Pouco nos importa se, para termos tudo em mãos, uma, duas ou cem pessoas precisem trabalhar quase em regime de escravidão para que isso aconteça, não tem importância se o entregador não teve tempo de comer nada, se o Uber está rodando a mais de doze horas, se as dark kicthens fucionam sem fiscalização, se os entregadores precisam esfolar até o talo para entregar no prazo e pouco importa se ele tem de tocar a campainha e esperar, esperar e esperar até que sua majestade, o cliente, decida aparecer com cara de quem não está nem aí, para receber o pedido.
Se não conseguimos conceber um mundo sem internet, tente pensar num mundo sem entregadores, consegue? Imagine ter de ir pessoalmente comprar as coisas e ter de programar seu dia de forma a fazer caber a comida, o mercado, a feira, a farmácia e tudo mais que hoje, com um toque, você faz magicamente aparecer na porta de casa.
E não apenas essas coisas do dia a dia mas sexo e relacionamentos também. Se é possível entregar pizzas e compras, porque não seria possível entrega sexo e amor afinal, são apenas mais duas mercadorias e, se assim são, podem ser entregues.
Viramos uma sociedade de urgências via aplicativos, se falta bebida pedimos, se falta, comida, pedimos, se acabou o papel, pedimos, se acabou o amor e o sexo, pedimos. Os aplicativos de sexo e namoro são apenas isso, uma subdivisão dos aplicativos de compras e comida, a urgência é a mesma, precisamos de sexo e amor tanto quanto de comida de álcool e onde há necessidade, há oportunidade.
Terceirizamos nossos desejos e anseios a algoritmos que nos conhecem melhor que nossas mães, não adianta querer pedir algo diferente, o algoritmo prende a gente na zona de conforto, já conhece nossos paladares, sabe nossas vontade e basta um click para realizar!
E os entregadores viraram parte desse fetiche consumista numa relação que nada fica devendo a escravidão, a casa grande virou condomínio e a senzala hoje veste capacete e tem logomarca nas costas, legalizada, disfarçada de oportunidade e empreendedorismo para não dar tão na cara. O entregador virou o fetiche escravocrata, está lá para suprir a necessidade material e a fisiológica também basta ver a quantidade de vídeos pornô sobre o tema, é mesma fetichização do senhor/escravo, de fazer do prestador de serviço um objeto do qual se pode dispor como bem entender já que o preço está pago.
O mesmo vale para os apps de sexo e namoro, o outro virou um artigo a ser vendido, cobiçado, é preciso ter marketing e vender caso contrário não tem saída, igual aos entregadores, viramos fetiches de nós mesmos ao expormos nossos corpos e desejos nos apps buscando maior exposição feito pavões, a melhor plumagem vence.
Passamos a tratar nosso sexo e desejo e amor como entregas, clicou, chegou, é assim que funciona e depois de entregue, pedimos o próximo, a liberdade que deveria ser celebrada pelo sexo livre, sem culpa ou cobranças, a possibilidade de conhecer gente nova e celebrar a descoberta foram substituídas pela rapidez, igual aos pedidos de comida, queremos os corpos a um click de distância, deu match tem de estar em cinco minutos na porta de casa, nada é para depois, tudo é agora, o momento em construção morreu.
Não nos interessa saber como as coisas são feitas desde que estejam a um minuto de distância, não importa se alguém vai morrer no processo desde que o pedido chegue rápido e intacto, o sexo virou um rastreamento sem fim e o amor um pedido sem rastreamento. Vivemos na dependência e ansiedade da chegada do pedido como se fosse o retorno do messias, o pedido seja ele qual for vai salvar o dia, vai nos fazer alegres e nos fazer sorris, celebremos a modernidade mesmo que ele seja construída com cadáveres de pessoas que não importam, ao menos não para nós afinal, não tem problema que uns ou outros morram para que o pedido chegue, a vida é assim, selvagem...
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