5 de fev. de 2020

A homofobia nossa de cada dia

Imagino que todos estejam a par do crime que vitimou uma família no ABC Paulista recentemente, detalhes aqui.

Logo de cara, a filha do casal e sua namorada e/ou esposa foram presas como principais suspeitas e, pelo andar da carruagem, serão realmente indiciadas pelo crime que, até onde se sabe, foi cometido num misto de ganância, amor tóxico, relacionamento abusivo e sabe-se lá mais o que.

Não cabe a mim ou a ninguém fazer julgamento ou entender porque crime tão bárbaro - leia os detalhes na matéria no link acima - foi cometido e reduzir a um simples caso de homofobia já que, aparentemente, o pai não aceitava a orientação sexual da filha ou seu relacionamento com a namorada-esposa. Seria uma dedução simplista e tendenciosa para explicar algo que muito provavelmente tem raízes muito mais profundas.

O que mais me choca e preocupa são os comentários na matéria em questão e em outros lugares apontando a orientação sexual como causadora do crime numa profusão de 'opção sexual', 'homossexualismo' e toda gama de termos que a sociedade pensa saber usar com maestria nesses momentos.

Outros tantos, conservadores convictos, já bradam onde estaria a esquerda, a Lei Maria da Penha para essas moças? Logo vão aparecer dizendo que elas foram vítimas de homofobia e que se fosse o contrário, estariam já de punhos em riste clamando por justiça. E, para coroar tudo, alguns comentando que tal crime apenas comprova o desejo gay de acabar com a família, que se fossem pessoas 'normais' isso não aconteceria como se a orientação sexual fosse responsável por desvios de caráter ou sociopatia.

Em ocasiões como estas, em que crimes são cometidos por LGBTQs, a sociedade normativa que já tolera a contragosto gays, vê-se no direito absoluto de apontar a 'sexualidade deviante' como causa prima do crime afinal, gays não prezam pela família, são devassos, não tem religião, são pecadores e pessoas sem qualquer senso moral ou decência e, nos dias de hoje, numa lógica reversa bizarra, dizem que gays sempre usarão a homofobia como justificativa para um ato de violência que porventura venham a praticar o que é sim um ato de extrema homofobia.

Quando a violência é cometida por um membro da maioria normativa os brados por justiça são altos sem dúvida mas, quando o quesito LGBTQ é adicionado ao caso já passamos para o nível de queimar na fogueira afinal são pessoas com graves desvios de personalidade e sexuais. Essa associação faz todo sentido numa sociedade que ainda encara pessoas LGBTQ como ameaça ao status quo não por serem concretamente isso mas por representarem uma parcela da população que não aceita mais ser invisível e que está demandando respeito e visibilidade o que assusta a maioria.

É mais fácil aceitar que pedófilos e criminosos sejam gays porque já lhes é inerente um desvio do que aceitar que a orientação sexual não é fator determinante para moldar um criminoso mas pode, quando confrontada com preconceito, ódio, desprezo e humilhação, ajudar a formar essa personalidade torta juntado-se a outros problemas ou patologias não identificadas ou tratadas.

Como o crime foi cometido por duas pessoas LGBTQ, ocorre essa inversão de valores em que se passa a julgar o crime não pelo ato em si mas pela sexualidade da pessoa quando, no caso de um hétero ter cometido o mesmo crime, a sexualidade sequer seria mencionada como fator para o crime.

Quando héteros cometem crimes tão ou até mais horrendos contra pessoas LGBTQ os comentários não apontam a heterossexualidade como fator determinante para o crime, muito pelo contrário, a culpa é das bixas que não se dão ao respeito e novamente a culpa é de quem não tem a orientação sexual ou identidade de gênero normativa o que nos faz bater recordes de assassinatos de pessoas LGBTQ a cada ano.

Como se não bastasse isso, a cadeia de comentários pedindo PENA DE MORTE é impressionante, fico pensando se estas pessoas que pedem tal mecanismo tem a ciência de que num país como o nosso, com uma polícia inepta e despreparada, um sistema judiciário podre e onde fala a lei do dinheiro, a pena capital serviria apenas contra pobres, bixas, negros e qualquer outra minoria e até mesmo contra essas mesmas pessoas que a pedem pois uma vez implantada, não haverá distinção entre quem é bandido e quem é mocinho e, quando for ver, será tarde demais para voltar atrás.

A antesala de tudo isso é o preconceito enraizado e estrutural que vivemos dia a dia no país e que, infelizmente, com o atual governo, não arrefecerá já que ele passa o pano para racistas, homofóbicos e outros mais.

Enquanto essa parcela da sociedade - e nós mesmos - não entender que nossas 'diferenças' devem nos unir ao invés de nos separar estaremos eternamente a merce de fascistas e de comentários como esses nas matérias sobre esse crime terrível, julgando pessoas não pelos seus atos mas por suas individualidades e seguiremos numa sociedade onde sua inocência será ditada pela cor de sua pele, aparência, poder aquisitivo, moradia, orientação sexual ou identidade de gênero.

O horror nosso de cada dia.

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