Como esfacelar uma sociedade?
Muitas maneiras, oras!
Primeiro se elege um asno conservador que não sabe patavinas sobre como gerir um país mas tem o apoio das elites socio-econômicas cansadas de dar passagem aos pobres, pretos, bixas, mulheres, nordestinos e tudo mais que não fala parte de sua casta.
Some um discurso teocrático voltado para os neopentecostais e cristãos TFP, uma certa dose de autoritarismo e intolerância, valores conservadores, ufanismo exacerbado, pátria amada, eles contra nós e falocentrismo.
Depois, comece lentamente a testar os limites dessa sociedade através de factóides, frases, atos, ataques a imprensa, fake news, destempero emocional, violência verbal. Veja até onde a sociedade engole algumas coisas e rejeita outras.
Enquanto isso, vá desmontando gradativamente a cultura, educação e impondo uma censura velada. Acena com melhoras na economia e com números que comprovem isso tirados de sua cartola mágica neoliberal e critique quem está torcendo contra o país.
Por fim, peça ao seu ministro da economia que deixe claro para quem vocês estão governando, dólar alto não é problema, é solução afinal para os ricos isso significa mais dinheiro, no máximo terão de trocar as férias na Europa ou nos EUA por algum resort no nordeste ou algum projeto de país sul-americano, talvez um safari na África ou um pulo em Cancun. Aquela SUV do ano terá de ser trocada por uma semi-nova e a festa de quinze anos terá de ser feita naquela balada já meio decadente e não no clube da moda e a champanhe terá de ser algo mais barato e não aquela importada.
Mas tudo bem! Vale o sacrifício!
Só de saber que a empregada, o motorista, o porteiro, a manicure, seus filhos e filhas não estarão entupindo as filas de check-in nos aeroportos atrapalhando o acesso da Business Premiu First Platinum Gold, já vale esses pequenos sacrifícios.
Só de não topar com esse povo na Disney, em NYC, Miami, Londres, Chile ou Paris já vale fazer esses pequenos cortes no estilo de vida. Só de não ver os filhos e filhas deles na mesma universidade que os seus dá gosto ter de cortar alguns dólares do orçamento doméstico já tão apertado.
Não ver esse povo comprando carro então, vale qualquer coisa, para isso tem ônibus e metrô, gente! E ver esse povo indo ao shopping? Como se tivessem condições de gastar por lá onde madames levam seus cães de vários salários mínimos passear junto com as babás que estão pra por a mão no diploma, quem vai cuidar das crianças e levar o totó pra passear nos dias de chuva?
Por mim o dólar podia estar até em cinco reais! Não me importo desde que esse povo pare de ocupar esses espaços que nos pertence, pagamos impostos, fazemos doações, ajudamos tanto, qual o problema deles em ficar no seu canto, onde tudo faz mais sentido? Eles não tem condições de entender este lado aqui, as diferenças entre os tipos de café, de pães artesanais, dos diferentes tipos de tecido, as fragrâncias finas que exalamos, não sabem se comportar num avião, num táxi, num Uber, não sabem como ir a um museu aliás nem precisam, lá onde moram tem tudo que precisam, não?
Onde já se viu irem pra Disney? Nem português falam direito, que dirá inglês! Para viajar ao exterior tem de saber se portar, se vestir, falar, andar, representar o país lá fora, não pode ser qualquer um não! Vá lá, uma vez na vida, um sonho realizado, um desejo, uma doação feita por algum desses programas que realizam sonhos, tudo bem! UMA VEZ, mais que isso é desnecessário, gente!
Como esse pessoal pode fazer um check-in, um bag drop, pedir um upgrade, conhecer os rewards do programa de milhagem? Como podem saber o que é late check-in, early check-out? Se quer devem saber o que é um single room, nem mesmo um boarding pass. Nem sabem pronunciar as marcas do Duty Free!
Por isso o ministro está certo, tem de deixar esse dólar alto mesmos porque essas coisas devem ser apenas para quem tem condições de usá-las, de entender como usar, não pode ser pra qualquer um.
Ou isso ou então aqui é a Disney e somos todos Pateta.
14 de fev. de 2020
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