19 de mai. de 2020

Around the world in a day




Muitos artistas, depois de um trabalho que os eleva ao patamar de super estrelas com aprovação de público e crítica, enfrentam o desafio ingrato de parir o próximo trabalho com a sombra do anterior a lhe fazer ameaça. Como se o artista fosse obrigado e repetir aquele êxito e fórmula para deixar não apenas fãs mas a indústria satisfeitos.

Prince ainda estava na ressaca de 'Purple Rain' quando, em 1985, lançou 'Around the world in a day'.

O disco anterior havia catapultado Prince para o olimpo estelar, o filme foi um sucesso estrondoso e a trilha sonora vendeu, na época, mais de dezessete milhões de cópias ao redor do mundo, ainda hoje é um dos discos mais vendidos. Price sentia sobre os ombros o peso de repetir o sucesso e o mundo e a indústria prendiam a respiração pois não eram poucos os casos de artistas que haviam naufragado gloriosamente ante tamanha pressão.

Mas, estamos falando de Prince, não de um pop icon qualquer.

Enquanto a gravadora cobrava pelo sucessor de PR, ele secretamente (mantendo segredo até mesmo de sua própria banda) compunha o sucessor do mega sucesso. Influenciado por uma mix tape que os irmãos de Lisa e Wendy haviam gravado inspirados, por sua vez, na fase psicodélica dos Beatles - sempre eles -, Prince começou a desenhar o que viria a ser ATWIAD e só passou a envolver a banda quando o disco estava praticamente todo concebido, típico, não deveria ser fácil trabalhar com Prince que tocava todos os instrumentos, arranjava, compunha, produzia, escrevia e tudo mais. Por outro lado, ter em seu currículo participação em qualquer trabalho com Prince era ambição de muitos músicos.

Reza a lenda que Prince concebeu ATWIAD como resposta a indústria da música e o sucesso estrondoso de PR, ele chegara ao topo e, pelo jeito, não havia gostado que tinha visto por lá. Indomável, recusou-se a fazer algo como PURPLE RAIN II, não era de seu feitio repetir fórmulas; para ele, cada trabalho era uma oportunidade de explorar outros ritmos e tipos de composição.

Já ao final da era PR, ele dava indícios de que a cultura pop que o endeusava não era suficiente para ele e, durante várias entrevistas chegou a informar que, ao final das turnês de PR ele se aposentaria para procurar pela escada (the ladder). Ao que parece, ele percebeu que havia chegado a uma encruzilhada: ou seguia pelo caminho de PR vendendo sua alma a indústria ou seguia seus instintos e fazia a música que lhe desse na telha.

Para nossa sorte, ele escolheu o segundo.

ATWIAD não tem absolutamente nada de PR, quem ouviu o disco esperando uma continuação com certeza quebrou a cara. Conheço muitos supostos fãs que torceram o nariz pois esperavam outro disco recheado de pérolas pop e grudentas. Lamento, exceto por RASPBERRY BERET e POP LIFE, o disco tem pouco a oferecer para ouvidos sedentos de canções fáceis ou baladas açucaradas.

O disco, a pedido de Prince, teve quase nenhuma promoção, ele estava determinado a fugir da bocarra da indústria que havia sentido seu gosto em PR e estava querendo mais. Esquece. Prince não ia se vender por tão pouco.

A própria capa já é uma afirmação, seu nome e da banda aparecem no mesmo logo da gravadora que acabar de fundar PAISLEY PARK, quase indecifrável e tanto ele como membros da banda aparecem em várias poses s situações remetendo ao Sgt Peppers e também aos temas abordados nas faixas do disco. Talvez uma das melhores capaz já feitas, arrisco dizer.

Musicalmente, ATWIAD mescla de tudo um pouco, logo de cara você é arrebatado por ritmos que vem talvez da Índia ou oriente médio mas a voz dele rasga tudo e o coro de fundo engata algum tipo de gospel, ele pede que você abra sua mente e seus olhos pois vai te levar para uma viagem.

Depois dessa abertura tapa na cara, ele passa o resto do disco falando de temas como sucesso, drogas, desigualdade social, sexo, Deus, tentação, redenção, amores perdidos e por aí vai.

Paisley Park é uma balada agridoce sobre encontrar um lugar onde podemos ser felizes sem ter que pagar por isso, quase se arrasta como um domingo de sol e preguiça.

Condition of the heart é uma balada jazz ácida onde Prince toca rodos os instrumentos e faz todas a vozes, uma das melhores que ele já fez.

Raspberry Beret, bem, dispensa comentários.

Tamborine, aqui ele liga o foda-se e traz uma das faixas mais experimentais que já compôs, novamente ele canta e toca todos os instrumentos num rap seco e cheio de conotações sexuais.

America é um rock simples e rasgado onde Prince tece um cenário real sobre os anos Reagan.

Pop Life é isso, um pop simples mas extremamente bem feito e que fala sobre as condições da vida pop que ele vislumbrou após PR e recusou a seguir.

The Ladder é seu momento de busca e reflexão, uma balada sincera e com teclados profundos e vocais simplesmente únicos, uma tristeza transpira pela música enquanto Prince canta sobre fazer escolhas que lhe permitam algum tipo de elevação espiritual.

Temptation fecha o disco num clima de funk pesado, sexual, luxúria pura, sujo e incitante mas que, ao seu final, apresenta como caminho a redenção sexual pela fé, como se Prince soubesse que para seguir na indústria da música ele não teria de necessariamente vender sua alma.

ATWIAD é uma pérola única que merece toda a sua atenção.

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