Tempos atrás, escrevi sobre o
surdo-mudo que trabalha aqui e que isso me fez lembrar um rápido namoro com outro
surdo, aqui vai essa estória então pois estória prometida, parceiro, é estória
contada. Já aviso que é um relato longo.
Estava solteiro, como não nasci para a
clausura, buscava ocupar a vaga. O moço em questão, já havia cruzado comigo na
noite em diferentes ocasiões mas, não o sabia surdo. Certa vez, estava na
Vieira, no dia anterior ao G-Day Hopi Hari tomando meus gorós quando alguém
chega em mim e diz: ‘Meu amigo quer te conhecer’, estando ele sozinho, ou o
amigo era imaginário ou estava ele bêbado, destino ao qual me encaminhava à
passos largos. Percebendo o ar de dúvida, apontou para um bar do outro lado da
rua onde me encontrava, entendi que o moço estava lá e o segui até ele.
Chegamos, e não é que era o surdo que
trocara olhares comigo tantas vezes antes? Ainda sem sabê-lo surdo disse oi e
então, seu amigo (que ouvia muito bem) disse: ‘Ele é surdo’. Suspense, como se a
revelação fosse o ultimo segredo de Fátima, tempos depois, entendi o porque
quando, ao irmos numa boite com amigos dele e já o namorando, um desses amigos
(também surdo e extremamente pegável) começou a trocar olhares com outro cara
que, ao chegar nele e constatar sua surdez, deu-lhe meia dúzia de beijos para
fazer tabela e, alegando o chamado da natureza, embarafustou clube adentro para
nunca mais voltar. Fiquei chocado mas o rapaz que levou o fora assimilou bem e
ainda me disse que era comum, que ele estava mais do que acostumado, eu não e
ainda acho que foi uma das piores cenas que já vi.
Voltando a vaca surda, nos
cumprimentamos e começamos a conversar ou o mais próximo disso dado que sou
analfabeto de Libras e, encurtando, acabamos um na boca do outro, surdos são
ótimos amantes, não perdem tempo com palavras ou aparências, dão valor ao toque
e intuem tudo o que nós, falantes, dissimulamos entre as frases tornado o ato
de ficar, gostar e amar algo complexo, jogatina e um absurdo de incompetência.
Ao final, ele precisava ir e me disse que estaria no Hopi Hari no dia seguinte,
nos despedimos calorosamente. Fiquei ansiando pelo dia seguinte, queria ir com
ele mas respondeu já ter marcado com amigos e que nos encontraríamos lá.
Eu no parque louco atrás do moço,
besta, não tinha marcado um lugar para nos encontrarmos e fiquei caçando o
lugar todo por ele quando, finalmente, o vejo saindo do mesmo brinquedo em que
eu acabar de andar. Para meu infortúnio, ele fez que não me viu quando tenho
certeza de que o fez pois passei bem à sua frente mas, como nem mesmo fez
menção de minha existência, esfriei meus ânimos e os cobri com desgosto
deixando que o resto do dia se acabasse num amargo e triste fim.
Passou-se um tempo e nos reencontramos,
dessa vez ele me viu. Veio falar comigo, desculpou-se, à época estava num relacionamento
complicado e fora um erro alimentar minhas esperanças, estava livre agora e
queria muito ficar comigo. Desacreditei, expus meus temores e rancores, ele
ouviu calado (claro), só podia fazer mais desculpas as quais, ao fim de alguns
drinks, aceitei. Se há fato mais verídico do que relacionamentos serem
loterias, desconheço; porém, falhamos ao ler os sinais de que o prêmio se
acabou e que precisamos voltar ao jogo.
Engatamos a coisa e conheci os amigos
com quem ele dividia um apartamento, todos não surdos e muito simpáticos. Nesse
dia, me contou já ter sido casado e ter um filho o que para mim nada mudou.
Fomos nos afeiçoando, o sexo era fora do comum, fodemos com a boca, não com a
genitália, a profusão de ais/uis e demais expressões inerentes ao sexo
inexistiam ali dando lugar a um silêncio pornográfico e um sexo mudo mas
arrisco dizer mais sentido do que o gritado entre unhas e dentes.
Conheci sua ex-mulher e seu filho,
todos eram simpáticos e cheguei a apresentá-lo aos amigos pois a coisa ia séria.
Fomos à uma festa de aniversário de um amigo dele e esta penso ter sido uma das
experiências mais estranhas que já passei. Todos eram surdos, apenas eu ouvia;
era uma festa, havia bebida, comida, pessoas conversando (em Libras, óbvio eu
era o único que ouvia) mas não havia música e para que haveria? Porém,
engana-se quem acha que eles por não ouvir, não sentem a música, quando íamos a
boites, ele preferia ficar o mais próximo possível das caixas de som pois assim
poderia sentir as vibrações da música e ‘ouví-la’ o que deve ter me custado
alguns decibéis da audição.
Nessa festa, lembro do ar de surpresa
quando ele me apresentou como seu namorado dizendo que eu escutava, incrédulos,
me olhavam com um misto de surpresa e inveja do amigo que conseguira quebrar a
barreira do som. Tudo ia bem e, como de praxe, tão bem que começou a azedar.
Não emito julgamentos, não desejo isso para mim e nem tenho outorgado o direito
de apontar o certo ou errado, cada um deve saber para si tais coisas e cuidar
de sua vida, fosse sempre assim, o mundo seria um local agradável.
Não sei o que houve, pessoas são
estranhas e reagem de formas absurdas ante os problemas da vida. Ele, vim a
saber depois, passou a não cumprir suas obrigações para com os amigos que
dividia moradia, descobri que seu filho usava por fraldas sacos de supermercado
e que sua mulher ameaçava com a Justiça e guarda do filho, tudo culminou com
uma ligação de seus amigos dizendo que ele sumira da noite para o dia levando o
que podia do apartamento incluso alguma grana dos moradores e pertences menores
dos mesmos.
Desabei, creio mesmo que seus amigos
meio que desconfiaram se eu não o acobertava mas, acho que fui sincero o
suficiente quando os encontrei e puderam ler em minha face a desolação do amor
quebrado e convertido em drama. Não havia explicação possível ou plausível e as
revelações do parágrafo acima se deram quando estes amigos dele me
confrontaram. Saí de lá desolado e com a promessa de que caso ele fizesse
contato, os avisaria pois eles pensavam mesmo em por a policia atrás dele se
tivessem o cheiro de seu paradeiro.
Cai em mim e notei que além do
desfalque na casa, sofrera eu um: relógio que gostava muito e que antes de sua
evaporação lhe emprestara com juras de amor. Recriminei minha inocência sentimentalóide
e assumi o prejuízo. Dias se passaram e recebo uma ligação dele (através de um
amigo), estava no sul do país e viria a SP, queria me ver, devolver o relógio.
Hesitei, não queria mais vê-lo, que ficasse com as horas que me roubara, as
marcasse no objeto furtado mas, resquícios do amor falaram mais alto e cedi
marcando dia e hora para encontrá-lo e tentar por senso em naquela comédia toda
errada.
Fui ao encontro, não avisei aos amigos
que o veria a pedido dele mesmo pois lhe dissera que lhe poriam a ferros se o
vissem. Nos encontramos em Santana, rapidamente, não me lembro se houve alguma
explicação, se houve a sublimei com o fato de que não teríamos mais nada. Acho
que houve um pedido de desculpas, o relógio me foi devolvido e antes de nos
despedirmos lembro-me de lhe ter dito que o gostava demais.
Acho que ele também pois seu ar era de
devastação, não precisava ser surdo para fazer o silencio que seguiu. Ele foi
embora e eu segui meu rumo, acabei falando aos amigos enganados que o vira o
que serviu apenas para cortar nossos laços já frágeis, não acreditaram ou
aceitarem que não os tivesse avisado sobre o encontro.
Nunca mais o vi.
Adoro essas histórias exóticas, ainda mais com um desfecho maluco desse o.O
ResponderExcluirCurti a história, e principalmente sua maneira de descrever os fatos.
ResponderExcluirÉ tão bom relembrar o passado.
Eu já trabalhei com deficiente auditivos e me supreendi, pois ele têm uma capacidade incrivel e são muito perceptivos, sabia de tudo o que ocorriam no setor...
Inclusive um deles era gay...
Na balada eu já me deparei com alguns "surdos" gays, que dançam pra kct na vibração da música...
Acho que muitos em seu lugar, agiriam com um pouco de preconceito, e não deixaria rolar tudo aquilo que você permitiu.
Pena que nem tudo é perfeito, ele tinha um grande defeito...
Forte abraço!
Pessoas são estranhas e reagem de formas estranhas. Tai o "meu herói" que saiu roubando carros e atirando em todo mundo que não me deixa mentir. Mas sexo-mudo eu gosto mutcho.
ResponderExcluirsim, cada pessoa tem sua história e cada história né?
ResponderExcluiro relato foi sensacional ... um verdadeiro conto.
se existe um fetiche forte em mim [dentre tantos], são os portadores de necessidades especiais ... #fato ... ainda por realizar exceto com cadeirante ... rs
quem sabe né?
nossa, que estória!
ResponderExcluirPutz... fiquei imaginando esta festa! Daria uma puta cena, né não?
ResponderExcluirComo faço pra comprar o livro?
Bj
Muitas vezes nem precisa de um roubo de um relógio para sermos surrupiado em horas e momentos por alguém que não vale a pena!
ResponderExcluirEu digo que esse mundo é maluco, que tudo pode acontecer, as pessoas não acreditam. Taí mais uma história que não me deixa mentir.
ResponderExcluirBeijo Melo!
E depois de coisas assim eu te pergunto se tem como não ser fã dos teus escritos, HEIN????? Vou te mandar por mail minhas impressões sobre o livro... mais privê, entende? Hehehehe! Bjzzzzz!
ResponderExcluirtnx to all
ResponderExcluirrafa: o livro está à venda no site do Clube de Autores, tem um link lá em cima à direita, no after....