10 de dez. de 2009

working girl...



Reunião de amigos. Final de ano. Festa. Confraternização.
No bar, no meio deles todos, sente a garganta seca não importa que já seja o sexto chope. Entalado, o segredo quer sair, se misturar aos seios, bundas, vaginas e imagens putas soltas pelos outros.
 
Porém, suas imagens putas são do contrário, mais alguns chopes e os amigos ali presentes passariam a fazer parte delas. Soltá-las seria pedir o fim da festa. Melhor continuar tentando forçá-las goela abaixo.
 
Mais petiscos, mais álcool, mais tédio, mais futebol, mais gostosas, mais conversa de machos. E o tédio crescendo, ele ainda se esforça para participar e comentar um ou outro assunto mas se avança dois passos dentro daquele território estranho é muito. Quando isso ocorre, o próximo passo causa um isolamento como se ele descobrisse falar uma língua totalmente diferente dos habitantes daquele local.
 
Mais álcool, é o remédio. Então, a certa altura, alguém lhe faz uma pergunta, não entende bem mas sente o cheiro do sexo permeando a inquisição. Todos olham para ele, culpado, dez anos de trabalhos forçados. Pensa em responder qualquer coisa mas a verdade sai limpa e crua:
 
‘Porque sou gay’
 
Há um segundo, ou minuto, ou hora de silêncio. Solene. Palpável. Olhares se cruzam na mesa, o desconforto é material. Então um deles agarra o machado irônico e solta:
 
‘Ah! Mas a gente já sabia, tava esperando só você contar..’ seguido de outro encorajado pela quebra do protocolo:
 
‘Claro! Além do mais, isso não importa pra gente, você é nosso amigo’. Seguem-se mais demonstrações solidárias, chistes, ironias e afins. Ele vai aos poucos encontrando conforto e sentindo que as rédeas que segurava até deixar roxos os dedos vão aos poucos se afrouxando e quando dá por si, seus cavalos estão novamente selvagens.
 
De posse de um assunto novo, todos se animam em analisar, contestar, questionar. As perguntas chovem nele e entre os outros. Respostas descabidas, idéias arcaicas, pré-concebidas, pré-conceitos, estereótipos e ele tentando, da melhor forma possível, esclarecer a todos. Difícil esclarecer coisas sobre um grupo ainda que seja parte dele, as opiniões que emite, deixa claro, são suas, subjetivas e não devem ser tomadas como uma verdade gay.
 
Fatalmente a conversa descamba para o sexo. A curiosidade é enorme pois foge do papai/mamãe que lhes é familiar e, sendo machos, qualquer chance de fornicação é válida ainda que neguem isso sob tortura. E lá vai ele se desdobrando sobre ativos, passivos, oral, anal e afins.
 
Na mesa, os olhares são de espanto, algum nojo (disfarce do desejo) e muito sarcasmo. A cada revelação daquele mundo ele vê os outros querendo mais, ansiosos por algo que lhes tire o tabu da cabeça liberando-os da culpa ancestral. Então, um deles dá um golpe final:
 
‘De nós aqui, quem você faria?’. Coro de desaprovação, mais risos, mais piadas mas a curiosidade sobre o que ele acharia atraente é maior. Como um macho enxerga outro, ser o alvo do desejo de outro macho, essa ambigüidade, esse veneno, essa coisa é maior que os pudores e eles se postam a espera de respostas.
 
Ele chega a se negar mas a vaia vem espessa, em bloco e o álcool não ajuda a lhe fazer barreira.
 
‘Bom’ diz ele ‘dos que aqui estão, só não faria o Paulo e o Luis’. Gargalham até o choro entre ironias e piadas baixas, humilham os rejeitados incitando-os a ingressar no seminário pois nem mesmo os machos os cobiçam. Estes dão graças por não serem alvo do amor masculino, da afeição sem nome.
 
Ofensa para ele afinal, ser gay não significava ficar com restos, com o que as fêmeas enjeitaram porém a guarda para si não querendo fazer palanques ali. O álcool se faz presente em sua bexiga, precisa esvaziá-la.
 
Levanta-se e via em direção do banheiro. Entra e dá de cara com o espelho, uma caricatura? Um novo eu, liberto? Sorri de esgar e vai para o mictório quando vê que outra pessoa entra no recinto das águas.
 
‘E aí, Paulo?’ diz ele para o amigo que ia compartilhar com ele o alivio. O outro nada responde enquanto ele começa a verter sua água. Percebe que o outro não faz nada, está apenas ao seu lado com olhar contrariado.
‘Porque?’ diz o outro.
 
‘Porque o que?’ responde ele.
 
‘Porque você não me faria?’ diz o outro. Pego de surpresa, ele nem sabe como responder e nem consegue pensar e urinar ao mesmo tempo por já estar bem alto. Olha para o outro com ar perdido, a boca numa abertura estranha esperando que lhe saiam palavras.
 
‘Porque?’ repete o outro.
 
‘Não sei’ diz ele ‘Acho que nunca pensei direito...ah...acho que você não faz meu tipo, sei lá e...nunca nos falamos direito e você nunca...sei lá..’ o álcool lhe inibe as sílibas tornado-o pouco mais que um símio.
 
‘Como você sabe que não sou seu tipo?’ diz o outro chegando mais perto dele ‘Sou tão feio assim?
 
Ele já acabara de urinar mas ainda segurava o pau flácido e úmido.
 
‘Não, não é isso’ diz ele acuado ‘É que eu nunca...deixa pra lá..vamos sair daqui..’
 
Ele tenta fazer caminho para sair mas o outro barra sua passagem e de súbito, aproveitando os reflexos mais lentos do alcoolizado, prende-o num beijo longo, brusco, áspero, sôfrego e determinado.
 
Uma eternidade depois, desgrudam-se. Um satisfeito por ter sido determinado, o outro desnorteado por não saber mais o que fazer. Trocam um olhar furtivo, rápido, cúmplice, feromônico.
 
‘Agora você vai saber se eu sou seu tipo ou não’ diz o outro e sai do banheiro.

Um comentário:

  1. Quando comecei a ler, pensei ser história verídica, até chegar no final e ter certeza que o fulano jamais faria algo assim.
    Fiquei frustrado.

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