Desde que me
conheço por gente, dia dos mortos sempre chove, ou quase sempre foi assim. Hoje
foi é frio, sem chuva mas com um solzinho assim morno que mal esquentava as
pontas dos dedos.
Lembrar dos
morridos faz é parte da vida mas, eu mesmo nem fui ao repositório dos meus, vai
cá uma pontícula de culpa, bem pequenina assim ó, meio amedrontada de que os
antepassados e os passados venham me beliscar as pernas por não ter ido lhes
fazer visita no único dia do ano em que eles são donos de nossas atenções tão
dispersas pela vida que vai seguindo.
Seguindo em
direção a eles, é fato, é isso. Vamos aí caminhando com pressa pra cova, pros
braços da ceifadora que nem esforço precisa fazer para nos dar o abraço final.
Vamos é cegos, funcionais digo aqui pois fazemos é e conta que ela não vai
estar lá na reta final, de braços abertos para nos receber e encerrar nossa
jornada.
Enfim, eu
mesmo não vou lá enflorar os morridos ou ficar a lhes molhar as fachadas fúnebres
com lágrimas que já caíram uma vez e que não precisam mais cair de novo. Mais
fico aqui no meu canto vivo a lembrar deles todos os outros dias e nas minhas
esparsas preces que germinam com a periodicidade de um girassol, não dedico
assim um apenas do ano ao seu louvor e vou mesmo pelo clichê de lembrar dos
falecidos no dia a dia e não no dia apenas.
Digo lembrá-los
e não viver em sua função, isso é estar já morto apenas sem a terra por cima,
sabes? Vi gente fazer isso, não desapegar dos morridos e ir definhando a vida
aos poucos indo de encontro com eles que, do outro lado, acenavam,
gesticulavam, pulavam e sinalizavam para que se parasse com isso pois a melhor
lembrança e homenagem póstuma era continuar com a vidinha da melhor forma possível.
O morto tem carência de assunto e assim, precisamos cá viver é bem e muito para
quando formos ter com ele podermos por assuntos em dia e fofocar sobre os que
ainda padecem em vida.
E hoje, no
dia dos já não tão vivos, leio aqui que os cemitérios, alguns, teriam eventos
mesmo para crianças, familiares, amigos e afins, uma celebração e não prostração,
contrição. Acostumados que estamos com o peso moribundo do fato final, achamos
afrontoso, um desrespeito que sobre as covas ou nos locais onde descansam os
morridos se faça festa, as pessoas usem para momentos de diversão em família ou
amigos como se fossem ao parque. Oras, mas não é o cemitério o parque da morte?
Temos esse
peso nefasto no peito quando a morte é assunto e há que se tratar dela com uma
deferência que, creio eu, ela mesma rejeitaria se pudesse vir aqui ter conosco
ainda em vida. De certo ia pedir respeito, claro, isso é bom para os dois lados
da moeda mas, assim, não precisa tratar com essa pompa e carga pesada toda.
Vamos dar aí uma aliviada na coisa, uma leveza, um ar mais gracioso.
Porque não
fazer como em outros lugares em que lembrar os mortos é feito com festa grande
e barulhenta pois é antes de lembrar da morte, lembrar que a pessoa foi viva um
dia e passou bons momentos aqui, não apenas valorizar o momento da perda, o
fato da pessoa não mais estar aqui mas o fato de ter estado e ter sido bom e
assim, acho mesmo que essas iniciativas podem mesmo mudar o sentido com que
lidamos com a encerradora de trabalhos.
Não adianta,
como disse em outro post, querermos dar a dona do fim ares de esquecimento pois
ela é inesquecível e também não adianta colocar sobre seus ombros já
sobrecarregados mais um fardo negativo que, como disse, ela mesma nem precisa
ter, na criação, acabou com essa tarefa ingrata de por fim nas coisas e, de
quebra, a humanidade e lhe torcer o nariz e virar o rosto.
Tomara mesmo
que esse novo modo de lidar com a morte vingue por aqui e que passemos mesmo a
encará-la com mais maturidade e naturalidade, celebrando mesmo a ela e a vida
que, pensando bem, estão sempre de mãos dadas e não se pode efetivamente
separar uma da outra. Quem sabe assim, quando formos dar nosso abraço final,
ela não estará lá a sorrir e, de mão estendida, nos levar para conhecer seu
reino sem fim e, talvez para nós então, sem medo.
A dor da perda é irreparável, enquanto alguns sabem lidar com tal situação, outros se deprimem de tal forma, que deixam de viver e apenas contam os dias... Lamentável...
ResponderExcluirConcordo contigo, cemitério não é parque de diversão, se eles querem um aconchego para as crianças, é só deixarem em casa...
Forte abraço!
Fantasio que o sentimento que teremos ao morrer deve ser muito próximo ao sentimento que tivemos ao nascer.....Fantasio que teremos boas mãos que nos amparem no final de cada viagem!
ResponderExcluirlembrei das minhas aulas de história da morte, da morte higienizada de nossos dias e da morte familiar do século XVII e XVIII.
ResponderExcluirontem fui ao cemitério visitar o túmulo do meu pai e vi uma cena que é a cara do Brasil: um pessoal vendia flores na porta do cemitério. A pessoa comprava e colocava no túmulo, mal dava as costas e os caras roubavam para vender outra vez! Desejei fortemente estar dirigindo um rolo compressor...
ResponderExcluirBom... seja como for, não tô com a menor pressa deste encontro... hehehe!
ResponderExcluirBjz, macho provedor... e pode deixar que esse nosso encontro será de pompa e circustância... hahahaha!