9 de ago. de 2021

seu reinaldo

seu reinaldo era um pai só que meu. ele me ensinou a cozinhar, a gostar de música, a gostar de comer, a gostar de comida, me ensinou muita coisa, deixou de ensinar outras tantas porque pai não consegue ensinar tudo, tenta mas não consegue porque nem ele sabe direito, faz o melhor, às vezes consegue, outras falha miseravelmente, assim é o jogo de pai e filho.

seu reinaldo tinha defeitos, muitos, mais do que eu consigo lembrar e contar, normal, pai não é deus ainda que ele seja chamado de pai, pai é gente, carne e osso que usamos como referência, como suporte, como adubo para o que crescemos. muitos de seus defeitos eu tenho, genética foda, perdoa não, outros eu aboli para deixar entrar os meus mesmo, adquiridos, criados, sou cheio deles graças a deus e ao pai, a maior dádiva paterna deve ser nos passar seus defeitos e com eles talvez a maneira de corrigi-los.

seu reinaldo fazia uma tora de palmito que eu aprendi a fazer também, até hoje quando faço acho que sou ele sovando a massa, preparando o recheio, abrindo com o rolo, forrando a forma e depois colocando alguma frase por cima com o que sobrou. acho que tem o mesmo gosto mas a dele tinha algo que a minha não tem pai, não sou pai de nada nem de ninguém, ele era, acho que isso ficava na massa e o sabor era diferente, de pai mesmo.

seu reinaldo tentou me fazer gostar de futebol mas não deu certo, eu já era viado desde cedo, desde pequeno, desde zigoto, acho que ele percebeu e nunca mais insistiu, acho que ele ficou triste quando assumimos nossa homossexualidade porque assumir ser gay não é só para você, é para todos, você sai do armário e leva família, cachorro, gato e papagaio junto, a família às vezes vem junto, às vezes não vem, fica no armário porque lá é mais confortável e a gente visita eles no armário de tempos em tempos, vê se eles querem sair, às vezes sim, às vezes não, tudo bem, deixa eles saírem quando for o momento.

seu reinaldo saiu comigo. não sei se ele aceitou bem, se gostou, se não gostou, nunca falamos muito sobre mas, ele sempre esteve lá, conheceu meus homens, nunca perguntou nada e os tratava como filhos, alguns pelo menos e sempre que percebia - sim, eles sabem - que era algo mais sério, admoestava o pretendente com a frase 'cuide bem do meu filho' deixando ele a e a mim em choque.

seu reinaldo já se foi mas ainda está aqui. eu sou ele. não há como negar. trejeitos, fala, maneirismos, gírias, já me disseram que eu sou ele e isso é bom eu acho. se temos de ser parecidos com alguém, tomara que seja com nossos pais tanto no melhor quanto no pior, melhor culpar a genética e a criação do que ter de aceitar que somos produtos falhos de nós mesmos...

Um comentário:

  1. Uau! Que força esse texto! Fica esse gosto de pai, mesmo que eu nunca tenha tido um, pude sentir o sabor

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