11 de mar. de 2020

Faca na caveira

Pode não parecer mas a democracia é um tecido frágil sujeito a desfazer-se ante qualquer vento mais forte ou mares um pouco mais agitados.

Geralmente, ela morre sem que nos demos conta ainda que os sinais de que morreria fossem claros e inequívocos, poucos de nós conseguem ter a clareza necessária para antever tal fim, a maioria segue pagando os boletos, vivendo a vida como se lutar pela democracia fosse dever dos outros afinal, deve haver gente cuidando disso não é mesmo? As instituições não estão ai para isso!

Errado.

As instituições são tão fortes quanto o povo que representam, se o povo que representam é inerte então pouco poderão fazer para sustentar o regime democrático, se o povo for consciente, terão mais força para combater quaisquer ameaças.

Quando temos um presidente da república que flerta abertamente com o autoritarismo testando diariamente os limites da democracia e das instituições, temos um quadro muito perigoso. Bolsonaro está aos poucos implantando seu projeto de governo, seu sonho absolutista e de seu clã; fala ou faz uma coisa e analisa como repercutiu, se colou, ótimo, bola pra frente, não colou? Bom, fala que a imprensa esquerdista deturpou tudo e que ele não consegue governar pois as instituições estão fazendo chantagem, a velha política que ele tão cruzadamente disse que iria combater.

Ao conclamar as pessoas para as manifestações de dia 15 próximo, mesmo dizendo que não se trata de incitar o povo contra as instituições, ele está jogando mais gasolina no fogo, incitando seu nicho de eleitores a irem contra as instituições que lutam por todos inclusive eles próprios, esta jogando seus peões no tabuleiro para forçar a mão do oponente e colocá-lo na parede e, pior cenário, ter justificativa para finalizar seu golpe e centralizar o poder nas mãos de seu clã e dos satélites de deus que estão cada vez desejosos de implantar a teocracia nacional.

Bolsonaro germinou em terreno mais que fértil, semeou sua esperança oca nos campos dos descrentes que olhavam para as instituições e viam apenas quadrilhas a pilhar o pais, beneficiar minorias e promover uma orgia nacional para acabar com o patriarcado e famílias de bem. Essas mesmas pessoas seguem devotas do messias e acreditando que ele precisa de liberdade para fazer o país voltar a ser grande, ame-o ou deixe-o, nunca saíram dos idos de 64 mas esquecem que sem a democracia e suas instituições impera a lei do cão e, nesse caso, a lei do poder e o poder desconhece amigos ou apoiadores, só reconhece inimigos.

Ante um crescimento econômico pífio, desemprego alto e desvalorização recorde da moeda, as promessas de Bolsonaro começa a virar vento e assim, ele precisa de um bode expiatório seja ele o coronavírus, o congresso, o STF, senado ou quem seja, desde que ele possa desviar a atenção e apontar outros como culpados por sua total incapacidade de governar democraticamente.

A democracia pode não ser perfeita, certamente não é mas, é por enquanto o melhor regime que temos até que consigamos pensar em algo mais justo, ela implica mito diálogo, negociação, trocas, concessões, enfim, política, uma arte cada vez mais depreciada e odiada pois é associada a roubo, falcatruas e corrupção quando deveria ser encarada com seriedade e dignidade. Fazer política é a arte de saber negociar, de dialogar, de persuadir, é um jogo complexo e muito dinâmico e, obviamente, pode ter suas falhas mas, prefiro seguir com ele do que a alternativa sombria.

Esta situação de pré-golpe que vivemos é culpa de todos, sem exceção. Na medida em que passamos a descrer da política e deixar as decisões nas mãos de outros estamos deixando o caminho aberto para oportunistas como Bolsonaro. Fazer política não é apenas saber como e em quem votar, deveria ser parte do cotidiano nosso entender, estar a par e participar das decisões políticas do país. Fazemos política todos os dias, não somente quando há eleição, fazemos política quando vamos na feira e barganhamos, fazemos política quando reclamamos de algo que nos incomoda, com nossas amizades e relacionamentos, no trabalho, pense bem, tudo que fazemos são atos políticos, a política não está restrita ao poder constituído, ela está em nós mas preferimos fazer de conta que não está e assim, elegemos sem saber direito como ou porque, não acompanhamos ou cobramos e depois não sabemos porque as coisas estão tão ruins.

Se tivermos mesmo um golpe branco como se desenha, todos seremos culpados, sem exceção, mesmo não tendo votado no messias seremos culpados porque somos um povo isolado em nós mesmos, não temos uma noção de social e coletivo e achamos que enquanto estiver bom para mim, não me importa. Pergunte a qualquer um em quem votou nas últimas eleições e porque votou naqueles candidatos, garanto que todos ou a grande maioria não vai lembrar ou se lembrar, dizer porque votou naqueles candidatos.

Brasileiro é um povo criança, acha que tudo é festa, carnaval e glitter, não é culpa nossa, somos um povo jovem demais ainda em termos históricos mas gostaria muito de ver que começamos a amadurecer ainda que a realidade mostre o oposto disso. Talvez seja preciso que passemos por uma nova ditadura, seja ela militar, de costumes, teocrática ou qualquer uma, pata entendermos nosso papel de sociedade e como agir enquanto povo eleitor e dono da nação.

Enquanto isso, vamos vigiar essa faca que está bem acima de nossas caveiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

one is the loniest number...

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...