Ela entrou, olhou ao redor, a sala estava cheia, aproximou-se do balcão onde uma atendente quase displicente mexia em alguns papéis e perguntou se a espera seria longa. A atendente olhou para ela e, por um momento, ela sentiu que se compadecera de seu estado, sabia estar doente mas não imaginava que tanto assim.
Não muito, disse a atendente, há apenas dois na sua frente, pode sentar-se que já lhe chamamos, tem hora?
Sim, disse ela, marquei há algum tempo já, deveria ter vindo antes mas não foi possível.
Entendo, respondeu a atendente, não se preocupe, há muitos aqui na mesma condição, peço que sente e aguarde, o doutor lhe atenderá em breve.
Ela agradeceu e foi sentar-se, procurou lugar afastado dos demais que ali estavam esperando atendimento, não queria conversar, ouvir lamentos de outros, problemas já os tinhas aos milhões e não carecia de aguentar os alheios.
Achou um lugar próximo a uma janela. Do lado de fora, o universo parecia calado, quieto e em paz mas ela sabia, era apenas uma impressão, havia via de morte acontecendo a cada segundo e as luzes que ela via no céu eram o testemunho silencioso de mortes há muito ocorridas, sentiu certa pena mas pensou que o universo era acima de tudo um lugar cruel, justo, mas cruel.
Absorta em seus pensamentos, não percebeu que a atendente lhe chamava. levantou-se e foi até o balcão.
Desculpe, estava distraída, disse.
Não tem importância, respondeu a atendente, o doutor remanejou alguns casos e a senhora pode entrar agora, ele a aguarda na sala sete. E apontou na direção de uma porta à esquerda onde um cartaz dizia 'APENAS PESSOAL AUTORIZADO'.
Agradeceu e passou pela porta para um corredor ladeado de portas com números e foi andando até encontra a sala sete. Bateu levemente a porta e lá dentro saiu um 'entre', abriu a porta e entrou. O doutro estava sentado e não se levantou para recebê-la, olhava para um monitor e acenava a cabeça de tempos em tempos como se chegasse a alguma conclusão muito importante.
Sente-se, por favor, disse sem tirar os olhos do monitor.
Ela sentou-se e ficou aguardando em silêncio num misto de apreensão e conformismo.
Bem, disse o doutor soltando um chiado fundo, estava olhando aqui sua ficha. Já faz um bom tempo desde sua última consulta, a senhora sabe que deve fazer consultas periódicas, não?
Ela baixou o olhos e aquiesceu envergonhada.
Hummm, disse ele, vejamos como a senhora está, alguma queixa desde a última vez em que nos vimos? Algo diferente? Como tem se sentido?
Bem, disse ela, quase na mesma porém, tenho notado muito mais dificuldade em respirar, como se meus pulmões tivessem diminuído ou fossem incapazes de prender o ar, o senhor entende?
Sim, disse ele, prossiga por favor.
Também tenho problemas estomacais, parece que tudo que como me faz mal, provoca queimação e até vômito algumas vezes. Meu intestino também não anda funcionando bem, às vezes tenho diarreia, às vezes passo dias sem ir ao banheiro.
Teve febre? Perguntou o doutor.
Sim, a mesma febre de sempre, vem aumentando muito de uns tempos pra cá e nada parece fazê-la baixar, respondeu ela.
E sua visão, audição e outros sentidos? Bem? Perguntou ele.
Em partes, disse ela, a visão fica bem ruim às vezes, o olfato já não sinto há algum tempo e o paladar anda bem ruim também. Tenho dificuldade para andar e o tato fica dormente também.
Entendo, disse o doutor. Mais alguma coisa?
Caroços, disse ela.
Caroços? Disse ele.
Sim, em várias regiões, veja disse ela e levantou a fina camada de roupa que lhe cobria exibindo vários pequenos caroços feito tumores que pareciam se espalhar pelo corpo todo.
O doutro levantou-se e aproximou-se dela, examinou atentamente os caroços, auscultou sua respiração, mediu sua temperatura, pressão e pulsação. Pediu que colocasse a língua para fora e fizesse ah, olhou dentro e emitindo um hum sonoro voltou a sentar-se.
Levou alguns segundos que mais pareceram a ela séculos até finalmente dizer algo.
Bem, a senhora sabe qual é seu problema, não?
Acho que sim, disse ela.
Não são muitos que vem aqui e tem casos iguais ao seu, a maioria reclama de outras coisas, falta de vida, falta de ar, falta de luz, falta de água e talvez até desejassem ter seus problemas.
Eu entendo, doutor, disse ela. Mas, o senhor já viu um caso tão grave assim? Digo, igual ao meu?
Bem, disse ele, a bem da verdade, não. Seu caso é realmente raro.
Pois então, disse ela, há alguma cura possível? Algum tratamento? Ou remédio?
Ele balançou na cadeira e olhou novamente para o monitor como se buscasse alguma resposta ou já a tivesse e não desejasse compartilhar com ela.
Veja, disse ele, em casos como o seu e vi poucos em toda a minha carreira, em casos de uma infestação assim tão grave, descontrolada e nociva, o ideal seria decretar a morte do planeta e começar novamente, talvez com mais sorte...
Ela baixou os olhos e suspirou.
Não haveria outra saída? Perguntou. Sabe, eu meio que me apeguei a eles, eles não fizeram por mal, entende?
Nunca fazem, disse ele, mas acabam fazendo, não é mesmo? A senhora não é o primeiro planeta que vem aqui com um caso assim tão grave como já disse ainda que seja um dos piores caso de infecção humana que tenha presenciado.
E o que podemos fazer? Perguntou desolada.
Em casos assim tão graves, disse ele, recomendo que a senhora elimine todos esses parasitas se pensa em ter alguma chance de sobreviver. Pode parecer algo drástico mas, se posso lhe dar um exemplo, um familiar seu, Marte, sofreu da mesma doença e sobreviveu.
Mas ele agora é estéril! Disse ela.
Depende do que a senhora considera estéril, há vida lá apenas não igual a que infesta a senhora.
Entendo, disse ela resignada. Não haveria outra saída?
Infelizmente, para o grau de infestação humana que a senhora apresenta, não, eu lamento, concluiu.
Eu entendo, disse ela, e quando poderíamos começar o tratamento?
Bem, disse o doutor, considerando sua idade, relativamente jovem e o estado avançado da infecção, diria que precisamos iniciar o quanto antes, diria que dentro de alguns meses não mais que um ano.
E o tratamento é agressivo? Perguntou ela.
Um pouco, disse ele, mas a senhora não deve se preocupar pois os efeitos colaterais são passageiros, já para a infestação humana, não posso dizer o mesmo se é que me entende.
E eu ficarei bem, digo, ao final de tudo? Disse ela.
Absolutamente! Disse ele. Nova em folha! Como se tivesse acabado de sair de um berçário estelar, poderia até trocar de nome se quiser, sempre achei Terra um tanto estranho.
Bem, disse ela conformada, se não há outra opção, sigamos então com o tratamento. Eu tentei sabe, doutor, de verdade! Tentei lidar com isso da melhor forma mas acho que cheguei ao meu limite, não estou mais suportando, o cansaço me devora e. Parou de falar, sentia que as lágrimas viriam feito oceanos.
Não se preocupe, disse o doutor sendo afável, eu compreendo e a senhora não deve sentir-se culpada por nada. Sabemos que a senhora não fez nada disso e nem causou e estamos aqui para ajudá-la agora, se a senhora puder conversar com minha assistente na recepção, ela irá informar todo o procedimento e agendar o início do tratamento, tudo bem?
Claro! Eu agradeço sua atenção, doutro, de verdade.
Não por isso, disse ele.
Ela então levantou-se e saiu do consultório, foi falar com a atendente para agendar os detalhes do tratamento e bem lá no fundo, ainda que sentisse uma certa tristeza, um pequeno fio de esperança começou a aparecer.
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