9 de nov. de 2020

polos

 


A gente sai comemorando a derrota do déspota americano e esperançoso de que em 2022 nos livremos do nosso, fazemos memes, piadas, gritamos palavras de ordem e sentimos finalmente uma lufada de brisa de esperança como se nunca tivéssemos respirado isso antes.

Não estou criticando, acho que deve sim ser comemorado o fato de uma potência mundial ter eleito um presidente que, até onde se sabe, tem a cabeça no lugar e não é um pequeno ditador disfarçado de democracia. O que mais me preocupa e entristece (e me coloco no saco junto com o resto da farinha) é como estamos perdendo a passos largos a capacidade de diálogo, de debate, de conversar, de ouvir, de analisar, entender e compreender uns aos outros.

Longe de mim defender os que discursam pelo ódio, preconceito, intolerância e que merecem sim uma mordaça tanto física quanto moral por tais barbaridades mas, estamos nos cancelando numa velocidade tão insana que deixamos de lado a razão, a compreensão e a abertura para o diálogo e debate e que são características que nos tornam humanos por excelência. Abolimos o que pensa diferente de nós e preferimos debater apenas com as ideias que são parecidas ou alinhadas com as nossas, qual o ganho disso? Estamos pregando para convertidos, para nosso pequeno séquito, somos pastores de nós mesmos e onde está o crescimento nisso?

Reforço que não defendo o diálogo com pessoas que aberta e claramente flertam com ideias fascistas e que disseminam o ódio e a violência, com gente assim não há diálogo possível mas estamos fechando tanto a abertura que praticamente nada consegue passar e isso é um risco iminente para a estagnação, nenhuma ideologia ou grupo de ideias sobrevive muito tempo sem arestas, sem contestação, sem algo ou alguém que provoque reflexões profundas e até desconfortáveis mas, no século dos extremos que vivemos, estamos todos agindo como absolutistas, ou você está comigo ou está contra mim e achamos que temos toda a razão.

Perdemos a arte do diálogo entre mensagens de whats e postagens nas redes sociais, não sabemos mais conversar com outras pessoas se elas pensam diferentemente de nós, tem outros valores ou ideais, não importa de qual lado estejamos, passamos a encarar o outro com desdém e com raiva, como inimigo mortal e quando ele abre a boca tapamos os ouvidos porque nada do que ele possa dizer vale a pena ser ouvido ou debatido, somos reféns de nós mesmos e de nossas convicções.

Então, quando qualquer assunto esquenta e necessita de mais diálogo e conversa, não fazemos isso, partimos ao ataque e humilhação do outro, do ponto de vista do outro, ele é o mal, o erro, a caixa fora do tom, a nota fora do ritmo mas, se todos tocamos a mesma nota, que música estamos fazendo? Nunca a frase 'o inferno são os outros' me pareceu tão real, enxergamos o outro como a palavra do mal encarnada incapazes de sequer tentar entender a visão de mundo que o permeia e compele, que carrega, que foi imbuída em si e não há engano, todo excesso é nocivo, não importa de que lado venha, o excesso mata não apenas o corpo mas a mente e a sociedade e vivemos há um bom tempo no excesso do excesso sendo a arena política a principal onde jogamos todas as nossas angústias, frustrações, medos, raivas e paixões desenfreadas.

A polarização política foi o estopim para outras que dormiam sob fogo brando, nela pudemos colocar toda a nossa raiva do outro, uns nos outros pelos simples fato de pensarmos diferente, não concordarmos, maximizamos as diferenças porque elas nos fazem sentir vivos e dão menos trabalho do que tentar ouvir, conversar e dialogar, mais fácil atacar, cancelar, exilar e expulsar e ter a vida em grupos que nos aceitam e sempre dizem que estamos certos.

Não evoluímos como espécie assim muito pelo contrário, todas vezes que nos deixamos levar por esse tipo de comportamento a desgraça se abateu sobre nós implacável mas, parece que pouco aprendemos e seguimos insistindo nos mesmos erros, eu incluso. Parece que nos tornamos pequenas bolhas de sabão flutuando e que, ao esbarrar umas nas outras, ao invés de nos fundirmos em outra maior, simplesmente explodimos e deixamos de existir.

Seguindo assim, seremos uma raça polarizada realmente com dois grupos distintos vivendo em pólos distantes, incomunicáveis e que se odeiam no melhor estilo 1984.

Orwell estava certo.

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