3 de fev. de 2020

Realidades adaptadas

Não gosto de shows de realidade, de qualquer tipo ou espécie, não condeno quem os assiste mas, pessoalmente, acho que vocês poderiam utilizar seu tempo de forma mais produtiva. Enfim, o texto abaixo são minhas opiniões, você pode ou não concordar com elas.

Você provavelmente acompanha ou já acompanhou algum ou alguns deles e há para todos os gostos, tamanhos e manias, desde formatos mais tradicionais como o famoso BBB passando por RuPaul, Master Chef, The Voice, aqueles em que não há qualquer competição mas apenas se acompanha o dia dia de alguma celebridade e outros tantos que vão pululando feito uma cepa nova de vírus que eclode no mundo.

Há quem diga que tais shows são apenas entretenimento sem compromisso, aquele momento desligue de tudo e veja uma futilidade, coisas assim mas, creio que o buraco seja um pouco mais embaixo.

Essa endemia dos shows de realidade se alimenta do que há de pior no ser humano, sua miséria em seu aspecto mais fútil e pavoroso. Vendem uma ideia de que só é possível ser alguém competindo com o outro que passa a ser seu inimigo, que a única via para ser alguém na vida e no mundo é conquistar os famosos quinze minutos de fama e, com a falácia de entreter, trazem a tona comportamentos tão horrendos que deveríamos nos questionar se realmente são pessoas que lá estão ou atores.

Há que refletir um pouco nisso, o ser humano é fétido por natureza, todos temos comportamentos bons e não tão bons, normal, a medida em que adotamos mais um do que o outro é o que nos torna mais ou menos decentes. Podemos então considerar que os participantes de um show de realidade apenas dão vazão a comportamentos que já eram inerentes a si antes do programa e que a dinâmica do show apenas os reforçou ou realçou. Por outro lado, também podemos pensar que algumas dessas pessoas no intuito de competir e vencer deixam seu lado mais abominável assumir o controle apenas no decorrer daquela situação já que fora dela, seriam seres humanos absolutamente normais - dentro do que se pode chamar de normalidade.

De qualquer forma, o trabalho com a miséria humana e com a lei do cão que esses programas reforçam é nocivo tanto emocional quanto socialmente. Passamos a condenar ou aplaudir comportamentos que no dia a dia dificilmente notaríamos salvo protegidos pelo muro das redes sociais, nelas todos condenam tudo e todos aplaudem de pé mas, na vida real, tudo acontece ante olhos cegos e ouvidos mocos já que na vida como ela é não dá pra dar like e curtir ou fazer textão.

Justificamos assistir a esses shows como simples entretenimento como disse acima, como se não fossem parte de nosso cotidiano mas eles são um reflexo nosso enquanto pessoas e sociedade, a competição desenfreada, frases de auto-ajuda e motivacionais, meritocracia, superação, ser o melhor sempre, lutar, persistir, resistir e outras coisas mais. Não que alguns desses temas não sejam aplicáveis ou até mesmo necessárias para a vida real mas, a embalagem usada para vender tais conceitos é bastante questionável pois num veículo de massas, acaba tornando aquilo como verdade universal e sem a qual quem assiste entende não poder viver sem.

Então, quando vejo as pessoas condenando o comportamento de competidores de um BBB, fico pensando se essas mesmas pessoas também condenam tais comportamentos em seu cotidiano ou só  fazem nas redes sociais e para transmitir uma imagem de engajamento e ativismo, não adianta condenar no Twitter e fazer vista grossa na rua, em casa ou com os amigos.

Os shows de realidade estão banalizando o comportamento humano transformando-os em produtos que você pode ou não adquirir pelo PPV, que você pode condenar sem medo num comentário, que você eliminar com um voto, simples e fácil mas, esses comportamentos seguem existindo na vida real independente de você ter votado para eliminar aquele participante machista, racista, homofóbico ou qualquer outra coisa.

Emprestamos a esses programas a realidade que não queremos ver ou entender porque na TV eles são produzidos não vividos, não somos nós que temos de lidar com eles mas seus participantes. Nós podemos do conforto de nossas salas apenas apontar o dedo e reclamar, condenar ou aplaudir, aquela não é uma realidade de verdade, é uma realidade adaptada e preferimos fazer de conta que a TV não está segurando um espelho horrendo ante nosso rosto.

Se você está realmente querendo viver um show de realidade, sugiro começar a viver sua própria vida e encarar todos os demônios reais e imaginários que nela estão, sem votação, sem produção, sem PPV, sem nada e garanto que você terá mais realidade do que jamais sonhou em ter.

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