17 de jul. de 2020

a vida, esse sopro

hoje não tem conto.

só vou falar da fragilidade de sermos. da vida. desse evento fortuito que a gente não sabe como começa mas sabe muito bem como acaba. 

hoje, dezessete de julho, lá se vão treze anos do acidente da LATAM (então apenas TAM) quando uma de suas aeronaves 'varou' a pista do aeroporto de Congonhas e chocou-se contra o prédio da TAM CARGO. não vou tecer teorias ou apontar culpados, só vou contar minha história que, de forma indireta, está relacionada com esse evento triste.

trabalhava na TAM na época, aviação sempre foi minha paixão e área de atuação muito provavelmente por causa de meu pai que trabalhava com isso e me levava para ver aviões como diversão. estava na empresa fazia pouco mais de um mês, havia sido contratado por um colega meu da antiga VARIG que estava na TAM e trabalhávamos exatamente no prédio que foi destruído no acidente.

no dia em questão, eu aguardava esse meu colega para conversar sobre alguns assuntos que trataríamos numa reunião no dia seguinte. era já começo de noite e uma chuva constante já caía sobre a cidade dese alguns dias. meu colega estava ocupado em uma reunião e como não desse sinal de que sairia tão cedo e como os assuntos que queria tratar com ele não era urgentes, resolvi ir embora e conversar com ele no dia seguinte antes da reunião.

peguei minhas coisas, disse até amanhã a quem ainda estava por lá e fui embora. na rua, fui para o ponto de ônibus que ficava de frente para a cabeceira da pista do aeroporto, chovia não muito forte mas persistentemente e eu aguardava o ônibus com mais algumas pessoas. o ônibus chegou, embarquei e tomei o rumo de casa, fui ouvindo música e olhando a cidade molhada pela janela embaçada do coletivo.

cheguei em casa, disse oi ao meu marido e ficamos conversando sobre amenidades, coisas de casal, simples rotina que agrada pois sabemos que existe alguém ali para ouvir sobre seu dia, são as pequenas coisas que, ao final contam. toca meu celular (vale dizer que era uma época antes de whatsapp e outros tipos de mensagens ou conexões, os smart phones não eram assim tão smart) e era meu irmão esbaforido a gritar você tá onde? e o aeroporto? e o avião da TAM que caiu? E eu oi? que avião? to em casa, acabei de chegar. Ele o avião, porra! caiu o avião! Eu que avião? acabei de sair de lá, tá doido? Ele LIGA A TV PORRA!

liguei e caí sentado. o prédio que deixara pouco mais de quarenta minutos atrás ardia em chamas. meu marido olhou para mim e eu lhe disse que trabalhava ali, naquele mesmo lugar que aparecia devorado pelo fogo e ele levou alguns segundos para processar a informação.

se tivesse ficado mais cinco ou dez minutos, não estaria aqui escrevendo. se tivesse ficado mais cinco ou dez minutos, não teria livro novo ou velho. se tivesse ficado mais cinco ou dez minutos não estaria ou seria. perdi alguns amigos naquele acidente, não muitos porque ainda era novo de casa e tinha feito poucas amizades mas, o colega que me levara para trabalhar ali morreu no acidente.

não sou muito crédulo mas, se há alguma coisa ou alguém que zela por nós de algum lugar, provavelmente foi quem me fez ir embora naquele dia. a vida é um sopro, um nada, achamos que ela dura para sempre, pura ilusão na qual nos apegamos para fingir que não sabemos que podemos morrer num piscar de olhos.

a vida é essa vela que a gente vai empurrando contra a borrasca, protegendo com as mãos em concha para ele não apagar enquanto a cera vai derretendo aos poucos e queimando nossos dedos.

estou aqui segurando a minha vela há cinquenta e dois anos. espero estar com ela nas mãos quando completar cinquenta e três.

2 comentários:

  1. Caramba, Alê!
    Mais meio segundo e não teríamos nós.
    Que tenso, triste e feliz pelo livramento.
    Posso tentar imaginar o quão deve ter sido difícil para partilhar isso até hoje, mas agradeço a vida pela oportunidade de te ter comigo. 💛

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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