9 de dez. de 2020

ângulos

 


Eu tenho incongruências e dentro delas idiossincrasias, bipolaridades e desfalques pessoais que me fazem correr atrás do roubo para identificar a mim como autor do delito, responsável pela captura ainda que me evada de mim com sucesso digno de filme e, por fim, juiz e executor da sentença. 

Depois fico ali olhando para as barras da cela de mim vendo aquele outro que sou do lado de fora repetir todo o processo até que a cela fique tão lotada de mim que, ao adentrar o último mea culpa, ela simplesmente explode e todos eu ficam livres para perambular novamente pelas alamedas e vielas de mim mesmo (até que o processo todo se repita, preso num loop temporal digno das teorias mais absurdas).

Há um estranhamento constante, um não encaixar, não falta de empatia mas de simpatia e são conceitos muito diferentes, creia-me. Falta-me a segunda diversas vezes e não por alguma patologia mas apenas por não ter realmente dilatação escrotal suficiente para deglutir certos comportamentos, temas, assuntos, atitudes e convenções que a grande maioria assume como normais ou comuns ao bom convívio. Talvez o entendimento de tal quesito seja diametralmente oposto para mim e os demais o que, se não é adequado (aos outros), não me parece ruim (a meus olhos).

Assim, declinei educadamente muitos convites para confraternizar com pessoas recebendo de quem me fez o convite presencialmente, um átimo de olhar e ar surpreso, as entrelinhas perguntavam por que mas o que saiu foi um ‘ahhhh’ disfarçado de decepção e talvez exigência de justificativas já que minha recusa foi lacônica, sem recorrer a grandes elaborações ou figuras de linguagem. Pensando após, ainda cheguei a ponderar se deveria, pelo bem do status quo, ter aceito mas ir de boa vontade a algo como festa temática (Baile no Havaí, trajes floridos compulsórios – quem me conhece já realizou a ojeriza que tal cenário me causou) com pessoas que de mim sabem nada e cujo convívio diário é tão profundo quanto uma poça d’água, me parece algo simulado senão dissimulado de ambas as partes.

Como tenho essas versões de mim, passamos a discutir o assunto ponderando sobre os prós e contras, sim e não e no final nos dividimos em dois grupos distintos: um de consciência social e outro absolutamente avesso a ela. O primeiro grupo diz que deveríamos ir, integrar, enturmar, simpatizar, animar, desfazer a impressão de que somos reclusos e pouco sociáveis enquanto o segundo prega o oposto disso, que não há qualquer ângulo comum possível com essas pessoas, que será um exercício de paciência desnecessário já que são pessoas que representam nada para mim o que, confesso em minha bipolaridade, me assustar afinal são pessoas, como não representam nada?

Façamos então um adendo breve aqui: o fato de serem pessoas representa algo, obviamente! Porém, considerando o conjunto de valores, ideias e conceitos que levo dentro de mim essa representatividade desfaz-se no ar pois não há aderência entre nós, não há eixo comum ou área destacada.Veja, não digo que lhes desgosto, sou avesso ou dedico desafeto, apenas que não há representatividade e assim, não há congruência. Alguns podem retrucar que tal coisa carece de convivência e tempo e que se não existe o movimento de um lado dificilmente se poderá encontrar do outro mas, para que tal movimento existe deve haver uma predisposição inicial que motive a quebra da inércia e, por definição, todos os corpos tendem a permanecer e conservar a suas.

Ser humano pode ser assim cheio de falhas e talvez nem mesmo seja adulto tal comportamento mas certamente é meu, autêntico e maduro o suficiente para a esta que é a parte que me cabe neste latifúndio.

3 comentários:

  1. Kkkkkkkkkk!!!
    Adorei o texto, mais uma vez.
    Super me identifiquei, mais uma vez.
    O conflito: Persona X Personalidade é complexo e perene.

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  2. Na vida, tudo é conflito. Na morte, tudo é silêncio. Vivamos. 😍

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