30 de nov. de 2020
prato feito
10 de nov. de 2020
reminiscências
Frio, e as flores tem medo de algo que não dizer o que é, de certo não queriam estar ali mas nos campos sendo colhidas pelos ventos ou tocadas pelos outros, ali tentavam porcamente emprestar um ar menos nefando ao lugar. Não chorava, murmurava algo como em um mantra e os que me me falavam vinham em línguas, não percebia bem o que me queriam dizer, um afago? Pesar? Aquelas frases mais mortas que o lugar e o motivo de estarmos ali, mantrava algo que eu não sabia mas que lá dentro de mim era eu te amo, soube assim que pus olhos em sua face deitada coberta por um fino pedaço dee açúcar provavelmente tecido pelos anos que dedicamos a nós até que nós dividiu em dois e fomos cada um ser o que nunca seriamos de novo.
Reabrir assim a ferida que ainda tinha uma casca fina era crueldade demais, ia culpá-lo mas de que adiantaria? Eu mesmo arrancava a casca quando ela começava a engrossar só para lamber o sangue que escorria dela fechando o olhos, lembrar de sua boca na carne e eu sou culpado mas me absolvo pois antes de sua viagem que não se adia, havíamos trocado minúsculas confidências que amenizaram os dias encalhados na garganta um do outro.
Quando lhe fecharam, não vi mais seu rosto mas ele ainda me seguiria porque nunca se esquece um rosto quando o rosto não tem face mas entranhas, coração, ares, embrenha até nos genes e nunca mais sai de você salvo com a hora certeira, talvez nem assim...
Ido a terra, só me restou passar os dias, fazer deles semanas, convertê-las em meses e estes, somá-los aos anos até que virasse lenda e finalmente, mito. O tempo foi comendo cada pedaço de mim com generosidade, como se guardasse para o final a melhor parte, degustando cada migalha minha com gosto, lambendo os beiços e dizendo que não queria mais apenas para repetir o prato ano após ano.
Só que ele se deu mal porque já me devorara tudo, sobrando apenas os ossos para palitar os dentes, deu com os dentes eternos em algo tão rígido que lhe trincou a mandíbula secular e, arisco, afastou-se, era aquele pequeno pedaço que era eu e você e que ele sabia lhe ser impossível devorar.
Ri alto, na cara dele, isso você não leva e estava encerrando meus momentos, buscando automático a última lufada de ar para manter funcionando o que restava, me apegando a tudo quando não precisava de nada, trôpego para ganhar segundos que fossem e ela já ao meu lado olhando pacientemente o relógio, esperando, não dizendo nada, sabia que a hora era dela, bastava aguardar....e então quando entrou um jovem que ali cuidava dos que estavam por ir, ele debruçou-se sobre mim, um ar jovial e calmante, uma paz que eu nunca provara antes...e ele me olhou nos olhos, bem fundo, tão fundo que os senti na alma que já ia me escapando e dela veio o alerta.
Ele segurou minha mão docemente, terna e docemente, pousou seus lábios de pluma sobre minha testa e nos olhos dele vi que era você, tinha vindo de novo e agora tão somente para me dar aquele último afago, sorri infantil e olhei para ela ao meu lado que me acenou, retribuí e olhando de volta para ti, me deixei ir certo de que num próximo encontro o desencontro seria menor.
9 de nov. de 2020
polos
A gente sai comemorando a derrota do déspota americano e esperançoso de que em 2022 nos livremos do nosso, fazemos memes, piadas, gritamos palavras de ordem e sentimos finalmente uma lufada de brisa de esperança como se nunca tivéssemos respirado isso antes.
Não estou criticando, acho que deve sim ser comemorado o fato de uma potência mundial ter eleito um presidente que, até onde se sabe, tem a cabeça no lugar e não é um pequeno ditador disfarçado de democracia. O que mais me preocupa e entristece (e me coloco no saco junto com o resto da farinha) é como estamos perdendo a passos largos a capacidade de diálogo, de debate, de conversar, de ouvir, de analisar, entender e compreender uns aos outros.
Longe de mim defender os que discursam pelo ódio, preconceito, intolerância e que merecem sim uma mordaça tanto física quanto moral por tais barbaridades mas, estamos nos cancelando numa velocidade tão insana que deixamos de lado a razão, a compreensão e a abertura para o diálogo e debate e que são características que nos tornam humanos por excelência. Abolimos o que pensa diferente de nós e preferimos debater apenas com as ideias que são parecidas ou alinhadas com as nossas, qual o ganho disso? Estamos pregando para convertidos, para nosso pequeno séquito, somos pastores de nós mesmos e onde está o crescimento nisso?
Reforço que não defendo o diálogo com pessoas que aberta e claramente flertam com ideias fascistas e que disseminam o ódio e a violência, com gente assim não há diálogo possível mas estamos fechando tanto a abertura que praticamente nada consegue passar e isso é um risco iminente para a estagnação, nenhuma ideologia ou grupo de ideias sobrevive muito tempo sem arestas, sem contestação, sem algo ou alguém que provoque reflexões profundas e até desconfortáveis mas, no século dos extremos que vivemos, estamos todos agindo como absolutistas, ou você está comigo ou está contra mim e achamos que temos toda a razão.
Perdemos a arte do diálogo entre mensagens de whats e postagens nas redes sociais, não sabemos mais conversar com outras pessoas se elas pensam diferentemente de nós, tem outros valores ou ideais, não importa de qual lado estejamos, passamos a encarar o outro com desdém e com raiva, como inimigo mortal e quando ele abre a boca tapamos os ouvidos porque nada do que ele possa dizer vale a pena ser ouvido ou debatido, somos reféns de nós mesmos e de nossas convicções.
Então, quando qualquer assunto esquenta e necessita de mais diálogo e conversa, não fazemos isso, partimos ao ataque e humilhação do outro, do ponto de vista do outro, ele é o mal, o erro, a caixa fora do tom, a nota fora do ritmo mas, se todos tocamos a mesma nota, que música estamos fazendo? Nunca a frase 'o inferno são os outros' me pareceu tão real, enxergamos o outro como a palavra do mal encarnada incapazes de sequer tentar entender a visão de mundo que o permeia e compele, que carrega, que foi imbuída em si e não há engano, todo excesso é nocivo, não importa de que lado venha, o excesso mata não apenas o corpo mas a mente e a sociedade e vivemos há um bom tempo no excesso do excesso sendo a arena política a principal onde jogamos todas as nossas angústias, frustrações, medos, raivas e paixões desenfreadas.
A polarização política foi o estopim para outras que dormiam sob fogo brando, nela pudemos colocar toda a nossa raiva do outro, uns nos outros pelos simples fato de pensarmos diferente, não concordarmos, maximizamos as diferenças porque elas nos fazem sentir vivos e dão menos trabalho do que tentar ouvir, conversar e dialogar, mais fácil atacar, cancelar, exilar e expulsar e ter a vida em grupos que nos aceitam e sempre dizem que estamos certos.
Não evoluímos como espécie assim muito pelo contrário, todas vezes que nos deixamos levar por esse tipo de comportamento a desgraça se abateu sobre nós implacável mas, parece que pouco aprendemos e seguimos insistindo nos mesmos erros, eu incluso. Parece que nos tornamos pequenas bolhas de sabão flutuando e que, ao esbarrar umas nas outras, ao invés de nos fundirmos em outra maior, simplesmente explodimos e deixamos de existir.
Seguindo assim, seremos uma raça polarizada realmente com dois grupos distintos vivendo em pólos distantes, incomunicáveis e que se odeiam no melhor estilo 1984.
Orwell estava certo.
4 de nov. de 2020
ainda há algo para ser sentido
3 de nov. de 2020
o luto, esse amigo
lembranças aleatórias não relacionadas com a infância
Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...
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Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...
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eu não, eu não e você eu sim, eu sim. essa dicotomia foi se arrastando pra dentro de nós com o tempo, matando aos poucos, pressionando se...
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seis horas, ave maria, rosário na mão para entrar no vagão cheio. vai com a turba, vai fundo, não tem volta, apenas vai. seis horas, ave...