22 de jul. de 2020

quando será o agora?*



'..so you go and you stand on your own, and you leave on your own, and you go home and you cry and you want to die'

Por esses dias, vi um mini documentário explicando como 'How soon is now?' do The Smiths é um marco musical e não apenas musical mas de uma geração que encontrava nas guitarras de Marr e letras melancólicas e ácidas de Morrissey um espelho fiel para suas angústias.

Eu era dessa geração.

Quando comecei a tatear pelo campo do 'ser gay' não havia referência, não havia modelo, a internet ainda era pensada em alguma garagem obscura e vídeos e streaming e redes sociais eram conceitos que habitavam apenas a ficção científica. Era preciso tatear com cautela, buscar pelos 'entendidos', os iguais e que podiam ajudar na descoberta do munda guei, seus códigos, regras, costumes e ditames e, na maioria das vezes, tudo era feito na base da tentativa e erro, mais erro que acerto mas, é errando que se aprende a errar.

Nunca fui dos grandes clássicos associados ao mundo guei ainda que os valorize e reconheça. Habitava e ainda habita em mim só que hoje domesticada uma sensação de inadequação ímpar, um desejo que arde mais forte talvez pela necessidade de me expressar e isso acaba levando por vias que não são as mais percorridas fazendo de mim o fora do eixo entre os fora do eixo.

Parte disso veio das humilhações constantes pelas quais passei na adolescência, essa fase em que todos são maus por natureza e prazer puro, adultos são maus porque escolhem sê-lo mas crianças e adolescentes o são pelo simples prazer de ferir, magoar e humilhar. Nunca fui dentro de qualquer padrão, fosse qual fosse e isso seguiu verdade quando entrei na horrorescência e comecei a tomar contato com outras realidades e lidar com desejos que eu não entendia de onde vinham.

Aí, você encontra uma banda que fala exatamente disso, dessa inadequação e exclusão e um clique súbito é acionado em sua mente e corpo e coração e você passa a entender que tudo está no lugar certo e que por mais que você seja a exceção dentro da exceção, há algum tipo de esperança sem sentido nessa busca doido por um lugar no mundo.

Quando namorei um homem pela primeira vez, tínhamos gostos similares mas musicalmente, eu ia por um caminho mais obscuro e perturbador enquanto ele seguia por outro não tão soturno. Ainda que o passar do tempo em que ficamos juntos tenha misturado nossas essências e influenciado nossos gostos mutuamente, eu ainda me sentia um pária quando íamos nos clubes e boates onde ele se encaixava mais no modelo esperado enquanto eu lutava arduamente por isso.

E não apenas quando íamos juntos mas quando ia sozinho, a ânsia do ir e quem iria me aceitar era algo que me tirava do eixo, aquele processo de ir num lugar e ser selecionado, eleito, escolhido e a consciência de minha total incapacidade de performar corretamente o papel que deveria performar naquele ambiente. Quantas vezes não fui para esses lugares e incapaz de me sentir aceito ou acolhido acabei voltando para a casa sozinho, vazio, triste e certo de que a falha estava em mim e não em outro lugar.

Lembro de muitas outras vezes e lugares que fui e em que o resultado final para qualquer gay jovem seria um saldo positivo e, no meu caso, saía devendo até a alma porque não conseguia nada. Uma dessas vezes me é clara feito um dia de verão, tinha ido numa das paradas LGBTQ e, à época, eu e o homem que namorava estávamos separados, fui obstinado a encontrar alguém, ao menos ficar com alguém, um beijo que fosse já me faria sentir válido como vivo mas, ao final, estava sozinho, sentindo como se fosse algum tipo de refugo tóxico quando vejo passar o namorado que não era mais acompanhado e aquilo destruiu as últimas forças que tinha. Lembro de voltar para casa me sentindo péssimo e, ao chegar, ir direto para meu quarto, deitar e desabar num choro convulsivo e que parecia não ter fim.

Hoje, tudo isso me parece exagerado e até estúpido mas não é porque eu sei que ainda há muitos de nós que passam por isso quando confrontados com as regras do mundo guei, seus padrões e ilusões mas, se há algo que me ajudou e pode ajudar quem ainda passa por isso são aquelas músicas que nos encontram no fundo do poço e dizem que tudo bem, que um dia vai ser melhor e que ser desajustado entre os desajustados não é crime algum muito pelo contrário, é um certo privilégio pois sentimos tudo de forma muito mais intensa do que aqueles que se deixam levar pelos comportamentos de manda.

Então, se você também se pegar perguntando quando será o agora, eu lhe respondo que o agora já é, já está aqui e que você precisa apenas pegá-lo pelo pescoço e não deixar que ele escape de você jamais.

*o título da canção em Inglês é 'How soon is now' que pode ser entendido literalmente como 'O quão cedo é agora?' mas, preferi traduzir assim pois me soou mais correto.

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