Tive umas recordações essa semana não sei se via sonho ou flashes durante o dia disparados por alguma música, filme, foto ou situação e qual a diferença entre um e outro mesmo? Não seriam as recordações e memórias pequenos flashes de luz que guardamos, a luz viaja rápido, tão rápido que deve ser capaz de gravar muita coisa em nossa mente mas, somos incapazes de recuperar tudo porque não operamos na mesma velocidade, estamos lentos, a luz não, somos presos a momentos que a luz nem mesmo considera de tão rápida mas, que ficam eternizados sem sabermos e depois, do anda, disparados por uma situação aleatória, inundam nossas vidas.
Lembrança #1
Meu pai tinha uma fita K7, sim essas mesmas que hoje são vintage hipster, de um coral alemão chamado Fischer-Chöre da década de 60 e ativo até hoje. Nesse K7, eles cantavam alguns clássico da música popular internacional além de músicas típicas alemãs, lembro de ouvir essa fita seguidas vezes porque ele simplesmente amava, tinha uma queda por grandes orquestras como Ray Coniff e Paul Mauriat entre outros. Lembro de tentar entender as letras e fazer aliterações com base nos sons mas até hoje lembro claramente das melodias e faixas dessa fita como se tocassem diretamente me minha mente. Havia algo de épico nas músicas, algo de místico como se ao tocar a fita algo de sobrenatural penetrasse o mundo material e eu acreditava que aquelas vozes deveriam vir desse lugar e um sentimento de encanto me preenchia, escuto até hoje.
Lembrança #2
Meu pai amava fotografia, deve ser por isso que eu também amo. Já pararam para pensar que boa parte de nossos gostos e costumes vem de nossos pais? Lembrei de uma foto em especial, eu segurando um telefone (com fio, sou dessas época) e sorrindo no melhor estilo criança viada. Vestia um camisa de gola rolê e um colete de lã, com certeza foi minha mãe pois ela era a estilista da família. Estava ao lado de um carrinho-bar e sorria com meus dentes de leite. Não sei onde foi parar essa foto, deve estar perdida junto com outras coisas nas paredes do tempo mas é uma foto que registra um momento, não lembro porque a foto foi tirada mas é uma memória doce eu acho, já era gay mas numa época que isso nem tinha nome ainda.
Lembrança #3
Eu não gosto de carnaval, fato. Talvez a origem desse trauma esteja na tentativa frustrada de meus pais de me fantasiar e levar para um baile não sei ao certo já que essa lembrança é meio turva. Lembro de que me fantasiaram de Zorro, não sei porque mas foi essa e, quando estávamos para sair de casa, eu meio que travei e não quis ir. Não tenho uma lembrança clara de acabamos indo ao baile de carnaval ou se meu pânico desanimou meus pais e acabamos não indo mais mas, sei que foi a última vez - ou quase - que fui em um baile de carnaval. Não sei dizer ao certo se a vergonha era estar de Zorro ou estar fantasiado mas, lembro de ao sair, ver uns garotos na rua e eu acho que eles fizeram alguma piadinha e isso me travou de não ir, enfim, era isso.
Lembrança #4
Não gosto de futebol e, como a lembrança acima, talvez a origem do trauma seja uma tentativa frustrada de meu pai de me levar a um jogo. Não lembro bem qual foi a partida mas lembro que foi no Pacaembu e de estarmos na arquibancada. Lembro de meu pai sentado ao meu lado e eu olhando para o campo sem entender nada do que estava acontecendo. Não lembro de qualquer reação dele ou mesmo do que aconteceu depois mas, até onde sei, foi a última vez que pisei num estádio para ver um jogo, acho que meu pai já sabia que seu filho não lhe daria orgulho nesse departamento e muito menos em outros e por isso, nunca mais insistiu, eles sempre sabem os pais, sempre sabem.
Lembrança #5
Tive um affair no ginásio, sim sou dessa época. Era um tempo de descoberta, não era hoje em que tudo está ali disponível online e você tinha de descobrir as coisas por si e aos poucos. Tinha essa garoto, mesma idade e que tínhamos começado a descobrir nossos corpos sem saber direito o que fazer e como fazer. Uma vez, ele me chamou até sua casa e eu fui certo de iria gozar, nessa época não havia possibilidade de amorzinho, era algo fora de cogitação e nem mesmo sabíamos como lidar com isso, não tínhamos estrutura e informações para tanto. Quando cheguei, ele me levou até a sala que estava meio na penumbra, apenas uma nesga de luz passando pelas cortinas e caindo diretamente ao chão onde algumas almofadas e um cobertor jaziam calados. Sentamos ali e ficamos naquela penumbra que abraçava nosso desejo e nosso sexo porque era o único lugar onde saberíamos existir e ali nos amamos de forma terna e cuidadosa, poucas vezes me senti tão bem e completo, era um ninho improvisado num mundo que nos expulsara sem ao menos nos deixar entrar.
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