cai por ele e cairia de novo, seguiria caindo até dar com a cara no chão, ou debaixo da terra, ou debaixo disso ainda, ou até no inferno, ou até depois do inferno deixando o diabo falando sozinho que eu só ia parar quando desse a volta completa e voltasse da queda para estar ali de frente, olhando naqueles olhos cor de não sei quem ou o que, cor de tudo, furta cor, furta cores, furta eu que não sou mais meu mas seu, me leva, me rouba, me assalta, me salta, me alta, me deixa assim com esse ar de gozo antecipado.
hétero não sabe amar assim de cara, de pronto, de súbito. tem de fazer corte, jogo, simula, desfaz, vai e não vai, faz de conta, agora vai e não foi, tem de brincar e dizer coisas que ninguém entende e depois passa os dias tentando recriar o primeiro dia dos namorados, aquele, doce, de beijinhos e juras, de jantar e motel, de beijo na nuca e carinho nas pontas dos dedos, de mão suave pelas costas e mãos suadas pelas coxas.
hétero passa quinze minutos ganhando e o resto da vida perdendo.
não sei, algo na água ou no líquido amniótico deles, ventre materno dever ter alguma coisa que deixa eles assim porque não tem como. talvez seja isso, se fossem gestados pelo macho não fossem assim, como são gestados por mulheres, parece que desde de lá de dentro já começam a intuir que não é seu ambiente, inóspito, insípido, arisco e depois tentam voltar mas não dá e aí não sabem mais tratar, lidar, amar, conhecer, serem mais úmidos uns com os outros, nas mãos, nos lábios, nas pernas, nas coxas, nas orelhas, nos sexos.
ser hétero é carecer de umidades, buscar algum tipo de liquidez e fluidez que não existe mais, saliva que seca nos cantos da boca enquanto gueis já nascem nadando, boiando em águas coloridas e são águas por todo o resto de suas existências, mares, oceanos, fluviais, torrenciais, mananciais, pantanais, afluentes de águas de amores que não secam jamais.
e eu estava caído ali, desfeito em líquidos na frente daquele homem, daquele macho que não era meu, ainda, possível, viável, viado, planejado, ensaio de amor, me via enchente de amores não completos e águas turvas de tesão, sem nome, sem eixo, sei freixo, sem nexo porque tesão tira da gente o prumo e coloca o torto no lugar.
mas ele era hétero, não sabia amar, dessas coisas, eu que não ia amar a um hétero porque é receita errada, desastre, bolo sem fermento, sem farinha, sem recheio, ázimo, sem gosto, sem sal, sem açúcar. era só pra ver mesmo, olhar, de longe, admirar e gozar mentalmente, eu amei por dentro, e casamos, e fodemos, e nos lambuzamos com as águas um do outro mas eu tinha mais água que ele e ele foi secando, secando, secando, secando, até virar um campo árido de alguém, de gente, pessoa deserto que teria de esperar a próxima chuva para florescer.
senti por ele, por ele ser hétero, jamais saberia de meu amor água, de como eu poderia ser seu líquido, saciar sua sede, seu sexo, sua mente, sua alma, gêmea oceano, mar de gente que podia ser nós,.senti por ele, não mais amor mas pena, porque ele era hétero e me olhava agora como se soubesse que jamais iria provar das minhas águas, dos meus caldos, dos meus sucos, das minhas seivas, morreria seco e hétero, por fora bela casca por dentro lago seco.
eu sei amar feito água, feito torrente, feito alagar, feito inundar, tipo aquelas cheias que fazem as pessoas perderem tudo, ele perdeu tudo quando foi hétero, teve de colocar seus desejos em cima dos móveis enquanto minhas águas subiam mais e mais. mas ele era hétero e não sabia como fazer isso, de amar quem é água, líquido, cheio, monção.
ele era hétero e em terra de hétero, quem tem amor é gay.
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