18 de out. de 2022

obrigado, presidente

Obrigado, presidente!

Por me fazer ter vergonha de minha bandeira, das cores do meus país, de ser brasileiro, de morar aqui, de ser gay, de ser alguém, de estar vivo, de estar onde estou.

Obrigado, presidente!

Pelo ódio, pela raiva, pela ignorância, pela intolerância, pelo preconceito, pelas pedras que colocou em nossas mãos, pelos palavrões que colocou em nossas bocas, pela luta constante para ver quem é o pior, por trazer de volta o monstro em nós, por nos tornar feios de novo, nunca fomos belos de verdade, só disfarçávamos muito bem usando a maquiagem do social e politicamente correto, por nos fazer ver a figura grotesca no espelho que tínhamos coberto, por nos fazer lembrar do gosto de sangue, por nos fazer andar de quatro de novo.

Obrigado, presidente!

Por ser imbrochável, somos uma nação de viagras, um país de paus duros, um povo priápico, ereto eternamente em gozo esplêndido ao som do mito e luz do podre profundo, por ser nosso deus, nosso mito, nosso compasso capenga moral, bastião da moral e família, por nos fazer cidadãos de bem, trabalhadores, pais de família, não importa que estupremos nossas mães e filhas, espanquemos nossas mulheres e cuspamos em nossas putas, o cidadão de bem precisa ser protegido.

Obrigado, presidente!

Por nos fazer ficar sem ar, por nos fazer ficar sem vacina, sem remédio, sem cova, sem comida, sem teto mas esse é o preço que é baixo perto da facada infeliz, por nos fazer de otários todo santo dia, por nos fazer de idiotas toda hora, por nos tratar feito incompetentes, feito crianças, feito bebês, por rir da nossa cara, fazer piada com nossa morte, rir de nossa desgraça e por ser esse mito.

Obrigado, presidente!

Por me fazer entender que o Brasil não gosta de bixa, nem de lésbica, nem de travestis, nem de queer, nem de não-binários, nem de pessoas trans nem de nada que não seja do espectro cis normativo, por me fazer entender que não sou nada, não sou ninguém e que minha existência é um erro, por não nos estuprar porque não merecemos, melhor estuprar seu cercadinho porque lá esse é o sonho deles.

Obrigado, presidente!

Por finalmente me fazer enxergar quem me odeia, por me fazer ver quem sempre riu de mim e quer me ver morto, por fazer caírem as máscaras, por me fazer bloquear na vida real e digital pessoas que se diziam minhas amigas e amadas, por me fazer ver que eu vivia em um covil de lobos, por me fazer acordar e encarar a realidade, por me fazer ficar apenas com as pessoas que realmente importam, por me fazer acreditar no que realmente importa, por me fazer lembrar o que realmente importa, por me fazer viver o que realmente importam por me fazer importante, por importar a decência que eu havia esquecido, por importar a felicidade pela qual eu preciso sempre lutar, por importar a luta que eu achei ter ganho, por me fazer sair de um torpor e olhar a cara da realidade por mais amarga que ela seja.

Obrigado, presidente!
Obrigado...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

one is the loniest number...

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...