31 de mar. de 2020

O Louco



O Louco está lá, melhor, o colocamos lá pensando que por ser Louco iria ajudar a todos nós nesse hospício mas ele era Louco, não besta.

Aí, o Louco começou a falar umas coisas estranhas, que não eram as doideiras que estávamos acostumados a ouvir quando ele ainda era interno como nós. Eram coisas muito diferentes e até mesmo alguns de nós Loucos passamos a dizer que ele era mais louco do que a gente enquanto outros Loucos achavam que ele já não era mais Louco mas são e aplaudiam suas frases disparatadas como se fossem um alívio para os dementes.

O Louco acreditava tanto na coisas que falava que as entendeu como verdade e ele não era mais Louco, era o único normal no hospício e passou a mandar e desmandar como lhe aprouvesse, demitia funcionários que não iam de encontro a suas Loucuras, desdiziam delas ou o contradiziam ante os demais Loucos.

O Louco não aceitava quando o chamavam de Louco, mesmo sabendo que havia saído dali, daquele meio de doidos, ele não era mais Louco. Quem o chamasse de Louco era isolado, chamado de do contra, inimigo dos Loucos, vilão, Louco de pedra e muitas vezes, internado em solitária para não contaminar aos demais Loucos com suas Loucuras absurdas.

O Louco adorava aparecer, sempre fazia comícios no hospício mas apenas para seus Loucos seguidores, para os outros ele não falava nada porque dizia que eles eram Loucos e só deturpariam o que ele dissesse. O Louco amava propagar notícias Loucas como se fossem bençãos, dizia que era a única fonte de normalidade ali dentro, qualquer outra fonte era Louca e não confiável.

O Louco tinha acessos de raiva, dizia que não era pela Loucura mas porque o chamavam de Louco quando ele não o era. O Louco às vezes falava uma coisa e fazia outra e dizia a quem o contestasse que Loucos eram eles e que ele sabia exatamente o que estava fazendo.

Um dia, apareceu uma doença no hospício, não as da mente ou psiquê mas dessas que matam de verdade, contágio, praga, chaga, moléstia grave. O Louco disse que era mentira, que não era nada demais e que todos deviam seguir com suas vidas Loucas normalmente, que a histeria - salvo em casos congênitos ou patológicos - apenas faria mal a todos ali.

Mas os Loucos começaram a morrer e mesmo assim, O Louco seguia dizendo que não havia nada a temer, que era assim mesmo, Loucos nascem e morrem todos os dias, não era nada demais e a vida no hospício precisava seguir seu ritmo e rotina.

O Louco foi aos poucos perdendo sua voz junto aos Loucos, mesmo entre aqueles que apoiavam sua Loucura pois os Loucos morriam aos montes e até um Louco sabe quando a Loucura passa dos limites e vira caso de vida ou morte.

O Louco ainda tentou virar o jogo e tomar controle total do hospício mas não deu certo. O Louco foi aos poucos falando para cada vez menos Loucos até que, certo dia, percebeu que não havia mais ninguém a lhe ouvir e que ele estava sozinho no hospício.

Desesperado, o Louco saiu correndo pelos corredores e alas perguntando a todos que encontrava onde estavam seus amigos Loucos mas ninguém lhe respondia. Fugiam dele. Evitavam. Faziam de conta que ele não estava lá.

Quando finalmente alguém se dignou a lhe responder porque ninguém lhe dava atenção ouviu:

E porque deveriam? Você é Louco...


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