Lembrança #6
Meu pai adorava aviação, talvez por isso eu tenha acabado trabalhando nela anos a fio. Lembro de me levar ao Campo de Marte, tirar fotos com os aviões, de festas de fim de ano em Congonhas, saía com um saco de brinquedos. Lembro de irmos em Congonhas (não havia Guarulhos na época) apenas para ver os aviões pousarem e ele me dizia os nomes e modelos de cada um deles. Lembro que ele me iniciou no modelismo, montávamos os kits Revell juntos e depois eu passei a montar sozinho e sempre aviões.
Havia algo mágico nos aviões, talvez o único campo de interesse comum entre ambos já que outros eram intangíveis, os aviões eram um campo seguro mesmo que voassem.
Lembro uma vez em Ubatuba, a família em férias alojada numa casa próxima do aeroporto local, privilégios de quem trabalhava com aviação, lembro das marmitas do Jorge que era nossa alimentação diária, minha mãe nunca foi afeita a culinária, eram aquelas marmitas de metal que vinham num tipo de gancho de metal umas em cima das outras, em cada uma um prato da refeição.
Lembro de um dia meu pai me chamar, íamos dar uma volta só que seria de avião, pegamos o monomotor com um dos pilotos locais e fomos de Ubatuba até São José dos Campos, bate e volta, lembro do avião mais parecer um aquário com asas, o barulho do motor e do vento e da sensação de que não havia chão e que meus pés estavam flutuando no ar.
Lembrança #7
No mesmo lugar acima, lembro de um trem fantasma, desses de parque pequeno, de praça, aqueles do tipo pague para entrar, reze para sair, nunca um trem fantasma teve um nome tão apropriado.
Lembro de meu pai, enquanto duraram nossas férias, estar vestido sempre com um chinelo de dedo feito de algum tipo de fibra de palma ou algo assim, uma bermuda cáqui que ele prendia à cintura usando uma cordinha para horror da minha mãe.
Lembro de irmos no trem, não lembro muito bem do brinquedo em si mas sim de meu pai, ao final, perguntar para mim se eu havia sentido algum choque ao que respondi que não, nenhum. Ele insistiu, encafifado pois ele havia sentido mas respondi que não até que finalmente ele fez a conexão, seu chinelo estava molhado e, ao colocar as mãos na barra do carrinho para segurar e com algum fio fujão desencapado, fechou o circuito e então, os choques, lembro dele rindo e minha mãe pasma.
Lembrança #8
Lembro do natal, natais, em casa, árvore e enfeites e a espera pelo Noel que não podia ser visto ou não deixaria os presentes. Na manhã seguinte, as coisas materializavam e eu acreditava que o Noel havia passado e recompensado meu bom comportamento.
Lembro tempos depois já desconfiar que esse papo de Noel era fake news e, um natal, depois de pedir um certo brinquedo e intuir que o bom velhinho era na verdade cria da casa, ter descoberto no guarda-roupa o presente e desfeito as ilusões minhas de de meus pais afinal, não são os filhos meros conduites para os sonhos dos pais?
Lembrança #9
Lembro da criatividade do meu pai, coisa que herdei dele, uma capacidade de fazer aliterações e tiradas rápidas, Wans diz que eu sou ele e quando ficar velho, serei ele sem tirar nem por.
Lembro dele ser de uma cultura imensa e essa bagagem lhe permitia brincar com praticamente tudo desde verbos, coisas banais e coisas importantes. Lembro dele falar (e minha mãe odiar) que ia C.A.G.A.R e eu ficava completamente sem entender nada e apenas recentemente me caiu a ficha do que ele ia fazer, assim era ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
one is the loniest number...