Ontem.
Fui levar alguns livros e revistas para a biblioteca que fica perto de casa, sempre aceitam doações, melhor que vender, dá um sentido de boa ação.
Chegando lá, havia uma senhora já de idade prestando atendimento na recepção e acompanhada do que imagino fosse sua neta, uma criança de cerca de cinco anos ou algo por volta disso. Espevitada, geração nova que parece já ter nascido com a personalidade formada online e dona de sua razão e opiniões incontestes.
Ela se aproxima do balcão meio adulta diz 'pois não' e começa e ver as revistas que levei enquanto a mulher começa a verificar os livros. Depara-se então com uma capa da Piauí onde Bolsonaro beija seu guru Olavo num abraço.
E diz 'eca, não pode isso' e mostra para a avó que a repreende de forma dócil dizendo que pode sim ao que ela retruca 'mas é errado', a senhora retruca que não, errado é desejar ou fazer mal aos outros e que as pessoas são livres para gostarem de quem quiserem; eu mesmo olho para a menina e pergunto 'errado porque?' e ela responde 'porque é', eu digo 'não, não é errado, as pessoas são livres para beijarem e gostarem de quem quiser', ela encerra a discussão talvez por não possuir ainda todo o aparato necessário para manter tal debate ou talvez porque esteja convicta de suas ideias e não deseje debatê-las com sua avó e com uma bixa de esquerda.
O que me preocupa neste cenário é uma criança já ter como certo de que o beijo entre dois homens (e por tabela entre pessoas do mesmo sexo ou qualquer beijo não normativo) seja errado. De algum lugar ela tirou este (pre)conceito, talvez de sua família ainda que sua avó ou mãe ou seja lá o que tentasse lhe explicar o contrário. Se não foi do ambiente familiar, o que me parece mais provável, então desde tenra idade já foi exposta ao discurso de preconceito e homofobia que nessa idade pode até adquirir ares de graça mas que, com o passar do tempo, irá se transformar em intolerância e ódio.
Fico pensando se esta não será a geração que cresceu sob o governo do messias, lavados e alvejados nos ideais conservadores, cristãos e fascistas, seria interessante acompanhar essa criança e ver, dentro de algumas décadas, em que ela se tornou botando fé que a voz da razão de sua tutora tenha se feito ouvir mais forte que as outras que pregam o amor e afeto fora das normas como errados.
Mas, o pensamento mais cruel é a dúvida de quantas outras crianças estão crescendo sob esses mesmos conceitos e ideias ensinados por seus pais, tutores ou expostas a lavagem cerebral conservadora. O estrago que está sendo feito só poderá ser mesurado dentro de alguns anos ou mais e talvez impossível de ser corrigido, estaremos sob o jugo de uma geração de pequenos fascistas que pintam um quadro bem mais horrendo do que o atual.
De arremate, ela se depara com esta capa da Piaui, de certo que jamais lerá tal revista tão afrontosa quando adulta:
E diz levando a revista para a avó 'olha' ao que a outra lhe responde 'e qual o problema?', 'ele tá pelado, não pode', 'ué mas qual o problema, você não toma banho pelada?', 'não, eu tomo banho de calcinha!' rebata na empáfia e indignada com tamanha falta de pudor.
É.
O Brasil é o país do futuro (sombrio).
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEmbora estas criaturas sejam crias da Internet, muito dos valores são erigidos dentro das sociedade composta por humanos. Certamente, em contraposição com o ambiente desta provável família moderna, temos uma vó consciente da dialética do pensamento; no entanto, deve ser o espaço escolar ou molde de construção desta mentalidade da criança. Esta parece ter sido informada, constantemente, destas dicotomias sem a devida atenção ao espaço que a diversidade tem dentro de sua dimensão da prática social. As respostas prontas e não refletidas desta criança revelam algo já arraigado, construído de forma categórica sem a devida reflexão. Mas não se deve tomar a parte pelo todo, nesta exceção metonímica, esta criança pode estar alijada de um ambiente escolar democrático, sem exemplos, sem discussões acerca dos assuntos por ti pontuados. As razões são diversas, mas certamente a escola tem sido omissa neste quesito, já que na família temos a dialética da vovozinha paciente.
ResponderExcluirConcordo integralmente, Roberto!!
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