nos amamos no asfalto quente derretendo piche e alcatrão em camadas de pneus rasgando peles e deixando os ossos a mostra para expor o tutano de amor que nunca fizemos, escuso, obscuro, escondido, de lado, não visto, sem nome, sem cara, sem cor, nafta feita de corpos e poeira de vida.
nos suprimos de vontade e desejo onde havia falta de sossego, ali no asfalto, com o inverno de faróis e luzes a esfriar os poros, com freios e embreagens mudando o ritmo da coisa, marcha lenta, marcha, em frente, soldado cabeça de papel se não marchar direito vai de volta para o umbral, armário, guarda roupa, cômoda, mesa de cabeceira, isolada, morta, feito asfalto abandonado em ruas nunca trafegadas.
as bocas lambendo o líquido quente, desviando dos escapamentos, eles estão ali para afogar, para matar, a faixa de pedestres que nunca usamos, o semáforo que nunca respeitamos, os bueiros que sempre usamos, os postes que sempre fugimos, na luz não há paz, só no asfalto, escuro, preto, espesso, grosso feito aquele leite que bebemos, daria para fritar um ovo, nossos ovos, nosso carne em bacon, nossa vitela vital servida para todos que por ali passavam.
e eu vi nosso sangue, e nossos pelos, e nossas mãos e nossos pés sem tocar o asfalto, quente, derretendo mas a gente não, lisos, sem mácula, feitos de um amor que tapa buracos, que derrete borracha, que amassa lataria, que faz ferver óleo de motor, que exala gás do corpo e inala gás carbônico.
nesse mundo feito de asfalto...
"O amor vai serpenteando obstinadamente vivo entre blocos de concreto e mantas de asfalto - eis a experiência dos que, graças à calidez do amor, sobrevivem à frieza da metrópole." (Sergio Viula)
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