5 de out. de 2020

vendo a banda passar

 



Já gostei muito de Ryan Murphy, as primeiras temporadas de AHS e ACS forma bem interessantes e confesso que FEUD me ganhou porque eu sou devoto das grandes divas do cinema mas depois, parece que ele ficou ganancioso e passou a produzir em quantidade e não em qualidade meio como a Netflix faz, solta uma baciada de séries e se ao menos duas delas emplacarem já vale e o resto cancelam.

Não há dúvida de que ele tem um papel essencial na representação e visibilidade de pessoas LGBTQIA+ pois suas produções tratam essas pessoas com dignidade e sem pudores da indústria mas, parece que no anseio de produzir o máximo possível ele acaba se esquecendo de outras coisas e, sua marca registrada, brindando o espectador com uma profusão de cores como se toda a escala Pantone tivesse explodido na tela.

Nesse caso, a homenagem feita a esse filme incrível dirigido por William Friedkin  em 1968 e baseado na peça homônima de Mart Crowley é uma excelente oportunidade para gerações mais novas conhecerem esse texto que pode até ter envelhecido mas não ficou datado mas tenho algumas reservas quanto ao novo filme mesmo Mart tendo participado do processo de confecção do roteiro antes de falecer em Março deste ano.

Primeiro que este é um texto teatral, forte, pesado, cheio de acidez e mordacidade, indiretas e ofensas verbais num jogo psicológico que lembra 'Quem tem medo de Virginia Woolf?', começa num ritmo leve e até descontraído mas aos poucos vira uma montanha russa de ressentimento, culpa, frustrações e jogos mentais tóxicos.

Se na primeira versão isso foi preservado e maximizado pela mão de Friedkin (que é um ótimo diretor de atores) além do jogo de iluminação que, no ápice do jogo mental deixa os personagens imersos numa semiescuridão opressiva e que só aumenta o desconforto e, por um elenco oriundo do teatro, nessa versão o texto foi diluído, ficou mais leve e a mão de Murphy se faz sentir na explosão de cores e opção por manter tudo claro e gritante numa clara alusão de que a homossexualidade não precisa ser escondida mas vista e vivida mas, isso acaba emprestando ao filme uma sensação de festa que saiu do controle ao invés de embate de sentimentos e culpas.

A inclusão de flash backs para ilustrar as memórias de cada personagem durante o jogo do telefone ajuda a diluir esse peso da versão anterior muito mais claustrofóbica e tensa e a opção por adicionar cenas finais que ilustram o possível desfecho de cada personagem acabam dando uma sensação de esperança que o texto original não tinha em absoluto. Optar por manter a trama nos anos 60 ao invés de trazê-la para a atualidade também foi acertada pois isso certamente seria um desastre, pode parecer que os assuntos tratados no filme sejam datados mas não são, estamos falando de um texto de um período em que ser gay era algo perigoso e fatal até e isso segue sendo verdade hoje em dia mesmo tanto tempo depois.

Quanto aos dramas de cada personagem, também seguem mais do que atuais desde o casal que enfrenta uma crise passando pelos gays frustrados e amargos que só conseguem algum tipo de satisfação destruindo quem conhecem, pelo gay afeminado que só é visto como piada, o gay negro que é forçado a lidar com mais de um preconceito, o gay que apenas é gay e um hetero que não sabe o que está fazendo ali ou até saiba mas se arrepende de estar.

Infelizmente, parece que no intuito de deixar o texto mais palatável talvez para as gerações mais novas, as atuações acabaram ficando perdidas e sempre com uma sensação de quase lá, se comparadas com as atuações do filme original chegam a ser sofríveis até vide a cena em que Michael se dá conta da merda que fez onde Jim Parsons falha miseravelmente em passar a emoção necessária para a cena.

Esse era um texto que merecia uma direção mais robusta, que espremesse os atores até sair sangue, não era para ser um filme colorido mas um filme denso que fizesse com que todos saíssem dele moídos como fez o primeiro. Infelizmente nada disso aconteceu e temos apenas uma homenagem singela e colorida que serve como caricatura de um texto magistral.

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