3 de nov. de 2020

o luto, esse amigo

 



Ontem, finados.

O luto, esse amigo que chega sem avisar, sem prévia, sem convite, sem pedir licença, sem mais nem menos, sabemos que ele vai chegar, só não sabemos como e, ainda que algumas vezes possamos sentir sua presença se acercando feito um tipo de mão invisível que vai aos poucos nos roubando a vida, nunca sabemos ao certo quando ele vai se fazer presente o que nos deixa num esgar de ansiedade eterna para que ele chegue e logo vá embora.

O luto rouba nós de nós mesmos, primeiro nos rouba a mente, esvazia tudo que lá está e ocupa todo o espaço dela pois o luto é espaçoso, pode até parecer pequeno por fora mas é imenso por dentro. Depois nos rouba os sentidos, todos, desliga as conexões e nos deixa em algum tipo de modo avião, em seguida rouba nossa voz, nossa palavra, troca por gemidos, urros ou berros ou também por um lamentar silencioso que pode não ferir o mundo do lado de fora mas corrói tudo por dentro.

O luto não leva apenas quem ele veio buscar, leva a cada visita um pedaço de nós, como se fosse um tipo de taxa, tributo ou pedágio que precisamos pagar por sua passagem, nós o hospedamos mas quem paga por essa estadia somos nós, não ele. O que o luto deixa é uma dívida que não poderá ser saldada e vai só aumentando conforme ele presta novas visitas até que ele vem visitar é a gente mesmo e aí, a conta fecha, fica sem troco e tudo certo, nada pendente.

Mas o luto não é só tristeza ainda que sintamos por ele acima de tudo isso e também raiva, ódio e asco, sem sentido, ele apenas faz seu trabalho assim como a vida fez o dela, parece que logo ao ganharmos vida, ela passa a ser administrada pelo luto que vai contando as horas para sua chegada, a vida já sai de cena ocupada demais em gerar mais vidas para que o luto as administre. A tristeza que acompanha o luto é compreensível mas há alegria por mais absurdo que isso possa parecer, a alegria de termos a chance de perceber que estamos vivos, que a fragilidade da vida é inquestionável, que perdemos tempo demais com coisas que valem de menos e que o amanhã, o segundo seguinte, pode ser algo muito, muito precioso.

Com o luto temos a noção de encerramento, de que a finitude é o ápice da condição humana e que a vida é algo raro e belo, de uma simplicidade única feita problema por nossa inata inabilidade de lidar com ela. O luto não nos faz sofrer porque assim deseja mas porque assim precisa para tentar fazer com que tenhamos o entendimento de que somos filhos do luto e não da vida, ela pode ter nos parido mas é o luto que nos criou, nos fez gente e vem coletar quando a missão é finda. O luto é nosso pai e nossa mãe, ele nos ensina, nos educa mas ainda assim, insistimos em lhe virar a cara, cuspir na testa e renegar.

Talvez, se aceitássemos e entendêssemos melhor o luto, pudéssemos viver vidas menos enlutadas pelo medo de nunca ter feito o bastante, amado o suficiente ou vivido plenamente, coisas que são intangíveis e inimagináveis pois não vivemos além do que precisamos ou foi programado e realizemos tanto quanto nos é permitido pelo luto que vai mostrando, em seus ensinamentos, como é importante fazer mais e temer menos.

O luto, esse amigo, não vai parar de nos visitar, quem sabe se não passamos talvez não a celebrá-lo que isso é demais para simples humanos mas, puxar uma cadeira, passar um café de deixar que ele nos console a dor e o pranto.


2 comentários:

  1. Amigo indesejado, mas muito importante pra saúde psicoemocional.

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  2. O luto é necessário e só quem foi privado dele sabe a falta que faz....
    Fica uma sensação inacabada daquelas de virar a esquina, atender o celular, ver uma postagem, de repente de quem se foi e nem se despediu da gente.
    O luto que não vivi, talvez me acompanhe enquanto eu viver.

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