durante todo o decorrer de sua vida apenas duas vezes antes do sono permanente que nem mesmo Deuses podem escapar ainda que para eles, tal sono seja outra coisa.
O Deus lembrou-se de que de início não havia notado nada anormal, Deuses sonham mas são cuidadosos ao sonhar pois às vezes, de seus sonhos podem surgir realidades inesperadas e incontroláveis. Disse que primeiro apenas sonhara, nada fora do comum, sonhos de Deuses são de certa forma parecidos com o humanos, mudam apenas em escala.
Lembrou-se de que tudo parecia correr bem enquanto sonhava até, em certo momento, passou do sonho ao pesadelo onde pessoas eram criadas a sua imagem e habitavam um lugar idílico onde tudo era permitido e concedido e a inocência reinava lado a lado com o conhecimento mas, a criação divina parece não ter ficado satisfeita com aquilo e queria algo chamado liberdade e acabou se rebelando e o Deus, ressentido, expulsou a todos do lugar concedendo a liberdade que almejavam mas advertindo que ela não viria sem um preço.
Dali em diante o pesadelo foi piorando pois as criaturas e o Deus nunca mais se entenderam e pensavam sempre novas formas de ofender um ao outro acarretando guerras, desgraças, fome, doenças, morte, extinções, horrores jamais imaginados e tudo só fazia piorar ainda que, de tempos em tempos, houvesse algum período de distensão como um tipo de fôlego que se toma antes de mergulhar novamente a cabeça na água.
O Deus lembrava-se de que mesmo tendo feito de tudo para ajudar as criaturas, sua relação com elas seguia deteriorando e cada vez mais tanto ele como elas estavam descontentes e sem encontrar uma solução para a relação já desgastada. Havia gente qua ainda tentava fazer com que as duas partes se falassem mas eram arremedos de profetas e enviados e só faziam mais mal do que bem até que, depois de uma doença que dizimou quase todas as criaturas e que não fora do feitio do Deus porque ele, apesar de tudo, amava as criaturas e apenas enviava castigos proporcionais a ofensa que um filho comete a um pai eternamente amoroso; o Deus resolveu que era tempo de encerrar aquele experimento falido e num estalar de dedos dizimou todas as criaturas e foi nesse momento em que acordou.
O Deus terminou seu relato e pediu aos outros Deuses que lhe interpretassem o sonho. Sem saber o que dizer, os Deuses ficaram olhando uns para os outros buscando algum tipo de informação que permitisse responder ao questionamento feito mas sem encontrar.
O Deus ficou impaciente ante a mudez dos Deuses e exigia que lhes dessem uma explicação para aquele sonho inquietante até que, entre os Deuses, um se levantou e aproximando-se do Deus pousou a mão esquerda em seu ombro e disse.
Mas Deus está morto! Nós não somos Deuses mas seus companheiros neste sanatório há anos já! Você morreu faz tempo e nós também morremos há tantos anos que nem mais sabemos contar mas seguimos vivos e sonhando que somos Deuses e que você é Deus porque estamos vivos nas mentes de quem ainda lembra de nós mas, fomos trancafiados aqui porque não somos mais do que lembranças mesmo e ninguém lá fora quer viver delas salvo esses poucos que nos mantém vivos. Nós morremos juntos faz muito já, apenas não fomos enterrados mas trancados vivos aqui para irmos aos poucos definhando até deixarmos de ser...
O Deus olhou para o Deus com olhar perdido e um pequeno fio de saliva correu do canto de sua boca, talvez fosse uma lágrima que incapaz de encontrar caminho pelos olhos acabou saindo por ali e, engolindo em seco disse.
Deus, estamos aqui então? Vamos morrer assim?
Todos acenaram com a cabeça e o Deus então deitou-se, encostou a cabeça no travesseiro e voltou a dormir.
Deus, estamos aqui então? Vamos morrer assim?
Todos acenaram com a cabeça e o Deus então deitou-se, encostou a cabeça no travesseiro e voltou a dormir.
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