9 de mar. de 2012

tempo perdido


Este sou eu e eu me lembro de quase tudo.



Se a vida fosse uma URL, aonde ela o levaria? Somos apenas álbuns de fotos cujas fotos foram tiradas em filme e o tempo vai, aos poucos, comendo as cores pelas beiradas deixando tudo em escalas de cinza até que finalmente, um dia, haverá a ausência total de cor.

Nossas mentes são seletivas e talvez isso seja bom pois o acúmulo dos anos traria a insanidade aliado a quantidade absurda de lembranças ainda que ínfimas que carregaríamos dentro de nós. Mesmo assim, um aroma, um gosto, um lugar, uma frase, coisas assim meio sem sentido são plenamente capazes de nos remeter a tempos passados há muito e, por vezes, trazer aos olhos as lágrimas mostrando que esse acúmulo é histórico e só não é histérico porque, inconscientemente, armazenamos tudo que nos chega pelos cinco sentidos (e fora deles) guardando, como disse, selecionando, apenas o que realmente deve ser guardado para acesso imediato quando preciso.

Olhe para trás e tente imaginar quantos caminhos não foram trilhados, quantas escolhas foram feitas e quantas não foram, como poderia ser em cada momento que foi/não foi realizado, provado. Talvez o resultado final acabe sendo sempre o mesmo ainda que outras realidades resultantes de outros passos dados pudessem trazer a vida outros cenários.

Ver minha vida como resultado da de outros, as nossas vidas não são, na verdade, nossas, eram de nossos pais até o momento em que viemos ao mundo e então, numa simbiose nefasta, tiramos deles, que sorriem enquanto o fazemos, a vida que será nossa e talvez esse caminho não seja assim tão árduo quanto o fazemos se pensarmos que depois disso, de extirparmos de nossos pais a vida, muitos de nós terão as suas removidas em cirurgia pelos filhos que virão ou pelos amigos, família escolhida, escoltada por nós pela vida afora, esse amalgama de nós mesmos que vai se moldando enquanto os anos vão gastando nossas tintas.

Temos essa ideia falsa de identidade mas, no fundo, vejo a mim como uma réplica melhorada, na medida do possível, de meus pais, mimetismo singular, vejo/faço. Esse óleo invisível liga a nós e a eles e aos que cruzam nosso caminho, não há mesmo um eu e se houver talvez seja apenas nos ossos e quando a terra lambe os beiços depois de nos devorar de volta. Isso não é ruim, esse não ser, acho que é bom enquanto sabemos usar essa bagagem toda que vamos guardando vida afora e, no final, o que conta mesmo não são as marcas materiais que deixamos mas as pessoas que tivemos em nossas vidas e as vidas que tivemos parte tanto para o bem como para o mal, há que se acertar o preço da parte má quando cobrado ainda que a contragosto.

Como o sonho dentro do sonho dentro do sonho, acordamos dia a dia tentando achar a saída mas ela apenas dá em outro sonho e esquecemos de que o sonho em si é bom e que nos move adiante, para aquele lugar, lá, onde tudo deve ser melhor, acordar é fechar os olhos para isso, preferir não ir adiante e escolher o mais fácil e simples do que o mais trabalhoso e árduo mas que trará a recompensa final que costumamos chamar felicidade.

Não sei, há fotos antigas onde vejo meus pais sorrindo, em poses imortais de um momento que me foge o significado e que talvez não guarde significado algum. Há ainda fotos com amigos e pessoas que nem mesmo aqui estão mais e num ímpeto desespero tento relembrar do que sentia naquele momento, às vezes sei, muitas vezes não me lembro. Penso se as fotos antigas, de antes de mim ou de quando eu não conseguia guardar lembranças, são invenções, manipulações de um passado que não e meu, é dos meus pais mas isso pode não ser verdade uma vez que, como disse, eu mesmo não me recordo das fotos que eu mesmo tirei ou em que estava então, como saber o que é mesmo minha memória ou de outros?

Gostaria que a vida fosse uma sequencia de fotos sem fim e que, ao final, pudéssemos rever cada uma delas para saborear novamente momentos que foram tão ternos que pareceram ter durado décadas e outros tão efêmeros que podemos duvidar de sua existência. O tempo vai passar e assim como meu velho pai está hoje vivendo de lembranças embaralhadas, plantadas em cada ruga de seu rosto senil, eu mesmo irei embaralhar as minhas e talvez às dele sem saber de quem são ao final.

Não me assusta envelhecer, até me atrai, me adoça a boca e o passar dos dias deixa um gosto de tudo ter tido sentido, propósito, razão. Quero envelhecer podendo ver as minhas fotos com carinho, ainda que não saiba se fui eu ou outros que as tiraram, só me assusta e muito perder a referência de quem são as pessoas nas fotos, esquecer ou não mais lembrar e há uma diferença grande entre as duas coisas.

Quero estar ali, com minhas rugas e o meu amado ao meu lado e ainda ser capaz de olhar para ele e para mim e para nossos álbuns e ser capaz de ligar uma coisa a outra pois mais do que morrer, que não me é assustador pois todo livro tem de ter um final, me apavora ter o amor ao meu lado e ser incapaz de reconhecer que ele esteve lá por anos, pela vida toda, sempre e temer a morte não por ela em si mas por ter passado uma vida sozinho.

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...