16 de nov. de 2021

harder. better. faster.

 



Ser gay pode ser maravilhoso na maioria da vezes (e realmente é), desfrutamos de uma liberdade ímpar quando comparados aos padrões normativos de relacionamentos sexuais e afetivos e possuímos uma visão de mundo única que nos permite lidar com as adversidades de uma forma, digamos, menos pesada do que a maioria das pessoas o que, se não é uma regra, é uma grande vantagem.

Somos livres (quase todos ao menos) dos ditames de moral e costumes que corroem a sociedade normativa até a medula e estamos sim remodelando como amar, transar, viver e conviver, é um movimento sem volta mesmo porque, ainda que ao nosso redor existam aqueles que desejam andar para trás ou nem mesmo andar, a evolução só tem uma direção e é para frente então, não adianta reclamar, melhor aceitar o novo porque ele sempre vem e o velho deve ser guardado feito doce memória onde esse novo nasceu.

Sinto orgulho de fazer parte de um tempo em que tantas coisas estão em cheque, questionadas, revistas, remodeladas, reposicionadas, atualizadas para refletir um hoje que não cabe mais em regras tão mortas e, modéstia parte, acho que consigo acompanhar até razoavelmente a velocidade de mudança, já fui um pensamento antigo e modelado pelos padrões em que fui criado assim como boa parte de nós o foi, não há culpa a ser atribuída ou dedo a ser apontado porque somos, além de criações de nós mesmos, produtos do meio no qual estamos inseridos então, se você consegue manter-se atualizado isso é uma vantagem imensa e não digo isso como algum tipo de febre incansável de busca pelo novo que o tempo vai construindo em nós conforme vamos saindo da curva mas como uma necessidade de manter-se dentro do mundo e não fechado em nossos mundos que é receita certa para morrer lentamente.

Mas, ao mesmo tempo, sinto que na comunidade gay (ao menos na masculina) esses ares de progresso parecem ter estacionado décadas atrás.

Explico.

Nós gays homens cis sempre batemos no peito e falamos que a liberdade sexual era a maior conquista, poder transar sem culpa, sem medo (até onde as DSTs permitem), sem neuras e sem ter de fazer análise depois deveria ser a grande herança dos homens gays mas, acaba sendo sua maior prisão e não digo isso de forma moralista ou para cancelar o sexo casual que nós, gays, conseguimos a um clique de distância.

Ao quebrarmos essas regras de acasalamento e remover a procriação deixando o prazer do gozo por ele conquistamos uma liberdade extrema que nos livrou do jugo social imposto pela cultura e religião, excomungados felizes que somos mas adentramos num purgatório cheio de divisões e subdivisões e códigos que nos fizeram perder a essência de sermos criaturas do gozo, do prazer e, porque não dizer, hedonistas.

Essa liberdade que tanto gritamos aos ventos se esvai quando os aplicativos de sexo possuem perfis tão complexos e excludentes que mais parecem bulas de medicação tarja preta, há tantas exceções e normas que uma coisa simples como o sexo torna-se trabalho de conclusão de curso, caso de estudo e o sexo casual vira sexo programado e regrado, se não encaixar nas regras não ocorrerá e não apenas neles mas na famosa noite gay esses mesmos comportamentos seguem existindo mesmo depois de tana luta e suor e lágrimas para conquistarmos a liberdade sexual.

São regras de vestir, olhar, comportar, falar, beber e gestual que implicam numa recusa imediata do outro, dá-se block visual pois se entende que aquele perfil não atende aos requisitos ou então, banimos o outro depois de procurar seu eu on-line e ver se realmente condiz com a realidade ou seja, o eu de carne e osso sempre perderá porque o eu digital é um padrão inatingível, perfeito e imaculado, não há carne, pau ou gozo que possa se comparar.

É triste ver que mesmo de depois de tanto tempo e tanta porrada seguimos numa cultura segregacionista, digitalizada para identificar padrões e descartar o não se encaixa neles ou não atende a um mínimo de requisitos que não se sabe de onde vieram ou quem os determinou. A vida e o sexo são coisas reais, não precisamos de regras para eles, deveria bastar apenas um papo, um olhar ou química para fazer acontecer e não likes, fotos, filtros e considerações sobre aparência.

Falamos muito sobre a 'uberização' de nossa sociedade, a era do delivery e estamos realmente nela principalmente com os aplicativos de sexo e baladas dedicadas ao sexo casual e, veja bem, não quero pagar de moralista, acho válido e excelente que possamos ter todos os meios possíveis de encontrar alguém para sexo seja on-line ou em clubes de sexo, longe de mim querer impor regras para isso porque a maior liberdade que existe é poder gozar sem culpa e sem medo, apenas pelo prazer em si mas, o casual não precisa ser impessoal, descartável, somos todos humanos e temos sentimentos e necessidade de troca com outros para além de fluídos corporais.

Quando descartamos o outro apenas por não estar no perfil, porque a noite é jovem e você ainda pode conseguir algo melhor (aí no final dela bate a neura e você acaba ficando com qualquer um só para não ir embora no zero a zero), esse desuso do outro é um desuso de nós mesmos, estamos esvaziando o que há de melhor em nós e levando junto o que há de melhor no outro via tela de celular e corredores escuros de bares e clubes, não há nada ruim nisso como eu disse mas, essa troca pode ser bem mais gratificante do que alguns minutos e depois nunca mais.

Há um medo do permanente, o descartável é melhor porque não implica em laços ou responsabilidades e sempre existe o próximos perfil, essa cultura de figurinha repetida não fecha álbum deixa a todos nós como álbuns incompletos, estamos cultivando vazios e ficando cada vez mais arredios e imediatistas, precisamos do agora e do próximos, não queremos um agora prolongado porque ele demanda atenção e mais de 140 caracteres e ninguém quer ter tempo para isso, precisamos apenas do rápido porque ele atende a urgência que criamos para nós mesmos, estamos indo cada vez mais rápido e, nesse ritmo, chegaremos ao final antes do tempo, casados, exaustos, com a impressão de que vivemos muito e bem quando na verdade vivemos pouco e mal.... 

Um comentário:

  1. O bicho humano é, ao mesmo tempo, fantástico e insuportável. E não é só o outro, não. kkkkkkkkkkk

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