31 de jan. de 2020

Isso não é um livro LGBTQ

Como disse na postagem de ontem, se não leu está mais abaixo, tenho com outros dois amigos um podcast sobre literatura LGBTQ chamado ORGULHO CAST - não ouviu? Estamos nas principais plataformas, só conferir, vai lá, você ouve uma penca de podcast não vai ouvir o nosso? Nunca te pedi nada...

Bem, num dos episódios, discutimos o livro de uma autora que não vou citar o nome para não dar mais cartaz a essa pessoa mas ela, mulher cis, hétero, religiosa, casada e com filhos, se dá o título de autora de LGBTQ (sic). O livro em questão tinha por título um apelido do nome composto Carlos Eduardo, faça aí a matemática e descubra, não é difícil, qualquer hétero consegue e se quiser saber minha opinião sobre ele, só procurar no Goodreads ou na Amazon onde deixei meu comentário sobre essa 'obra'.

Voltando.

Você pode perguntar mas um hétero não pode escrever sobre LGBTQ? Isso não é preconceito? Bem, vamos falar sobre lugar de fala, chato né? Você já deve estar cansado de tanto ouvir falar disso mas, veja bem, quem tem mais autoridade e propriedade para falar de temas LGBTQ? Uma comparação brusca mas válida: imagine eu branco, gay, cis resolve escrever sobre o racismo estrutural no Brasil, entendeu? Com qual autoridade eu, uma pessoa branca posso falar sobre racismo? Há pessoas bem mais preparadas para falar disso do que eu e elas devem sim ter seu lugar de fala, não eu.

Isso, entretanto, não me desautoriza a participar do debate desde que com o devido bom senso e respeitando esse lugar de fala que pertence ao outro já que é uma realidade que não me pertence, não vivencio ou entendo. Percebe? Então um hétero pode escrever sobre temas LGBTQ? Claro que pode, e deve!

Neste caso estamos falando de literatura e quanto mais gente tratando de temas LGBTQ, melhor o que, guardadas as proporções, vale para quaisquer outros assuntos que afetam a minorias. O que pega mal e fica ruim é quando o hétero resolve escrever LGBTQ e acha que está fazendo um excelente trabalho mas, na verdade, está sugando o filão LGBTQ em benefício próprio sem acrescentar ou prestar algum serviço relevante a comunidade LGBTQ.

Nos caso desta autora, seu livro de LGBTQ tem muito pouco. Ela escreve o que podemos classificar de 'literatura pornográfica' ou HOT se você prefere anglicismos. Seus personagens são o supra sumo do clichê LGBTQ, estereotipados e refletindo um padrão de LGBTQ que a grande mídia e sociedade conseguem identificar com mais facilidade.

São personagens rasas, trama fraca e rocambolesca, sexo gratuito e ela ainda alega que pesquisou a fundo o tema para falar de relacionamentos abusivos e práticas sexuais pouco 'convencionais'. De certo que sua pesquisa foi feita com base na vasta literatura hétero existente pois escreveu um 'romance LGBTQ' com os personagens mais héteros que já vi além de feminilizar o personagem principal dando aos outros um ar misógino e machista ou seja, além de esculachar com LGBTQ ela também deu rasteira no movimento feminista.

O que se passa nesse caso é que esta senhora, travestida do manto de militância e de que está dando visibilidade aos LGBTQs, descobriu um filão de ouro e está faturando alto e não em cima dos LGBTQ que, creiam, parecem ser a minoria que lê seus livros. A grande maioria de seu público são mulheres heterossexuais, sim, isso mesmo, mulheres hétero que veem na luxúria carnal explícita de seus romances altamente erotizados alguns de seus desejos mais recônditos materializados sem ter a carga de culpa que isso acarreta pois os personagens são gays mas, ledo engano, os personagens gays emulam relacionamentos e práticas sexo-afetivas normativas dos héteros, pouco se aprofunda no cerne da questão de relacionamentos LGBTQ ou seja, ela escreve romances héteros onde todos os personagens são gays, simples assim.

Qualquer gay que se diga ou sinta parte da comunidade lerá um livro desses e ficará horrorizado com tamanho desserviço e representações grotescas de relacionamentos e pessoas LGBTQ e a autora ainda se diz militante e que tem muitos leitores LGBTQs e fica toda doída quando GAYS apontam os furos de sua obra como se nós, GAYS, não houvéssemos entendido nada, querida, quem não entendeu nada foi VOCÊ!

Há autores héteros que escrevem sobre temas LGBTQ e com louvor, ser hétero não é um impeditivo para escrever sobre LGBTQ assim como ser gay não é impeditivo para escrever sobre temas héteros. Enquanto escritores, precisamos ter a liberdade de expressar nossa arte como acharmos melhor desde que ao falar de temas que não conhecemos ou onde não temos lugar de fala saibamos fazê-lo de forma correta, humana, sensível e coerente afinal, independente da orientação sexual, estaremos falando de relações humanas, de pessoas, de amor e afeto, coisas que estão muito além de clichês sexuais socialmente impostos e aceitos e de estereótipos perpetuados.

Enquanto autores e autoras como esta ilustre senhôra estão colhendo os louros de serem identificados como LGBTQ, temos autores LGBTQ que estão produzindo literatura de qualidade e fazendo algo realmente relevante pelo movimento e não somente autores e autoras LGBTQ, héteros também ainda que sejam todos pouco conhecidos pois escrevem sobre assuntos que vão além do sexo e do esperado clichê de LGBTQs e muitos leitores não querem isso, querem o fácil, o comum, o esperado, o clichê, o que já entendem, que não lhes causará desconforto ou lhes forçará a pensar em questões que não desejam pensar.

Se você realmente deseja conhecer literatura LGBTQ que está fazendo a diferença, faça um esforço, pesquise ou até mesmo me pergunte que posso lhe indicar alguns autores LGBTQ de qualidade, são autores e autoras que estão batalhando e muito para fazer a diferença e ajudar a comunidade LGBTQ.

Não dê mais dinheiro para hétero oportunista.


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