29 de jul. de 2020
te pego lá fora
Onze e quinze e o sinal cantou bonito, fez gosto em por todos pra fora da escola, queria mais que eles fossem embora dali o quanto antes para lhe dar descanso ao menos até o dia seguinte.
Ele olhou para o relógio na parede e para o de pulso, só para confirmar que a hora não lhe ia errada e começou a arrumar seu material. Não era de bom tom chegar atrasado a encontro tão importante mesmo porque haveria plateia e não se pode negar o circo quando o pão já anda tão escasso.
Colocou a mochila nas costas, falou rapidamente com alguns amigos e ouviu deles palavras de incentivo, que devia seguir em frente e não esmorecer como se todos ali, ainda contando os anos com uma única palavra, tivessem grandes planos para o mundo.
Hesitou ao sair da sala, e se o outro lhe acertasse logo de cara um no queixo e ele nem conseguisse revidar? E se o outro usasse algum truque sujo? E se usasse algum pau ou arma que fosse? E se? Deveria ter evitado o conflito através do diálogo? Poderia ter solicitado a mediação de um professor?
Não, certos assuntos se resolvem assim, entre homens e sem recorrer a ninguém mesmo. Os de sua classe estariam lá para ele e imaginava que os do outro também fossem estar, a roupa suja seria lavada ante todos e, no fim das contas, era com sangue que ela precisava ser limpa.
Andou pelos corredores fazendo um caminho mais longo do que de costume, não era medo, que é isso! Apenas traçava sua estratégia para a hora do ataque. Passou pelo banheiro, ouviu mais frases de apoio e sussurros de como ele seria vencido facilmente pelo outro. Molhou o rosto e mirou-se no espelho por instantes tentando achar a coragem que precisava. Recuou quando percebeu que o reflexo lhe olhava de volta com ar estranho, meio de galhofa, lhe tirando assim sem mais nem menos. Saiu do banheiro ainda respingando e seguiu seu caminho rumo a saída da escola.
Não havia mais volta, era ali mesmo, seu ringue estava armado e ele ouvia a multidão lá fora gritando seu nome ou os nomes de amigos ou de suas mães e pais que tinham vindo lhes buscar. Fechou os olhos, repassou cada passo de como seria sua estratégia de luta, ensaios de alguns golpes, kung fu dos tolos, caratê dos ansiosos, boxe dos anjos e cortou as asas que ameaçavam sair na parte de trás de sua camiseta do uniforme.
Saiu. A luz do dia lhe franziu o cenho e ele, aos poucos, viu a lona armada no concreto da calçada, o público ao redor e quando este, apercebido de sua presença fez-se Mar Vermelho, pode ver do outro lado seu oponente.
Mediu-o bem, analisou cada parte do outro buscando suas fraquezas, onde atacar primeiro e sentiu que o outro também o escrutinava sem dó. O círculo se fechou e agora estavam um em frente ao outro e a distância foi diminuindo conforme o público ia se fechando sobre eles que ainda se analisavam, olho no olho, aferindo-se, imaginando-se em combate.
Finalmente o espaço interno os fez ficar cara a cara e o silêncio da plateia indicou que começaria a luta e, se não começasse logo, latas de refrigerante, salgadinhos, cadernos e livros voariam pois a massa queria o show que lhe fora prometido e a voz da massa é o molho de tomate servido dos ferimentos dos gladiadores.
E eles se pegaram de vez e a massa recuou, abriu-se o círculo, de forma abrupta, quase em reverência não fosse pelo silêncio pasmo expresso na cara de todos ali presentes quando finalmente, ao dar-se espaço suficiente, pode-se ver os dois num beijo profundo, em carícias, rolando pela calçada.
O público se desfez, sem pressa foi cada um para seu lado e os dois lutadores se amaram na calçada quente sob o sol do meio dia.
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