17 de fev. de 2021

quão social é sua rede

 


Estou, oficialmente, uma semana sem acessar o FB, não deletei a conta, apenas exclui o aplicativo do celular e, como acesso muito pouco pelo PC, deu-se o milagre!

Cheguei a pensar em efetivamente excluir a conta mas, como ainda tenho planos de ser um escritor famoso ou razoavelmente conhecido ou maldito, ter uma rede social é algo necessário mas, já andava há tempos com o pensamento de que isso era algo como ter um parasita que, se removido, pode causar a morte do hospedeiro, não é mas a coisa foi construída de um jeito que faz parecer assim, pior talvez que a abstinência de drogas pesadas sejam elas lícitas ou não.

Eu já vinha cansado, do formato, das postagens, das galerias, piadas, memes e tudo mais e não quero de forma alguma pagar de superior ou intelectual que sai de todas a redes porque as considera um tipo de poluição mental ou desserviço social, ainda tenho Instagram e sequer cogito um Twitter porque a pouca experiência que tive com ele deixou claro que é arma de tortura psicológica pesada e deveria, talvez, ser banido ou controlado por alguma instituição, voltando, eu simplesmente cansei do formato, não me apresentava nada que realmente quisesse ter, ver ou compartilhar e essa ânsia toda de compartilhar tudo a todo tempo e cada minuto cobra um preço alto de nós, de nossa vida e sanidade.

Vá lá, podem dizer que eu posto no IG e isso é fato e eu ainda tenho prazer em usá-lo, no momento em que esse prazer deixar de ser, saio mesmo sabendo que as chances de divulgar meu trabalho como escritor sem usar as redes sociais vai cair praticamente a zero sem elas.

A discussão também pode enveredar para o lado de que as redes sociais não são, em si, ruins mas que nós que as usamos as tornamos tóxicas pois não sabemos usá-las o que, friamente, é sim verdade afinal, até onde sabemos (ou nos deixam saber), não é uma inteligência artificial que sai publicando comentários e textos racistas, machistas, homofóbicos ou de ódio e intolerância salvo Skynet já esteja pondo as manguinhas de fora e, ao invés de usar armas nucleares, está apenas semeando a discórdia para depois controlar tudo tranquilamente. Não, quem faz essas coisas somos nós mesmos, não precisamos de uma IA para isso, basta a usar a inteligência ou ausência dela se for o caso para tornar as redes sociais um paraíso cheio de infernos os mais variados.

O problema é que, em termos de redes sociais e comportamento tecnológico, ainda estamos mal e porcamente saindo da infância e entrando na adolescência, a tecnologia está muito mais adulta e madura do que nós e não sabemos lidar, como usar ou manusear criando então esses muros de ódio e raiva digitais, essas correntes de intolerância, esses binários de preconceito. Somos pré-adolescentes digitais, sem saber direito o que estamos fazendo ou como devemos fazer, metendo os pés pelas mãos sem medo ou vergonha e sem qualquer adulto para nos dizer o certo do errado porque até mesmo eles estão adolescendo digitalmente.

Como todo bom adolescente, buscamos gratificação imediata, prazer pelo prazer, quebrar as regras, dobrá-las para ver até onde aguentam, contestar só que, ao invés de irmos às ruas, estamos indo às redes e sem qualquer noção do que estamos fazendo mas obtendo a gratificação que precisamos de forma rápida, imediata e certa independente das consequências que isso traga e, aliás, essa é uma palavra que no mundo digital inexiste.

Estamos reféns de nossos eus digitais, de nossos egos on-line e de nossas fotos e likes, estamos usando como preenchimento de uma carência que não será preenchida nunca pois o algoritmo jamais permitirá que seja preenchida, ele nos conhece bem, melhor que nós mesmos ou nossos pais, ele antecipa o que vamos pensar, o que vamos sentir, ele manipula o que pensamos e dizemos e acreditamos, ele é criminoso, polícia, advogado e juiz, ele nos faz comprar e vender, amar e odiar de forma absoluta sem entender que entre um ponto e outro existe uma séria de caminhos que podem levar ao mesmo destino mas de formas distintas ou até mesmo a lugares diferentes que sequer poderíamos cogitar mas que, controlados pelo algoritmo, passam a ser temidos e odiados.

No fundo, já chegamos ao ponto em que nosso código genético não tem mais letras mas apenas zeros e uns...

16 de fev. de 2021

antirrábica

 


É impressionante o tanto de ódio que sentimos uns pelos outros, eu incluso contaminado pela raiva polarizada que tomou de assalto a todos nós desde que passamos a nos enxergar em opostos irreconciliáveis e que precisam, necessariamente, eliminar um ao outro.

No Roda Viva de hoje, com Itamar falando sobre seu 'Torto Arado' e abordando temas importantes não apenas da literatura mas da sociedade, os robôs e plantonistas estavam lá, firmes e fortes, ávidos, presentes e destilando suas pérolas exaltando o fascismo, a ditadura, a tortura, a morte, o preconceito, a intolerância, tudo isso que nos torna tão humanos.

E não pense que isso é privilégio dos fascistas de plantão, eles são sim muito mais organizados e articulados do que a esquerda caduca e sem rumo mas, não faz sentido apontar o dedo para eles quando deste lado reproduz-se o mesmo comportamento mas, sob o manto do aceite pois vem fantasiado de luta de classes, pelas minorias e contra o conservadorismo, ledo engano pois o discurso é exatamente o mesmo só que diluído nesses assuntos para legitimar sua fala, remova isso e será impossível distinguir um do outro.

Não serei hipócrita, já fiz muito isso, o ataque total e irrestrito aos fascistas e seguidores do deus-pai-mito-presidente-monarca-absoluto e, veja bem, combater as barbáries que são pregadas e difundidas por eles é dever cívico de cada um de nós mas, é uma linha muito tênue entre fazer isso e incorrer no mesmo erro deles, muitas vezes cruzamos essa fronteira sem saber, achando que estamos lutando por algo mais, maior, digno mas já estamos do outro lado fazendo exatamente a mesma coisa que condenamos.

Volto a dizer que devemos sim combater forte e irrestritamente qualquer manifestação que mesmo de longe flerte com ideias e pensamentos fascistas e de exceção, que enalteçam regimes violentos e que promovam qualquer tipo de preconceito ou mentira o negacionismo em nome do bem da nação mas, se não tivermos uma visão clara para distinguir essas coisas vamos acabar agindo como esse tipo de regime, nenhum debate, nenhum avanço, nenhuma razão advém do discurso único e, infelizmente, não estamos perdendo, já perdemos a capacidade de ouvir uns aos outros e dialogar de forma racional, partimos para o isolacionismo e cancelamento automático de qualquer coisa que mesmo de forma não intencional flerte com o oposto do que acreditamos ou sequer entendemos que opiniões distintas das nossas precisam existir mesmo que nos desagrade.

Ao banirmos uns aos outros do diálogo criamos apenas um mar de vozes que ecoam o que desejamos ouvir e criamos um ambiente apático que não fomenta nada, muito pelo contrário, serve de semeadura para outros discursos muito mais perigosos vingarem, onde não há diálogo, debate ou discussão de ideias, a semente para o absolutismo e polaridades está em casa para geminar e crescer e é o que estamos vivendo hoje, agora, todos os dias.

Estamos cancelando uns aos outros, abolindo uns aos outros, isolando uns aos outros, acusando uns aos outros, agredindo uns aos outros, matando uns aos outros, odiando uns aos outros pelo simples fato de pensarmos diferente, como se não bastasse já fazermos isso pela cor da pela, sexo, sexualidade, gênero e outros, demos apenas mais um passo em direção ao isolamento total e completo do que criamos como sociedade e, com isso, estamos minando as estruturas do que nos torna humanos.

Se não mudarmos isso rápido, lembrando que não podemos jamais tolerar ideias ou discursos que flertem abertamente com o ódio, intolerância e preconceito, chegaremos ao ponto de aplicarmos não o cancelamento mas a Lei de Talião e aí, não teremos mais problemas porque, no final, estaremos todos, sem exceção, cegos, surdos e mudos.

15 de fev. de 2021

a rebelião das moscas


 Já acompanhei BBB mas depois cansei, não por algum tipo de sentimento de superioridade ou suposta aura intelectual, simplesmente porque formato do programa não me dizia mais nada ou tinha qualquer atrativo assim como todos os shows de realidade de forma geral, não me atraem não importa qual viés possuam, acho enfadonho e novamente, não sob um viés intelectualóide mas simplesmente por achar chato demais.

Igualmente, entendo perfeitamente que muitas vezes a gente só quer sentar e ver qualquer besteira que nos remova da realidade por um período de tempo afinal, ninguém fica lendo Foucault ou debatendo Nietzsche vinte e quatro horas por dia e há opções das mais variadas para esse tipo de 'higiene mental'.

Mas (sempre tem um mas aqui), eu tenho sérias reservas com toda essa comoção ao redor do bbb2.1, explico.

Não acompanho o show como disse e li algumas matérias sobre toda essa celeuma que se passa por lá e não dei um pio sequer porque não quis me pronunciar, não quis saber de verdade, não me interessei pelo assunto, achei pouco relevante a discussão e achei perda de tempo e explico mais abaixo.

É um programa de televisão e se você acha realmente que ele não é manipulado para ter audiência e ganhar dinheiro então você é uma pessoa tão inocente que chega a dar dó. Todos ali estão ganhando dinheiro e estão ali pelo dinheiro e pela fama então, achar que as supostas regras do jogo não são manipuladas e distorcidas para aumentar os ganhos é acreditar no papai noel e afins, não existe almoço grátis.

Tudo que se passa ali é elaborado para causar uma reação do lado de fora, é uma novela ensaiada só que transmitida ao vivo e, como em toda boa trama, é preciso que haja o mocinho e o vilão senão qual a graça? Então, uma vez definido quem fará cada papel, basta seguir o roteiro e fazer com que as pessoas amem um e odeiem outro para manter o jogo em pé e a audiência fixa e pouco importa se o vilão será odiado aqui fora porque depois, quando sair, fará um mea culpa e voltará a ser um bom moço depois de fazer alguma ação humanitária, participar de alguns programas e gravar uns vídeos no seu canal e o mocinho, vai sair melhor claro mas ele nem tão mocinho é porque sabia do roteiro e jogou igual então nesse rolo todo, só existe um enganado, quem está de fora assistindo.

Entender que o show é um microcosmo da sociedade de hoje é válido mas, é ao mesmo tempo uma redução ridícula de uma problemática complexa e profunda que não deveria ser discutida num show desses mas nas escolas, universidades, jornais, revistas, lares, mesas de bar e afins. Agora, todos estão opinando e tomando partido e militando mas, quando acabar o show e o dinheiro passar de mãos, tudo voltará a ser como era e todos esse papo de assédio, tortura mental e psicológica, racismo, machismo e afins voltará ao patamar de discussão de antes porque acabou o bbb e então vamos passar para a próxima coisa que entra no lugar. É triste que precisemos de um programa desses feito por uma emissora que não está nem aí para promover debates concretos sobre temas delicados, apenas jogam a gasolina e riscam o fósforo e a gente fica queimando feliz aqui de boas.

É um jogo de poder tudo isso e nele, quem sai perdendo somos nós porque não dispomos das mesmas armas que a onipotente produtora do show e então, estamos todos discutindo os assuntos que o bbb trouxe quando na verdade eles sempre estiveram aí mas a gente só passou a acalorar o debate depois que foi para o horário nobre. Tudo ali não promove o debate mas a divisão e a diáspora, não há um intuito real de discutir questões mas de formar partidos e causar uma comoção que nubla o julgamento e obscurece os sentidos, acirra os ânimos e mantém a todos reféns de uma luta sem sentido.

Não adianta condenar comportamento de a ou b e eleger c ou d como vítimas quando aqui fora não conseguimos fazer a mesma coisa, é mais fácil apontar o dedo para a tela porque lá é um fake, a gente sabe que é mas faz de conta que não e não quero dizer com isso que a postura ou atitude de um ou de outro do show não devam ser condenadas mas apenas que são comportamentos roteirizados para causar o máximo impacto e reação alheia e causar exatamente o tipo de reação que até mesmo este texto aqui é reflexo.

Há um problema muito sério quando passamos a discutir nossos problemas enquanto sociedade com base num show de realidade tomando ele como reflexo de nós mesmos como social mesmo que tal afirmação possa ser válida. Parece que somos incapazes de fazer isso aqui fora e precisamos de alter egos televisivos para isso pois fica mais fácil assumir uma posição quando não precisamos fazer isso de forma pessoal mas usando um bbb como proxy. O que mais me preocupa é que toda essa comoção com esses assuntos delicados vai passar quando acabar o bbb e vamos voltar a discutir esses assuntos de forma esporádica e reduzida porque passou a paixão, não tem mais proxy nem um reflexo nacional que represente tanto o melhor quanto o pior de nós, quando somos confrontados com a nossa realidade, preferimos fazer de conta que ela não existe até o próximo bbb.

4 de fev. de 2021

mariska

samara mulher vem logo, vamos atrasar! afff que pressa to acabando de fechar a mala! mulher, é um fim de semana na praia, não é paris! você sabe como eu sou, não saio de casa despreparada, nunca se sabe! mulher, o que vai acontecer lá que não poderia acontecer aqui? nunca se sabe! tá mas corre que já estamos atrasadas pelo amor da virgem!

areia fofa, água fria, praia vazia, sol tímido dando piscadas por entre as nuvens, olhos atentos olhando de lado as mulheres na praia, bebendo, conversando, cantando alto, um rádio alto tocando qualquer coisa que elas cantavam de qualquer jeito, pequenos pratos de petiscos passando de mão em mão, uma felicidade efêmera feito maré, a felicidade é uma maré alta que só faz atolar que deseja nela nadar.

praia uó. uó onde? vazia, gente! também achei! mas calma mulher que ainda está cedo, a gente veio direto, só largamos as coisas em casa e viemos, as bichas queriam ver o mar, nem deu tempo de tomar uma ducha, só por o biquini. nem deu tempo de fazer a chuca. e tu ia fazer pra que? vai atender logo cedo aqui mulher? nunca se sabe, a gente pode até estar de férias mas quando aparece a chance de faturar... isso é, ah isso é! afff vamos pensar em outra coisa que só dinheiro me cansa! dinheiro te cansa bicha? cansa ué, só fala disso! e por acaso a senhora ficou rica e não nos contou? isso mesmo, ganhou na mega sena e ficou na miúda? acho que ela tirou a sorte, tem macho aí, sinto cheiro! vocês são umas recalcadas, isso sim, nada disso, só estou falando que falar de dinheiro toda hora enjoa, viemos aqui ara descansar porra! e desde quando a gente cansa de falar de dinheiro?? só vou cansar de falar dele quando não precisar mais falar dele! eu também, quero mais! vai que a gente cruza com um gringo rico aqui e tira a sorte! vai sonhando gata. afff que invejosa você! invejosa não, realista, qual gringo vai te querer, se enxerga viado! se enxerga você bixa escrota, toda cheirada que eu vi antes de sair do apê! cheirei mesmo porque pra aguentar ficar nessa praia errada com vocês mariconas só colocada mesmo! pois pode voltar querida que ninguém aqui vai sentir sua falta! parem agora! viemos aqui para descansar, beber e relaxar, não viemos para trepar nem para trabalhar nem pra nada, se vocês não conseguem aproveitar pelo menos um momento de paz então vão toda pra merda, peguem suas coisas e voltem pra cidade e me deixem em paz, vocês só fazem reclamar e reclamar, nada nunca está bom o bastante, nada nunca é o bastante, ou calam a boca, ou mudam o clima ou vão embora.

silêncio de ondas quebrando cansadas na praia, o sol aberto espantando as nuvens e um chiado distante feito um tipo de memória caduca.

queria comer camarão. essa nasceu com cabeça de rica e bolso de pobre. qual problema? nenhum querida, se você pagar, todas vamos amara comer camarão. pois eu pago para as mortas de fome que eu trabalho para isso, oras. samara está esbanjando. deixem ela, oras! ela faz com seu dinheiro o que achar melhor, não vejo vocês usando o dinheiro de vocês melhor do que ela. a senhora fala porque ela é sua protegida. bicha, se eu não estivesse de férias, eu juro que cortava sua cara de cima abaixo pra você aprender a ater algum respeito mas, como estou afim de relaxar, samara, pega aqui querida e vai lá na barraca e manda vir um porção de camarões graúdos, não quero miséria e também uns mariscos no limão.

comeram. fartaram-se. não falaram. comeram como se não houvesse amanhã mesmo porque, para elas o amanhã era algo sem cor, sem nome, sem endereço, sem rumo, sem casa.

samara mulher, você está bem? acho que não, acho que exagerei, mulher, to me sentindo mal. mulher, eu avisei pra tu não comer tanto camarão e marisco, ainda mais marisco, essas coisas fazem mal ainda mais para quem não tem o costume. ai to me sentindo estranha. toma uma coca que passa bicha! que nada, uma caipirinha! doida, onde já se viu tomar cachaça, toma água! ela tem de ir por hospital! e hospital vai atender ela, mulher? samara, tu tá pálida! vou vomitar, vou vomitar, to me sentindo muito mal e saiu correndo em direção ao mar com a mãe logo atrás as outras olhando de longe meio sem entender o que fazer ou como ajudar ou pensando que ela estava mal por gula ou porque era uma sem jeito ou porque não tinham nada que ver com aquilo mesmo, a vida para elas era um mar de ilhas que, a distância, ficavam olhando umas as outras afundando lentamente.

samara caiu de joelhos ante o mar sereno que ia jogando ondas que apagavam seu vômito, atrás de si a mãe bicha lhe segurando os cabelos.

isso, mulher, bota pra fora que via te fazer bem. ai minha mãe, que vexame! afff, onde? a senhora em sua férias e eu aqui dando trabalho e aquelas só reclamando. meu bem, ser mãe é isso, um dia você será também e vai saber como é. eu queria ser mais feliz sabe? oras, e tu não é? sou? não sei...samara, minha filha, se você precisa ficar se perguntando se é ou não feliz então com certeza não é, a gente passa a vida toda se perguntando isso e quando morre, descobre que não precisava porque tinha sido feliz e não tinha se dado conta, se você perder tempo se perguntando se é ou não feliz, vai esquecer de ser feliz e perder a vida tentando responder essa pergunta que, sinceramente, não precisa de resposta. acho que to melhor. mesmo? sim, meio zonza mas melhor. que bom! sabe de uma coisa? o que, minha filha? lembra quando a senhora ralhou comigo por ter escolhido me chamar samara? afff isso já foi, é teu nome amor e tu que escolheu! pois, não quero mais. não quer mais? não, quero outro nome, quero um nome forte, quero um nome de  mulher de verdade, quero um nome bom. e qual nome tu quer minha filha? vou me batizar aqui, com o mar e com você de testemunha. claro, minha filha, o mar não poderia ser melhor padrinho, sempre soube que tu era dele, qual nome tu quer para que eu e ele abençoemos tua escolha?

mariska, com k. 

3 de fev. de 2021

samara

samara. tem certeza? tenho. mas tem tanto nome aqui mulher...

samara. aff, que seja, samar então mas isso lá é nome? ué e qual problema? nenhum mas samara? nunca vi mulher chamada samara, a gente tem de ter nome extravagante, exótico, que faça o macho pensar que está fodendo com um estrela de cinema ou deusa, sabe? samara. affff, que seja, samara então, não vou causar caso por conta disso mas. mas o que? samara simples, sem nada? como assim? oras, ponha aí um y um h dois m. não quero, só samara. tu é teimosa, sempre foi, desde aquele dia na lanchonete, pelo menos tu nunca vai cair na lábia de macho escroto, você é dona de si. aprendi com você. foi mas nem tudo amor, já tinha coisa aí que era tu mesma eu só dei uma ajeitada. mas eu aprendi muito com você. isso foi né mulher? foi sim, não seria a mulher que soi hoje se não fosse você. aí você para que eu choro e se eu choro fico toda inchada e tenho de trabalhar hoje. temos né querida. temos, verdade, esqueci que tu já tem até clientela fixa, e como eles te chamavam? antes? claro, porque tu só escolheu nome agora. ah, eu nunca deu nome assim, sempre pedia para me chamarem do que achassem melhor. esperta, aí o macho pode te chamar de uma paixão recolhida, de uma fantasia mas é importante ter nome, né amor? ah sim, precida porque senão ia me chamar de eduardo? hahahahaha para senão eu faço xixi, samara tá ótimo mas pensa com carinho em trocar, pela sua mãe aqui, por favooooooorrrrr? penso, prometo mas por enquanto vai ser samara. samara será, agora vamos melhorar esses peitos que se você que ganhar dinheiro ter de ter o que mostrar. mas não está bom esses aqui? mulher, olhe bem para seus peitos, hormônio não faz milagre amor, tu quer fazer grana com esses dois peitos de menina que mais parecem duas bicas para passarinho beber água? não quero ficar deformada! não vai mas tu já viu macho que sai com a gente querer peito de criança? e qual problema? nenhum até tem uns que gostam mas a homem gosta de fartura querida, gosta de refastelar, de ter onde pegar, olha os meus, não são lindos? são sim, não quero peitos iguais ao da brigitte. ah não! deus me defende amor, aquilo não é normal mas eu avisei, não foi por falta de aviso, eu falei, brigitte, está demais você vai ter problemas de saúde e vai espantar os clientes mas ela me ouviu? brigitte não ouve ninguém. não mesmo, ela faz o que quer e ai depois vem chorar as pitangas, agora está lá cheia de drenos, sem poder trabalhar e vivendo de favor e de esmolas. não quero isso pra mim. não vai ter amor, trouxe você aqui porque thalinha é a melhor, cobra caro mas sabe o que faz e não usa qualquer merda em você, outras pagam mais barato e você sabe mas ela, não, ela tem ética amor, sabe o que faz, só trabalha com produto bom. vai doer. vai sim, não vou mentir mas depois, você vai ficar ó, um mulherão e eu vou estar aqui o tempo todo. obrigado, sem você, eu não sei o que.. pode parar que eu vou chorar e eu não posso ficar inchada, já te disse, você pra mim é uma filha, enquanto eu estiver aqui tu não se preocupar com nada, não vou te bancar né amor que a vida não é flor, a gente precisa pagar as contas e viver mas, enquanto eu estiver aqui, tu tem uma mãe. eu te amo. para, vou chorar e ai vou ficar brava contigo por me deixar toda cagada...

2 de fev. de 2021

exduardo

 te digo, isso aqui é pra quem não tem mais jeito ou saída mas a gente faz porque precisa e até porque gosta né, gato? mas a vida é assim mesmo, sorri pra uns e morde outros, faz graça pra uns e azeda pra outros, vai reclamar para quem? pro bispo? tem jeito não, gato! viver é passar manteiga rançosa todo dia no mesmo pão só pra ver ele cair com o lado da manteiga no chão, te digo, cheguei aqui nem lembro quando, passei fome, apanhei, fui roubada, presa, pensa, tudo já fiz e passei mas estou aqui, tu até parece comigo quando cheguei, esse brilho no olho, esses dentes virgens, essa boca nova, esse cu apertado, um pau que não sabe o que é broxar, tudo em cima mas olha, gato, a coisa vai desandando, vai mudando e você vai vendo o tempo passar e a coisa não melhora e aí quando percebe já está aí uma maricona antes do tempo, gasto, usado, seco por dentro e por fora, olhar apagado e dentes podres, cu cansado e um pau que só sobe na base da azulzinha, gala então sai uma ou duas gotinhas e amém! mas não reclamo porque tem gente pior né amor, conheço, já vi, eu sei, eu ainda estou aqui até que inteira mas conheço gente que está mais morta que viva, se passar na frente do cemitério, puxam pra dentro num instante mas a vida é a gente que faz né amor? claro, nem tudo porque eu não escolhi isso aqui, quer dizer, eu escolhi sim porque eu sempre quis mas não escolhi isso aqui, entende? quem escolhe isso? quem diz que sim está mentindo, cara de pau amor, só acho porque isso aqui parece vida mas é uma imitação barata, eu queria ser professora, dar aula ou então ter uma escola sabe, pra ajudar as meninas que não sabem nada e que chegam aqui igual você, com sonhos até as pregas e achando que a cidade vai se abrir feito um cabaço pra vocês, vai não amor, ela vai e arrancar suas pregas uma a uma sem dó e com dor, te falo, não adianta você ser bonito, ter pauzão, ter o que for amor, ela vai arrancar tudo de ti e não vai devolver nunca mais e ainda vai mijar na tua cova quando você morrer se é que vai ter cova para mijar, conheço quem morreu e ficou apodrecendo na rua mesmo porque a cidade não se importa coma gente, e com nossa carne que eles asfaltam as ruas e fazem cimento, tudo isso aqui é construído com nossa carne amor e cada dia eu vejo só mais carne entrar e nada sair mas é a vida né amor e você veio de onde? chegou hoje? tem onde ficar? tem fome? que relapsa eu! vamos ali que te pago um lanche que tua cara eu sei que é fome, conheço bem, já tive essa cara várias vezes, a fome é horrível, outras coisas você até aguenta, disfarça, consegue levar sabe mas fome? não, tem como não, falei para uma amiga aqui outro dia que sair para trabalhar com fome, melhor ficar em casa porque você não pensa direito, fica besta e pode fazer merda, já vi amiga desmaiar aqui de fome, eu como sempre antes mas não exagero porque tem de cuidar né, amor, olha isso aqui, tem coisa que eu comprei que não sou boba mas tem coisa que veio de deus e eu cuido então nunca saio de casa sem comer e nem fico com fome na rua, já passei muito perrengue e fome mas hoje, fome não passo, posso passar outras coisas mas fome, jamais! e você faz o que? como assim o que? oras, o que tu faz homem, ou mulher que eu já meio peguei ai a coisa né amor, tu come? tu dá? faz os dois? se faz o dois está bem mas já aviso que a maioria quer mesmo dar, teu pau é grande? afff não precisa ficar arisco que sou amiga, não vou te estuprar não, só queria ver o material, é, parece bom, vai ter de usar muito porque hoje, amor, só tem passiva, quando aparece um querendo comer a gente até estranha mas aparece mas não se iluda, raro e mais ainda quem te banque, um amor sabe? tu já amou? não sabe? como não sabe? então não amou porque se tivesse amado dava pra saber, tua cara é de virgem, sem ofensa mas isso é bom, vai ganhar muito de início mas, conselho, se preserve, não caia nas drogas nem na cachaça que isso é o fim, tá vendo aquela ali, ali do outro lado do balcão? pois, começamos juntos mas ela caiu na droga e depois na cachaça, olha bem, temos a mesma idade mas olha ela, toda destruída, se tu for por aí me avisa que nem me dou o trabalho de te dar essas aulas, não faço isso sempre só fiz com você porque você me lembrou um menino que amei, ah, esse foi meu amor de verdade, me deixou de quatro, sabe? quando você fica besta e toda boba? pois, ele me deixou assim mas depois me trocou por uma maricona gringa, eu achando que ele me amava mas ele amava era a vida boa, acho que eu sabia mas fazia de conta que não, a gente faz disso né amor, se engana para viver menos triste mas acaba, com ele acabou, chegou o lanche, depois vamos conhecer as meninas e ver onde você vai ficar e o que você quer fazer, tu não me disse ainda mas eu acho que sei, a gente conhece né amor, bate o olho e sabe a vida e a rua fazem isso com a gente, vai fazer com você também mas, tu tem de ter certeza porque é um caminho sem volta então eu não quero você pagando bombadeira sem antes ter certeza, vai com calma e se for isso mesmo a gente vê na hora certa agora come logo que a noite tá quente e eu to com sede e com tesão, acho que essa conversa toda me deu sede e tesão, ô jeremias me vê um gelada aqui e uma coca pro menino! coca sim que tu não vai beber ao menos não comigo, nem tem pelo no saco e já quer beber? tome jeito moleque e não ri assim que eu me desmonto...

1 de fev. de 2021

eduardo

eduardo aconteceu  num dia quente de um mês quente de um ano quente numa cidade quente de um estado quente parte de um país quente, há quem culpe o calor pelo fato de eduardo ter saído como saiu e eduardo aconteceu porque pessoas como eduardo não nascem, acontecem e não pelo simples fato de acontecer que isso é comum mas pelo acontecimento em si com toda a pompa e seriedade que um acontecimento implicam.

eduardo acontecido buscou sôfrego o peito materno e sugou como se por ele fosse extrair a alma da genitora que, feliz, chamou eduardo de forte, saudável e menino nascido homem porque é preciso dizer essas coisas logo cedo para incorporar o papel sem temer que haja espaço que qualquer desvio que, anos mais tarde, recaiam sobre a mãe que invariavelmente são culpadas pelos desvios dos filhos seja por ter dado amor demais, de menos, nenhum ou simplesmente por terem sido mães e mulheres, como se fosse algum tido de dissociação.

mas eduardo não aconteceu para ser eduardo e desde cedo a mãe, zelosa, já mirava o menino que ensaiava passos no caminho que lhe era estranho mas, por ser mãe e por ser eduardo seu primogênito e único, fazia vista grossa e ralhava com todos inclusive o pai quando lhe sugeriam que estava a criar o menino errado e ninguém mais ousava falar nada porque meter-se entre mãe e sua cria é pedir para ter morte certa ainda mais quando a mãe conhece bem a cria que pariu e sabe que ela vai sofrer quando não mais puder contar com as asas maternas então, ela faz de tudo enquanto tiver asas grandes o suficiente para acolher a cria.

e assim, eduardo passou a infância sendo tudo menos eduardo e a mãe lhe protegia como podia e não podia e eduardo fazia o que podia e não podia e a vida lhe batia como podia e não podia e a molecada lhe fazia o que podia e não podia e a vizinhança falava o que podia e não podia e o pai de eduardo bebia o que podia e não podia e batia no filho como podia e não podia e a mãe colocou o macho para fora como podia e não podia e eduardo chorava como podia e não podia e a escola fazia o que podia e não podia mas eduardo não se encaixava como podia e não podia e a mão chorava como podia e não podia mas fazia de tudo para que eduardo tivesse o que pudesse e não poderia e eduardo amava a mão como podia e não podia e eduardo foi crescendo como podia e não podia e virou moço como podia e não podia e a cidade fazia dele o que podia e não podia até um dia, eduardo, cansado de poder e não poder, avisou a mãe que não mais podia ser assim e que iria podendo ou não buscar sua vida onde fosse possível poder e não poder mas que ali é que não podia mais ficar porque ali poder e não poder dava o mesmo e de mesmo ele já não fazia ou podia mais.

a mãe lhe deu a benção, benzeu a pequena mala com as poucas roupas que tinha e o pouco dinheiro que guardava e que ele não queria levar mas que ela fez levar porque aquilo era para um emergência e ela, já velha, tinha como única emergência a morte que é uma emergência dos outros e não nossa porque já morremos e quem fica sim tem emergência de velar e enterrar o corpo, eduardo ia precisar mais e ele, a contragosto, aceitou e foi embora com a mala pequena, o dinheiro emergência, o medo da morte rondando a mãe, um benção em cada têmpora e uma ausência de culpa em relação a cidade quente onde nascera.

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...