27 de ago. de 2020

WOW

 


Em algum lugar da galáxia.

Júnior, vai dormir!

Deixa ele, Arnal! Coitado do menino!

Deixa ela, Vahny? Deixa ele?

É! Coitado do moleque.

E depois ele vem com essa história de humanos de novo, não dorme à noite e quer dormir coma gente.

Isso é culpa sua!

Minha? Ah tá bom!

Sua sim! Você sai com seus amigos e vai lá pegar aqueles humanos e depois fica contando pro seu filho, ele é uma criança, ele acredita em tudo!

E não é pra acreditar?

Arnal, tudo tem limites! Ele fica assustado!

Assustado? Com o que, criatura?

Com sua histórias e teve aquela vez que você trouxe um pra casa...

De novo isso? Já expliquei que foi um acidente, não deu pra devolver e tive de ficar com ele porque os outros não queriam.

E você ficou, né? Pra variar..

Mas como? E que outra vez eu fiz isso?

Deixa pra lá, melhor mudar de assunto.

Melhor mesmo e, de qualquer forma, ele tem de saber sobre os humanos mais cedo ou mais tarde.

Já te disse para não ficar metendo essas ideias na cabeça dele, ele é muito novo pra sair aí abduzindo esse povo, deixa ele em paz!

Ah! Agora eu que meto as coisas na cabeça dele é? E sua mãe?

Que tem ela?

Pensa que não sei que ela conta histórias de humanos pra ele?

São fábulas, Arnal, pra dormir.

Aham, claro, como se eu não soubesse que sua família fez dinheiro com esse negócio de abdução.

Olha, quando você quer você é um escroto, sabia?

Tá ouvindo?

O que?

Teu filho, oras!

 Que tem ele?

Tá ouvindo rádio de novo.

Deixa ele! Mas que implicância!

Júnior! Se eu subir aí e você estiver ouvindo rádio da Terra o pau vai comer nessa galáxia moleque!

21 de ago. de 2020

causa/efeito

 



Idade Média é pouco para definir a bestialidade dos cristãos e evangélicos que apodrecem o país com seu discurso moral, religioso e conservador nojento, se há uma raça que abomino com fervor é essa, a dos devotos, crentes, que cagam homilias e vomitam salmos, que defecam religião como se fossem capazes de salvar o mundo de perigos imaginados enquanto botam mais lenha na fogueira para queimar os infiéis. Mil vezes servir ao tinhoso do que ser do clube de vocês se bem que, verdade seja dita, o comportamento vosso tem mais a ver com Satanás (pobre diabo) do que com o divino que vocês amam tão loucamente.

O caso da menina estuprada deixou isso claro, como vocês atacam raivosos o efeito e não a causa do problema, como se a culpada pelo estupro fosse a criança e não o adulto e parir fosse a missão sacra e compulsória da menina.

Há algo de muito errado com vocês servos de deus que foram lá se opor ao aborto e, se pudessem, teriam queimado viva a menina, e nem por um momento se preocuparam com o criminoso que violentou e engravidou a criança esse sim merecedor de sua ira mas, estupro é normal, culpa da vítima sempre, já o aborto é um crime hediondo ante aos olhos do seu deus e então, vamos lá crucificar a menina porque ela é a fonte de todo pecado.

Se fossem realmente pessoas preocupados em fazer algo de concreto, estariam mais engajadas em fazer com que as famílias e escolas educassem crianças e adolescentes sobre o sexo de forma racional e pedagógica e isso não quer dizer passar vídeo pornô para as crianças e adolescentes nem promover sessões de masturbação coletiva mas explicar o que é o sexo, o que é reprodução humana e não apenas expondo o lado prazeroso disso de forma a romper com os tabus e fobias sociais no tocante ao sexo mas, expondo também os riscos de iniciar uma vida sexual precoce ou sem estar preparado para isso assim como os riscos representados pelas DSTs, tudo de forma clara, objetiva e de modo a desmistificar o tema.

Com isso, teríamos adultos mais funcionais e preparados para uma vida sexual saudável e menos pessoas frustradas, doentes, que não sabem curtir o sexo ou mesmo o que é prazer, não entendem seus corpos e como eles funcionam e não estão preparadas para, se for de seu desejo, constituir família e ingressarem na vida sexual sem receios ou dúvidas.

Também é preciso ensinar sobre planejamento familiar e dar acesso a saúde sexual livre e irrestrito, não adianta apenas educar se não há uma estrutura por trás para amparar e apoiar. Cada ano, adolescentes e pré-adolescentes iniciam a vida sexual mais cedo e totalmente sem qualquer apoio ou instrução salvo se considere os vídeos pornôs como tutoriais e, se você pensa que eles não os veem, lamento, capaz de saberem mais de sexo que todos nós juntos só que estão aprendendo da maneira errada e de quem não tem qualquer preparo para isso.

Não adianta querer barrar a educação sexual com o argumento frouxo de que isso erotiza e estimula as crianças e pré-adolescentes, isso é uma falácia moralista usada para manter a caduca moral e bons costumes sempre apregoada pelos pastores e cristãos fiscais do rabo alheio. Educar, criar, formar uma pessoa vai além do tradicional e elementar, a educação sexual pode diminuir o índice de gravidez na adolescência mostrando aos jovens como adotar medidas de prevenção e o momento correto de iniciar sua vida sexual não deixando isso ao cargo dos amigos ou internet, ela também pode contribuir para controlar a disseminação de DSTs que estão completamente fora de controle e também prevenir casos de abuso e estupro pois indivíduos sexualmente educados podem mais facilmente identificar situações de abuso e denunciá-las antes que seja tarde demais (óbvio que não é tão simples assim e não desejo generalizar os casos de estupro e violência sexual).

Enquanto não tratarmos o sexo como parte integrante da vida, preparando indivíduos para usufruir dele com maturidade física e emocional, desmistificando os tabus sexuais e trazendo o sexo para a luz do conhecimento e da normalidade, seguiremos vendo casos como o da menina estuprada, de jovens que engravidam sem ter plena consciência de seus próprios corpos ou vidas, de DSTs espalhando-se sem freio e pessoas totalmente ignorantes sobre sua transmissão ou tratamento, de jovens que não sabem lidar com a própria sexualidade ou respeitar o outro e seu desejo ou ausência dele perpetuando a cultura machista e todo que qualquer tipo de fobia sexual.

Sexo precisa sim ser ensinado porque não é brincadeira, pode parecer que é mas é uma brincadeira que pode custar muito caro.

20 de ago. de 2020

muitobrigado

 


e aí? nasceu?

ainda não.

como não?

não, oras.

mas como? já faz horas!

essas coisas tem hora pra começar e não pra acabar...

absurdo, ele deu entrada aqui ontem.

e essas coisas sabem data? respeitam calendário? usam relógio por acaso? isso é coisa de gente vivente, que já foi parida, do mundo que teima em colocar tempo em tudo.

me desculpe, são meus nervos, a flor da pele, tem sido difícil.

não tem problema, eu entendo mas o senhor precisa ter calma que agora é esperar, já começou, vai acabar.

pode demorar muito?

quem sabe?

mas, na sua experiência?

difícil, já vi uns que chegaram com a coisa praticamente pendurada, no colo já. outros ficaram aqui que pareciam ter vindo para morar de tanto tempo que passou.

nossa, mas isso não é possível!

não é mas é, acontece muito, a vontade não é sua nem de ninguém, é de quem está pra vir ao mundo, adianta reclamar não que a vontade é deles e vem quando acham que estão prontos e ponto, há de esperar, vá tomar um café que às vezes é feito bolha de sabão, estoura do nada.

comparação interessante. ele parece uma bolha de tão grande mesmo, será que ele pode estourar? não tinha pensado nisso, me bateu um medo até!

nunca vi mas, já ouvi dizer de uns que fizeram tanta força que saíram daqui aleijados, quase partidos no meio de tanta dor, outros dizem que estouraram mesmo porque não queria nascer e aí, era uma queda de braço entre empurrar pra fora e ficar lá dentro mas tem jeito não, vir ao mundo sempre vence, natureza das coisas, não há como lutar eu acho.

que horror! agora fiquei preocupado, não deveria dizer essas coisas para quem está aqui em desespero sem poder fazer nada!

mas então porque perguntou? bastava ter ficado calado, pergunta e não quer saber a resposta? mais essa agora.

desculpe, são os nervos, eu ando bem em frangalhos.

estou acostumado, aqui a gente vê isso sempre, parece até que são vocês a parir, já vi uns que ouviam os berros lá de dentro e berravam mais alto aqui de fora. outros sentiam até mais dor que o parto, uns ainda desmaiam, vai de cada um mas nunca vi sair o mesmo daqui.

imagino que não, há quanto tempo trabalha aqui?

nem sei, tempo aqui é algo sem medição, a gente só vê passar mas não sabe o quanto e, pra ser sincero, quem sabe?

verdade, tempo é ladrão de si mesmo não é?

isso eu  não sei mas sei que o tempo só tem pra mim é nome porque medida, nunca teve, nunca vi, sei que ele passa mas como, não sei dizer e também nunca me preocupei em saber.

ouviu isso?

isso o que?

o grito? não ouviu?

acho que sim, aqui é tanto grito que a gente acostuma, vira meio que música sabe? a gente nem liga mais.

sério? mas foi um grito tão forte, alto, acho que foi do meu...

foi não.

como sabe?

já disse, a gente aqui acostuma, sabe a diferença dos gritos, vira do ambiente, foi do seu não que ele estava bem, a gente sabe quando é algo sério pelo grito, eu sei, acredite, se fosse algo mais grave eu não estaria do seu lado, sabe aquelas pessoas que conhecem os tipos de neve? pois bem, a gente aqui faz a mesma coisa com os gritos.

pra mim são todos iguais.

não são não, tem grito de todo tipo, esse que você ouviu por exemplo, foi de alegria.

de alegria? grito de alegria?

e porque não? grito tem de ser só de dor ou medo? tem grito de alegria aqui sim, as pessoas acham que isso aqui é lugar só de dor e sofrimento mas não, tem alegria aqui no meio, só prestar atenção!

desculpe, não quis ofender.

agora sim foi o seu.

oi?

gritou, não ouviu?

não, mesmo? gritou? mas foi de que?

alegria pelo jeito.

tem certeza?

sim, já disse que conheço bem.

nossa! será que posse ir lá ver?

claro, ali, terceira porta na esquerda, pode ir que esse grito foi de alegria por ter acabado e ter nascido, conheço, pode confiar.

obrigado! de verdade, obrigado!

de nada, e parabéns! ser paimãe de universo é muito bom e bonito, trabalho que dá mas vale a pena, boa sorte e que ele seja um universo saudável e bondoso!

obrigado! obrigado!

e saiu pelo corredor dimensional para ver a cara do filhuiverso que acabara de vir ao mundo dentro de um universo que não conhecia mais quem eram seus pais.

19 de ago. de 2020

um museu de grandes novidades

 


no museu de grandes novidades, inaugurado pelo messias reformado, capitão da santa pátria, temos:

livros que nunca forma lidos e nunca o serão.

fotos que nunca foram tiradas e nunca o serão.

quadros que foram pintados mas nunca serão vistos.

telas que foram censuradas e quase foram queimadas.

esculturas cobertas para não ofender a família.

bustos de inimigos da pátria naturais leia-se suas cabeças embalsamadas.

instalações santas de louvor.

pornografia evangélica exaltando o amor dos céus que deixa as pessoas virgens.

imagens de um país que morreu mas passa bem.

reproduções de um passado que nunca existiu.

desenhos de um passado que nunca se ouviu.

canções de louvor ao país que nasceu de um aborto infantil.

músicas que nunca foram compostas para um povo que nunca as ouviu.

múmias de pessoas que nunca morreram porque nunca existiram segundo a versão oficil.

vestígios de um país que estava quase lá quando não foi e deu para trás.

paredes forradas de um passado imperfeito.

paredes forradas de um futuro forjado.

paredes forradas de um medo azedo que não fala nem cala.

no museu de grandes novidades, inaugurado pelo messias reformado, dito santo pelos seguidores da famílias esquecida da pátria caduca.

17 de ago. de 2020

seu deus é meu demônio

 


a menina chora, eu choro, todos choramos, quase todos porque alguns de nós não choram, salivam, cegos pelo ódio cristão, crente, evilgélico, lei de talião cravada em versículos e salmos difamados pelo fervor do que é direito, moral e dos bons costumes.

a menina foi estuprada anos a fio pelo parente e não só por ele mas pela família, a menina foi estuprada de sua infância, de sua vida, de sua família, a menina foi estuprada em praça pública pelos seguidores de deus que só tem o diabo no coração ossudo, a menina foi estuprada pela moça dos invernos que acha certo expor a menina a mais um estupro porque um estupro só não é o suficiente para aplacar o ódio dos seguidores do messias e sua ministra guardião da família tarada brasileira.

a menina foi estuprada mais de uma vez, seguidas vezes. a menina estuprado pelos criminosos de cristo, INRI - Ignorantes Nacionais Revoltados Imbecis. a menina foi estuprada pelas mesmas mãos que bradam com a bíblia, cospem o vírus messiânico sobre nós, vomitam aleluia sobre cada inimigo tombado seja ele bixa, trans, queer, feminista, comunista, socialista, vermelho, preto, amarelo, seja quem for porque essa gente só enxerga cinza e tons de cinza, temem as cores mais do que o tinhoso em si porque cores são vivas, ofendem a moral e os costumes costurados na pele deles pelos pastores, padres e governo messiânico.

a menina foi estuprada e teria de ser mãe quando nem filha havia aprendido a ser, estava ainda estudando para isso e tinha de ser mãe e, se ela tem de ser mãe, sua mãe tem de ser mãe duas vezes e a menina tem de filha duas vezes e seu filho filho neto três vezes e a menina vira filha da mãe e mãe do filho e nem ela, nem a mãe sabem mais quem é quem porque tudo foi estuprado no altar do altíssimo porque a vida é sagrada ainda mais quando a vida vem para acabar com a vida, vida só presta para acabar, não pode ser redimida pela morte porque o bom cristão, o bom crente, só aceita a vida que não pode ser matada mas morrida.

a menina foi estuprada. nós fomos e somos estuprados todo dia, quando o messias caga para as mortes pandêmicas, quando os cristão e evilgélicos desejam queimar a carta magna para colocar as escrituras no lugar, deus escreve torto e pronto, não tem linha certa ou torta, deus tem péssima caligrafia, é um péssimo escritor, deveria tenta outra carreira e parar de estuprar a gente com seu povo que só estupra e mata em seu nome, deus deve ser surdo, cego e mudo e deus não está nem aí.

a menina foi estuprada e conseguiu abortar. nós seguimos sendo estuprados sem poder abortar.

13 de ago. de 2020

hoje não tem conto

 


hoje não tem conto.

porque tem imposto, tem taxa, tem ônus saído do ânus do messias, tem emolumentos, usura fascista.

hoje não tem conto.

porque o livro é caro, de apreço e de afeto, tem de ser por isso que eles querem sumir com ele do mapa, não pode ter nada mais amado que o messias. igual a outros antes dele mas ele tem de ser mais.

hoje não tem conto.

porque o vírus não deixa, não o vírus real, esse que está aí sem controle, esse é da natureza, existe por existir, cumpre sua função porque não conhece outro papel, é outro vírus, o da imbecilidade, da ignorância, do medo, do ódio, do poder que emana do ódio, do ódio que emana do poder, poder fazer que nos odiemos raiz, caule e folhas, esse vírus não aceita livro.

hoje não tem conto.

porque os copos não estão pela metade, de vazio, de cheio, os copos estão lá, em gargalos, foram esvaziados desde que o messias chegou, ele não quer copos cheios, quer copos vazios, corpos vazios, para encher com seu culto ao arrasado, ao nada, ao que a família desgarrada brasileira pede de bocas abertas. livro? jamais! livro faz mal, não use nem com moderação.

hoje não tem conto.

nem te conto, nem tem conto, não tem porque algumas vezes bate um desanimo, um fastio, um enfado de ter de repetescrever tudo isso porque eles não ouvem, tapam os ouvidos e lalalalalalala, só ouvem o que o messias berra, saliva, espuma, sem livro porque livro é coisa de esquerdocomuna, de bixa, de trixa, de gay, de trans, de queer, de preto, de mulher, de pobre, de gente que não é gente porque usa os livros, viu como fazem mal?

hoje não tem conto.

mas só hoje.

amanhã vai ter porque vai ser outro dia.

12 de ago. de 2020

Queimem fascistas, não livros!


Tenho preferido o blog onde o algoritmo face não reina absoluto e posso arengar o quanto quero e do jeito que desejar.

Mas preciso dizer algumas coisas, alguns não vão gostar e sei até quem são mas, sinceramente, estou me lixando para vocês mesmo porque não gostarão do que vão ler porque vai doer no nervo messiânico que cega tão belamente suas mentes e assim, aviso: se quiser seguir balindo para seu presidente, pare por aqui e nos poupe caso contrário, leia até o final (também peço que se for dos ofendidos tenha um pingo de decência e me exclua de seu convívio, não há nada que possamos sequer cogitar ter em comum).

Segue o 'governo' de terra arrasada do seu messias, alegre está por caminhar sobre os cadáveres de mais de cem mil mortos de uma pandemia que ele não causou mas sentou em cima em berço esplêndido feito criança birrenta, lambendo os dedos melados de sangue.
Sim a culpa é dele e sua também por acreditar nas mentiras dele, no remédio milagrento e no ódio que ele ministra feito maná para o gado que lhe lambe as botas. A culpa não é de ninguém além de todos vocês e essa conta chegará mais cedo ou mais tarde.

Como todo bom fascista, seu presidente persegue ferrenhamente a arte, a cultura e a educação porque são as únicas armas que nós temos para enfrentar vocês e são mais poderosas do que qualquer revolver de qualquer calibre que conheçam. Não é toa que jantou a cinemateca, desmontou a cultura e segue seu discurso de ideologia ufanista para limpar o país dos comunistas e esquerdistas porque fascista, meu bem, só tem um lado, o dele, só tem uma verdade, a dele e se você acredita nele então você também é um fascista porque se fala como um, anda como um, se comporta como um e age como um então você é um fascista! Aceite!

Agora seu presidente e seu ministro avançam sobre os livros porque livro é um perigo, faz as pessoas pensarem e eu sei do que falo porque além de ler sou escritor então, essa ameaça não recai apenas sobre a sociedade mas sobre todos que vivem da literatura, essa que vocês dizem não servir para nada, que é coisa de rico e de esquerdista sujo, vagabundo e desocupado.

Fascista não gosta de livro porque pensar é arma que deve ser liberada apenas para a elite dominante, pobre e outros não podem ler porque ler abre horizontes e fascistas não gostam de horizontes porque eles abrem a imaginação e um povo que imagina pode querer sonhar e se sonhar poder querer construir e se construir, pode derrubar o que está feito.
Livro é mesmo coisa de elite porque no Brasil, ler é pecado, é piada, é hobby e não demanda, não pode ser incentivado porque ler traz ao cérebro luz e uma mente iluminada não aceita trevas e o fascismo se alimenta delas.

Para o fascista, as mentes iletradas são terreno fértil para seu negacionismo e revisionismo porque mentes iletradas só publicam o que o regime lhes dita, não questionam, não argumentam e aceitam cegamente o que o presidente defeca nas lives e em cento e quarenta caracteres. Mentes iletradas são páginas em branco onde o fascismo escreve sua história, onde seu presidente firma a caneta dando a ideia para que vocês não tenham ideias que não sejam as dele.

Taxando os livros, seu presidente dá mais um passo para implantar seu reinado absoluto, cheio de ódio e gente que adora expressar seu preconceito de forma livre e irrestrita, sim, você mesmo, você faz isso e sabe muito bem que faz batendo no peito e gritando mito. Ao tornar os livros (ainda) mais caros, seu presidente aumenta o controle da elite que lambe seu rabo, essa mesma da qual você faz parte e que grita por jesus e deus para ungir o messias errado, sobre os únicos meios que a sociedade tem para lutar contra a barbárie.

Sabe o mais triste? É que vocês só se darão conta disso bem lá frente, quando este texto e outros iguais tiverem sido esquecidos no tempo da internet e for tarde demais para qualquer um de nós gritar EU AVISEI!

11 de ago. de 2020

a fobia nossa de cada dia

 


Marília acha graça ter boite LGBTQ.

Marília acha graça quem vai em boite gay.

Marília acha graça quem pega quem vai em boite gay.

Marília acha graça quem pega trans.

Marília acha graça quem pega mulher fake, homem fake, quem pega sem saber quem está pegando.

Marília acha graça e não comenta mas ri. Ri porque pode. Ri porque nunca precisou de um espaço seguro para expressar quem é, o sexo que deseja, o afeto que necessita.

Marília ri porque guei, trans e todes nós servimos pra isso, chacota, somos o engano do outro que vai culpar a bebida ou a curiosidade pela sexualidade e identidade que sangramos para viver.

Marília ri porque é engraçado um homem pegar uma não-mulher, uma quase-pessoa, uma imitação mas, quem é o fake nessa história toda? Quem causa o riso ou quem ri? Quem está fugindo de quem? Quem está fugindo do que?

Marília ri. Ri porque é engraçado ver homem pegando cópia quando tem tanto original por aí mas, quem é a cópia e quem é o original? Num mundo cheio de réplicas, quem é fiel a si mesmo é mais original do que quem é fiel a uma live, likes ou emojis.

Marília ri porque ela pode, sempre vai ter seus dentes alvos para rir, ninguém vai lhe tirar o sorriso a tapa, na porrada, ninguém vai lhe tirar lágrimas a troco de nada, ninguém vai rir da sua desgraça porque é uma desgraça verídica, não é a desgraça bixa inventada pela ditadura guei que de ditadura só tem o nome porque de regime nunca o será e se fosse, não seria preciso Marília rir.

Marília ri porque tem palhaços bixas para lhe fazer graça. Ria, Marília. Siga rindo. Estamos aqui para isso mesmo.


10 de ago. de 2020

reinaldo rocha melo

 


seu reinaldo nasceu em 1929, ano fatídico, ele veio ao mundo e o mundo estava acabando. não acabou e ele também não, ainda bem, senão quem tinha acabado antes de ser era eu.

seu reinaldo era de itapeva, interior de são paulo, família toda tem história lá, parece que até escola com nome de alguém tinha. nunca fui atrás, tenho vontade mas nunca fui, talvez depois da doença eu vá, buscar algum fio de história, vamos envelhecendo e pensando menos no futuro e mais em reconstruir o passado, meio que para lembrar dele quando chegar a hora ruim e poder fazer passar aquele filme que dizem passar.

seu reinaldo veio para a capital ainda novo pelo que sei, família era grande, ele ajudava a mãe na cozinha, tem até livro de receita que ela escreveu com 'ph' e outras grafias mortas e que ele herdou e que eu herdei mas não sei onde está porque a gente é assim, tratamos nossas memórias feito pó, varremos para todos os cantos até elas sumirem. ele me ensinou a cozinhar, era chato com as panelas, aprendi com ele a ser chato também não só com as panelas mas com um monte de coisa. ele cozinhava em casa, a mãe não se atrevia a por as mãos porque se o fizesse ele reclamava e ela também não era lá muito amiga da cozinha.

seu reinaldo gostava de aviões e me fez gostar deles também. enquanto as crianças tinham foto em parquinho, eu tinha foto em aeroclubes e aeroportos. enquanto as crianças tiravam fotos com bichinhos e outros, eu tirava foto com aviões. ele me ensinava os nomes e modelos, e me ajudava a montar aeromodelos, a paixão pelos aviões segue até hoje, avião pra mim é casa, dele não tenho medo algum, muito pelo contrário.

seu reinaldo tinha jeito com as palavras, acho que foi daí e somado ao hábito compulsivo da mãe por livros que virei escritor. ele adorava fazer jogos de palavras, aliterações e neologismos, sempre estava com alguma palavra cruzada, jornal ou algo assim nas mãos. adorava um tal de almanaque bertrand que era tipo um seleções português que ele e o pai dele liam com voracidade e eu acabei lendo também. o almanaque tinha textos que eu mal entendia mas tinha sempre vários enigmas pictográficos chamados rébus que eu adorava tentar decifrar.

seu reinaldo gostava de música, muito. ray conniff, paul mauriat, big bands, elis mas o que mais me lembra dele é um coral alemão chamado fischer-chöre, eu não entendia nada do que eles cantavam mas amava assim mesmo. ele também arranhava um violino e piano, a família dele toda era meio artista, tinha irmão organista, pintor e fotógrafo, a mãe dele pintava e o pai esculpia modelos e tinha por passatempo resolver problemas de matemática complexos. exceto pela matemática, o resto foi impregnado nos meu genes.

seu reinaldo não era santo também como todos os santos não o são por completo, ninguém nasce santo, chega a essa posição depois de ter falhado miseravelmente como gente. das falhas dele como gente não vou falar porque isso é lá entre ele e quem lhe fez os apontamentos delas e dos acertos quando ele foi ter com os juízes do além, veredito que jamais saberemos, podemos apenas adivinhar e torcer para que, em nosso momento, tenhamos juízes razoáveis e que se compadeçam de nossa condição mortal. talvez algum juiz que tenha processado nossos antepassados e possa fazer algum tipo de argumentação que pese a nosso favor, ou talvez seja melhor sermos julgados apenas pelos nossos pecados e não pelos dos nossos ancestrais.

seu reinaldo era um homem de histórias. muitas. eu lembro de uma ou outra, deveria colocar num livro, merece. a que mais lembro é a de zé brás, um galináceo comprado pela família dele ainda imberbe com o intuito de servir de ceia. o bicho chegou sem nome que nome a gente só põe em coisa que colocamos os olhos por um tempo, o que passa rápido segue pagão. uma vez nomeado, vira gente e o bicho cresceu e pegou afeto a todos e aí, quem tinha coragem de degolar para por na panela? nada. virou de casa e ele dizia que era brabo, partia para cima de qualquer desavisado que se atrevesse a entrar na casa.

seu reinaldo não está mais aqui. foi lá conversar com os anjos e quaisquer entidades que estejam para além de nosso entender.

seu reinaldo foi, é e será sempre meu pai e eu acho que nunca saberei ao certo como ser seu filho.

7 de ago. de 2020

feliz ano de novo

 
praia rua avenida campo casa terraço gourmet tudo cheio. de gente. de crentes. de olhos aflitos, tristemente felizes, alegremente vazios, perdidos nos ponteiros do relógio que matava o ano segundo a segundo, segundo dizem, o novo sempre vem, matar o velho, velho não presta, velho atrapalha, velho da trabalho, dá nojo, dá canseira, velho sós serve pra ser velho, velho não serve nem pra ser velho, velho é uma lembrança viva de que morremos todo dia um pouco mais, velho é o espelho vivo que não conseguimos fugir, velho é o novo moribundo.

relógio fala, anuncia que vai acabar, gente de branco, amarelo, vermelho, azul, marrom, preto, gente colorida, sem cor por dentro, arco-íris por fora, vestem a cor do desejo que não foi realizado para ver se o novo realiza, se não realizar, troca de cor que estava errada, como se cores tivessem poder, tivessem culpa das escolhas ruins, das merdas, cagadas, dos erros, das besteiras, da vida, cores são apenas cores, servem para deixar a vida menos sem graça, não são culpadas de nada, usamos as cores como expiação dos pecados que, na virada, serão renovados para o novo, tudo pode, de novo.

brindes, frases, promessas. a gente faz de conta, que vai ser, melhor, diferente, novo, pra cima, conquistas, vencer, amor, paz, saúde, dinheiro, harmonia, ar moninha, cheio de amônia. conforme o relógio vai chegando na cova do ano, a ansiedade certeza de que vamos sobreviver aumenta, palpável, podemos tocar, abraçar e chorando, pedir que tudo aquilo que não fizemos no velho, façamos quando entrar o novo, como se no primeiro tudo fosse magicamente engatar, engrenar e resolver, no segundo, notamos que ainda teremos trezentos e sessenta e quatro oportunidades de não ser, fazer, conquistar, viver.

chegou. deu hora. contagem regressiva e três e dois e um e...não virou. como assim? tem de virar! é novo! e o novo sempre vem! não dessa vez. não teve novo, não teve fogos, não teve música, não teve papel picado, confete ou serpentina. não teve beijo na boca, abraço e lágrima alegre pelo novo morto e velho vivo. o ano não veio, não virou, todos se olham sem entender nada, assustados, apavorados, um silêncio mortal, combate, retumbante se abate sobre todos, ninguém sabe, entende, onde errou? onde deu ruim? cadê esse novo que não veio?

ele não veio. disse que não, que cansou, que não dava mais. ficaríamos eternos no ano que nunca acabou, disse que a gente merecia aquela ano, que ele representava bem a nossa vida, se um ano pudesse falar, diria nosso nome, o velho não foi, se recusou porque tomou posse da gente, achou seus filhos, colocou sob suas asas e o novo, com pressa, disse que lamentava mas tinha pressa, o novo sempre tem, velho não, e foi embora deixando a gente com o velho, para sempre, mesmos dias, mesmos feriados, mesmo cotidiano e, quando chegasse trinta e um, estaríamos lá de novo para esperar o novo mas, ele disse que o ano só vai para frente, nunca para trás e ficaríamos para sempre celebrando o mesmo velho.

feliz ano novo de novo.

6 de ago. de 2020

descaso



quando bati aquela porta, a mesma que você abriu, antes, quando havia algo entre eu e você que não eram portas, janelas ou batentes, bati com força porque era para fechar, o que se abre tem de ser fechado, não pode ficar aberto ou entra tudo que é lixo, inútil, sem serviço, tralha, entulho. a vida da gente era, é, um amontoado de entulho, caçamba que ninguém vem esvaziar, somos rejeitos de demolição, nem reciclar presta.

olha aquela janela ali, fui eu que quebrei, aquela maçaneta ali, você que entortou, com seus dentes, com sua boca, de aço, inox, palha de aço, palha assada na morrinha dos dias que passamos destruindo tudo que era lar, nosso, lar, nosso lar, gado, largado, lar gado, curral, eu pastava, você ruminava, boi, boi boi, boi da cara sonsa, pega essa pessoa que tem medo de carinho.

aquela cristaleira, trincou, eu, você, trincamos, trinca de ases, de asnos, de aves, marias, madalenas, arrependidas, arre e pendidas cada uma para seu lado, não querendo dar fé do messias furado estirado no chão, em cruz, via a cruz, crucis, dolorosa, lacrimosa, hosana sem altura.

descaso esse, de quebrar tudo que desaprendemos a usar. descaso, des eu, des você, desatamos a chorar em nós que nunca seriam desfeitos. eu choro porque sinto, você sente porque chora, choramos porque esquecemos.

nessa matemática errada, a equação nunca tem soma, x, y ou z. eu abri os colchetes para você me fechar com chaves, era para multiplicar, feito o cristo com pães e peixes, judas, acabamos foi só dividindo.

5 de ago. de 2020

passa cartão?

cansado de levar calote
do amor
instalei maquineta
na primeira transação
deu não autorizado...

4 de ago. de 2020

o que é igual nem sempre é justo



Você, sim você mesmo que corrobora esse discurso de extrema direita seja dos vivos ou dos já despachados para o outro lado, antes de liberar minha verbohomorragia sobre seus argumentos fascistas, alguns esclarecimentos que entendo serem mais do que aplicáveis batendo na mesma tecla e sim, porque batendo na mesma tecla há que se achar por fim sua afinação e fazer calar o descalabro cacofônico que esse discurso ódio insiste em marcar em nossa carne tenra e homossexual, essa mesma que você não aceita ou entende mas não consegue tirar da boca sedenta de sangue rosa.

Homossexualismo é o caralho: não se usa mais, tente Homossexualidade já que desde meados dos anos 90 ser gay não é mais (nunca foi) doença e isso pela OMS e todo aparato médico e científico que se preza restando apenas conceitos morais e religiosos mais vagos que plenário em feriado prolongado.

Minoria: entende-se por minoria uma parcela de um grupo ou população que não faz parte ou comunga das regras e/ou conceitos e preceitos ditados ou praticados pela maior parte desse mesmo grupo/população o qual, via de regra, denomina-se maioria. Considerando-se esse conceito equitativo então não vejo como a parte pode ditar o comportamento do todo quando o inverso pode e geralmente é praticado.

Opção: melhor buscar outro termo, que tal orientação já que está mais próximo do que somos posto que assim viemos ao mundo sem qualquer tipo de interruptor que permita ligar/desligar quem atiça nossos hormônios.

Ditadura gay: sério? Vamos pensar um pouco, nesse tipo de regime de exceção certa parcela do grupo impõe às demais as regras e isso resumindo de forma muito branda um tema muito complexo e, extrapolando para nós gays, se implantarmos esse tipo de regime garanto que a sua vida seria algo muito melhor mas, me foge por completo agora qualquer caso onde uma dita minoria tão ferrenhamente perseguida e hostilizada ter condições de um golpe de estado tão elaborado.

Acho graça e tenho dó que, ao mesmo tempo que seja preciso se paramentar de teorias tão eugenistas disfarçadas de moralismo para embasar sua defesa de algo que é indefensável (e não digo que seja sua não aceitação ou entendimento de nosso 'modo de vida' já que posso entender que você não deseje ou consiga fazê-lo, tudo bem eu respeito como seu direito tanto quanto os que desejo para mim) mas, a discriminação velada de respeito ou justificativas pseudo-científicas chega a ser pior que a aberta e declarada, é o pior tipo de preconceito, o mais nefasto e mórbido pois come em silêncio e é porta certa para sorrateiramente formalizar e justificar ataques às minorias.

Outro detalhe importante e exposto acima, você que é hetero, caucasiano e goza das benesses da maioria pode achar graça ou mesmo um disparate esse discurso todo em cima de nossos direitos e como gasta-se muita saliva no tema enquanto propostas para melhorar a sua vida são deixadas de lado. Sua visão, sinto dizer, é por demais tacanha e limitada se assim pensa pois se há um único culpado pela penúria em que você alegadamente diz viver, esse culpado está no espelho mais próximo ao seu alcance e não no gay ao seu lado.

Para você a vida sempre foi mais simples ainda que você chore por mazelas que fariam um miserável corar. Você é a maioria, nunca precisou disfarçar nada além de algumas mentiras bestas aqui e acolá enquanto muitos de nós precisamos disfarçar a essência do que somos e sentimos, sabe o que é isso? Fingir ser o que não se é apenas para atender à maioria? As regras estavam e estão ao seu lado afinal você dita o que deve ser considerado como padrão forçando-nos a perseguir um ideal que não tem absolutamente nada a ver com nossas vidas. Assim, só posso sinceramente sentir pelo seu benefício social que é minguado ou pelas falhas do sistema que você, enquanto maioria, ajuda a manter onde e como está mas jamais venha esfregar na minha cara que os direitos que pleiteamos são o motivo pela situação em que você se encontra pois do pão que você sempre comeu temos nos alimentado há anos apenas das migalhas mofadas e inverter essa equação seria o mesmo que culpar os escravos e não o senhor pela situação em que se encontram.

Se desejamos estabelecer algum padrão esteja certo de que não é de comportamento ou modelo social já que tais modelos estão claramente falidos e foram implantados por você e sua maioria restando a nós apenas emular tais cenários e tentar como nos é possível reinventar essas convenções e isso, meu caro, assusta muito pois mostra a possibilidade da escolha independente de gênero ou orientação sexual e quando somos confrontados com as escolhas que poderíamos ter feito e não fizemos temos apenas o temor cego do desconhecido que é esse território. O único modelo que desejo implantar é o modelo onde eu possa ter os mesmos direitos que você e você pode retrucar que já temos esses direitos o que novamente sinto dizer é mentira deslavada pois enquanto eu não puder ser quem e como sou aberta e claramente, não às escusas ou longe dos olhos de todos, declarar meu amor e afeto de forma tão natural quanto o seu que prevalece há milênios em detrimento do meu legado às sombras, então não temos os mesmos direitos e há um abismo enorme entre nós o qual só faz aumentar com sua ignorância e medo.

Eu entendo seu temor e como amparar esse medo todo em teorias nefastas disfarçadas de intelectualidade lhe traz segurança e justificativa mas, se o intelecto serve ao bem com extrema facilidade (e na grande maioria dos casos como reza nossa História, tristemente) serve também ao mal e põe o lobo em sedas para que lhe toquemos a pele sem temer até que lhe vejamos os dentes e seja tarde demais para escapar ao bote.

Nesses casos, é mais fácil atacar a minoria que busca por seus direitos pixando sua luta como inconsequente e motivada a desviar o foco de outros pontos mais importantes e, de certa forma, concordo com você pois fomos jogados no olho da tormenta como bucha de canhão e de nós fizeram cavalo de batalha para expor apenas a bestialidade alheia, nada mais. Porém, que pensar de uma sociedade que não entende ou atende suas minorias? Seria melhor se os viados ficassem restritos a esquetes cômicos e pejorativos de televisão ou guetificados em áreas específicas? Mas, se fosse assim então não estaria você hoje ainda comprando e vendendo escravos no mercado municipal? Minoria boa é aquela que sabe comportar-se como tal, quando passamos a questionar e demandar de vocês maioria mais do que nos dão então somos o cão que morde a mão alimentadora só que o caminho, uma vez aberto, não tem volta, é fato!

Sei que você preferiria que nessa eleição outros assuntos tivessem vindo à baila para discussão e mais uma vez estou de acordo mas, prefiro pensar que se estamos discutindo ainda que porca e nojentamente assunto tão importante então estamos no caminho certo pois estamos discutindo não apenas os direitos que você sempre gozou e que nunca tivemos mas, penso, todo o conceito de sociedade que desejamos ser doravante e que será, tenho fé por seus filhos e os de todos nós, mais lá frente, um lugar menos agressivo e mais compreensivo para vivermos.

3 de ago. de 2020

o asfalto da cidade sou eu



cheguei em casa e as roupas saíram voando feito folhas fugindo no outono, essas folhas caem de mim mas voltam no dia seguinte não as mesmas mas outras, passadas, novas, frescas, cheirando amaciante e sabão em pó, as velhas vão no cesto cheirando suor, escapamento, descarga, cigarro, morrinha e vida que morre dia a dia entre os prédios famintos. a gente lava tá novo, de novo, mas o cheiro da cidade segue nelas entre as fibras sintéticas, gente sintética, vida sintética, que não amassa e nem precisa passar, passado é coisa inútil, deixa sem passar.

vou pro banho, ligo chuveiro e deixo a água esquentar, nos dias mais frios tem de apertar a registro como se torturasse um preso político ou ele não solta a água quente, ficamos nessa negociação, eu aperto ele solta água, eu afrouxo ele solta água fria, vamos nessa até acertarmos o passo e ele para de reclamar, o ponto entre meu prazer na tortura e o dele em sentir dor.

olho o espelho, só olho porque dizer que tem algo do outro lado me olhando de volta é mentira, mentira é aquilo que a gente fala pros outros pra eles nos deixarem em paz e pra nós pra gente poder dormir em paz, uns comprimidos ajudam, hoje em dia a paz é vendida na farmácia, só comprar.

entro no chuveiro, água está boa, pego o sabonete e começo a me esfregar, o registro calado, isso mesmo, se reclamar aperto mais que sei que gosta. esfrega, aqui e ali, tira do corpo aquele cheiro de cidade, aquele cheiro de gente que não tem gente e conforme vai formando a espuma, ela fica escura, cinza, parece fuligem. esfrego mais, com força, igual a mãe esfregava quando vinha da rua como vindo de alguma guerra, ela sem entender como alguém podia ficar tão imundo, a sujeira é a vida dos santos, quem se limpa é doente, sujos somos mais puros, mais claros, mais gente mas, desde cedo somos feitos pra limpar tudo, alvos, taca sabão, taca xampu, taca cheiro pra tirar o cheiro, gente não cheira gente.

mais espuma, mais cinza, parece piche, começa a grudar, a água não dá conta de remover, esfrego mais forte, tem de sair mas só aumenta, gruda ainda mais e o registro não faz nada, só deixa a água cair. dou risada chorando, ou choro rindo, faz é tempo que não sei mais a diferença ou se faço um ou outro ou os dois juntos. esfrego com vontade, igual aquela vez que gozei e não sabia gozar, me senti sujo e quasse arranquei o pau fora de tanto querer limpar.

tem se sair, tem de limpar, tem de ficar alvo e branco, puro, santificado, esfrega mais que sai, sai mais fuligem e sou agora um borrão cinza dentro do chuveiro, rindo chorando, espuma escura que vai escoando pelo ralo e sigo esfregando, esfregando, esfregando, esfregando, esfregando, mais cinza, piche breu escuro ralo água espuma.

já não sou mais eu. esfreguei até deixar de ser, virei um líquido cinza, uma espuma escura que vazou pelo ralo e foi pelo encanamento junto com outras espumas que gritam pelos canos da cidade, nos esfregamos até deixar de existir, até sermos essa massa líquida de breu que grita, que bufa, que geme e que não sabe de mais nada, pelos canos da cidade desaguamos, vertemos e somos misturados ao caldo primordial que pulsa pelas vias da cidade, basáltico, escuro, grudado no chão e que não sente nada a não ser o passar dos carros.

assentado, sinto o peso da vida urbana passar sobre mim, sobre nós, sobre a gente que se esfregou e está aqui, agora, sentido cócegas com o pneus a passarem por cima de nós, olho pra cima e tem o céu, o céu é um asfalto também só que azul, dos anjos, no céu não tem carro, todos voam então o asfalto celeste olha pra baixo porque não tem utilidade e chamamos de céu. somos o asfalto de deus, a via dos anjos.

deitado, eu asfalto da cidade, olho para o firmamento.

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...