27 de abr. de 2011
stigmata
Não sou religioso, também não sou ateu, creio mesmo que exista algo além disto tudo mas se é um velho de barbas longas e alvas, um gordinho sentado sobre moedas, um mutante de cabeça animal e diversos braços ou entes etéreos deixo aos que seguem filosofias e ritos discutir e chegar a um consenso (impossível e assim, quem afinal herda o reino dos céus?).
Agnóstico é a palavra mas não me tomem por um teísta antes um deísta. De qualquer forma, como tantos aqui, fui criado dentro do catolicismo não intencionalmente mas por comportamento condicionado o qual não vou passar adiante, deo gratias. Em casa, meus pais mesmo nunca foram dos mais religiosos, lembro de ter ido a missa algumas vezes, fui batizado e fiz a primeira comunhão mas nunca houve por lá um fervor assim religioso sendo que, pelo que me lembro, Ele e os santos só eram invocados, como todos em geral fazemos, nas horas de aperto o que não funciona pois é fácil só lembrar deles nessas ocasiões e deixar de lado nas demais.
Enfim, nunca me foi cobrada uma postura religiosa, eu poderia ser macumbeiro ou qualquer outra coisa que meus pais não se importavam se eu estivesse feliz. Os dois eram, na verdade, bem cultos e esclarecidos e acho que só fiz primeira comunhão para aplacar os avós que não queriam ver o neto bater na porta do infeno (ledo engano, sou viado e é pra lá que vou mesmo). O fato deles recorrerem ao terço nos momentos espinhosos não depõe contra sua erudição pois eu mesmo, programado, não tem jeito, me pego no sinal da cruz e de mãos entrelaçadas quando nada mais parece dar jeito no que está sem jeito pra dar.
Mas algumas coisas desse tempo saltaram de volta quando li este post de Bratz. Apesar de não sermos ratos de sacristia, lembro de irmos sempre às festas santas e, na páscoa, na igreja do bairro (onde me sagrei a INRI ainda tenro numa pedofilia sacra e assim perdoada) havia uma procissão linda e as imagens vieram tão vívidas e em cores que me vi nela ainda menino.
A profusão de velas embaladas por aqueles invólucros de papel para conter a cera quente, as pessoas entoando cânticos sem fim e a imagem de Jesus morto vagando pelas ruas num cortejo mórbido, saído de um filme de horror. Mas havia uma mágica, talvez pelo fato de estarmos todos juntos e até eu a conduzir uma vela, encantado pelo fogo que, naquela idade, ainda não tinha certo se era algo físico ou do além. O percurso não era curto incluindo algumas ladeiras mas todos íamos cantando, à noite e aquilo me iluminava não importa que a representação de tudo seja questionável e que a doutrina que rege tudo isso seja ainda mais direita num banco de réus que pregando aos ventos. Isso de lado, havia sim algo simples e encantador.
Haviam também as quermesses na época certa e lá íamos todos atrás dos jogos, comidas e petiscos. Frequentávamos sempre uma que era realizada na Igreja do Calvário, ali no cruzamento da Cardeal Arcoverde com a Schaumann. Lembro de irmos primeiro à missa e depois de aliviados de nossos malefícios, podíamos encher a bolsa de pecados na jogatina e comilança. Foi ali que tomei a paixão pela ficção científica e HQs quando ganhei na pescaria uma HQ chamada 'Dani Futuro' sobre um garoto que sofre um acidente de avião no Ártico e fica congelado por centenas de anos sendo desperto num futuro apocalíptico (pode soar clichê mas na mente de um garoto isso fez uma revolução).
Essas são as associações que faço quando me lembro de festas santas e sou grato por isso, penso que fosse o oposto e houvesse mesmo esse fardo de credulidade cega em minhas memórias, as mesmas não existiriam e se houvessem estariam soterradas sobre toneladas de material de terapia. Não havia isso em casa, ironicamente, graças a Ele. Na verdade, uma lembrança diluída, quase um vapor veio junto com as demais.
Anos depois de ir com meus pais à procissão que cito acima, eu já adolescente não queria mais ir à mesma muito menos ir com meus pais onde fosse. Mas, por essa época, eu e um colega do ginásio (encaixe você isso no sistema de ensino atual) tínhamos um caso, coisa de meninos novos, nem sabíamos dar nome a coisas como boquete e punheta mas isso é para outro post, prometo.
Ele era bastante religioso, família lusa de fábrica, Ele acima de tudo e íamos a missa às vezes, eu para ficar com ele e ele para pedir perdão pelo pecado de estar fazendo coisa feia com outro menino. Enfim, fomos à procissão de páscoa, só eu e ele, acendemos nossas velas e seguimos com a comitiva, entoando de forma displicente os hinos e mais satisfeitos de estarmos juntos ali mesmo que para ele houvesse o preço de sua alma a pagar e para mim houvesse o preço do desejo a pulsar, era uma paixãozinha sim, sei hoje mas lá nem sabia, nem sonhava ou delineava.
Lá ia o Cristo deitado, furado, sangrando e, nesse meio tempo, entre um estigma e outro, nossas mãos se uniram, olhamos assustados mas acho que J. Cristo nos olhava pois a noite ia escura e as velas mal podiam mostrar o asfalto sob nós e ninguém viu nossas mãos em reza comunitária.Depois de um tempo, acho nem mais entoávamos os cânticos mas falávamos inaudíveis um para o outro algo que hoje seria de certo um eu te amo.
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lembranças aleatórias não relacionadas com a infância
Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...
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seis horas, ave maria, rosário na mão para entrar no vagão cheio. vai com a turba, vai fundo, não tem volta, apenas vai. seis horas, ave...
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eu não, eu não e você eu sim, eu sim. essa dicotomia foi se arrastando pra dentro de nós com o tempo, matando aos poucos, pressionando se...
Belo, aliás, belíssimo post... e essa trilha foi matadora!
ResponderExcluire eu acho mesmo, vc e seu marido deveriam vir nos visitar aqui em BH. lugar pra ficar não falta!
ResponderExcluirRodrigo: obrigado
ResponderExcluirFox²: queremos muito ir, estamos em planos...
eu acho que antes havia um comprometimento maior com a fé e depois que ela virou um comércio descarado a coisa que já nao era boa coisa se perdeu!
ResponderExcluirbeijos
nunca participei desses eventos, por isso sou meio insensível a eles.
ResponderExcluirSempre tive tesão por padres, mas nunca gostei de missa. Bobo eu... poderia ter aproveitado mais, e desde pequeno.
ResponderExcluirSabes bem que nunca fui religioso. Não em faz falta e quem sabe se um dia me fará. Em tempo, Broken Heart é meu Spiritualized favorito.
ResponderExcluirAi que post bonito.. q doce... Bem.. Terei de fazer meu relato tb... Que é bem próximo do seu, inclusive acreditamos em Deus da mesma forma e proporção...
ResponderExcluirEu, assim como vc, nunca tive uma cobrança religiosa muito grande por parte do meu nucleo familiar .. Que era basicamente eu e minha mãe... Minha familia paterna era muito católica e a materna tb... Estudei em escola de padres e cogitei inclusive a possibilidade de ser padre durante uma época....
Todavia minha experiencia com o catolicismo n daria enredo prum filme do Almodovar, no máximo para um clip do Padre Fábio de Melo... Os padres da minha infancia n eram pedófilos, pelo menos n foram comigo.... Lembro de padre Geraldo, Padre cirio.. O fofo do padre marreco que dava chocolate e bala pra gente na hora do intervalo, com a cabeça branquinha como algodão....
Tirando toda filosofia babaca que fui obrigado a digerir que com certeza faz de mim, ainda hj, menos homem do que poderia ser a minha experiencia com catolicismo é positiva e acho a tradição católica belíssima.. Os rituais e tudo mais... Infinitamente melhor que a evangélica, por exemplo...
Na igreja da rua de minha casa, casaram minha minha avó, minha mãe, algumas das minhas primas... E é claro q tenho ótimas recordações dela... Todos os anos a procissão de Santo Antonio passa na frente de nossa casa e a minh avó pede pra que eu coloque uma toalha de mesa branca no muro como sua mãe fazia, junto com muitas velas, coloco uma cadeira pra ela sentar na frente... Ela assiste passar e lá somos cumprimentados por parentes e amigos de uma vida inteira.... Pra mim é uma honra e um privilegio....
Dia desses minha avó recolhia roupa no varal enqto eu tava no note fazendo uns lances do trabalho e enqto ela tirava cantava
"Oh Deus salve o oratorio,oh Deus salve o oratorio, onde Deus fez a morada Oiá, meu Deus.. Onde Deus fez a morada... Oiá..."
Parei de escrever e fiquei ouvindo e naquele momento pensei o qto gostaria q isso não acabasse nunca mais...
Belo! Belo! Belo! Compartilho de todas estas suas percepções e sentimentos ... Fico feliz q o post do Enfim tenha lhe inspirado para mais esta preciosidade. Hoje o mundo religioso, em particular o Católico, ainda me confere estas sensações de nostalgia, de gosto pela tradição, pela cultura e devoção popular, sem contar que, o ambiente me confere uma oportunidade única de transcendência espiritual, ao meu modo e dentro de minhas convicções pessoais. Gosto disto ...
ResponderExcluirbjão querido ...
Só mais um registro: Nestes momentos e nestas ocasiões eu percebo q, apesar de tudo, os homens ainda possuem um pouco de humanidade neste mundo louco e desumano em que vivemos.
ResponderExcluir;-)
Resumindo: eu acho que tu davas pra Pastor.
ResponderExcluirHahahahahahahahahaha!!!
Bjz! E traz o Wans e fazemos a 5?!? Hahahahaha!
nossa! q lindo!
ResponderExcluirtbem tive uma infancia catolica, com direito a estudar numa escola de freiras - o Santa Úrsula, conceituado colegio aqui da cidade.
Acho que por isso imaginar a cena de vcs dois de mãos dadas no meio da procissão me bateu mais forte o coração. O amor, mesmo de adolescente, é maior do que qq coisa!
lindo!
bjo querido
Independente de fé penso que há uma dimensão ritualística, simbólica, esta coisa mesmo de uma transcendência, poesia que torna esses momentos tão belos.
ResponderExcluirQue cena linda estas dos 2 adolescentes na procissão, vamos fazer um filme?
Bj
gracias a todos.
ResponderExcluirGato: que relato legal, obrigado por compartilhar.
não sou também de religiões, todas de mais marcas humanoides que divinas,se é que algo realemente é divino
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