Pode ser que as crônicas do cinemão tenham deixado aos leitores a impressão de que vosso escriba é uma puta sem precedentes. Não nego nada que já tenha feito e menos ainda me arrependo de tê-lo empreendido pois seria hipocrisia minha negar tais fatos como se o passado pudesse ser simplesmente apagado além do fato de que sim, obtive prazer imenso fazendo o que fiz.
Mesmo porque eram tempos loucos e eu, muito jovem e é do jovem não ter medidas nem pensar em conseqüências ou responsabilidades. Mas, cabe dizer que há muito tempo já não sou mais assim, obviamente. O tempo se encarregou de me dobrar e me fazer pensar que qualidade é melhor que quantidade mas não em termos absolutos já aviso a todos. Mas o principal é que wans me deu a paz necessária. Ele é meu cinemão. Prezo cada um de vocês pelas escolhas que fizeram e que farão mesmo que possa vir a não concordar com elas. Esse é o segredo da coisa: discordar sem julgar. Isso posto, vamos ao último relato das crônicas do cinemão.
Fechando a tríade prometida temos este relato. Aos acostumados à carga erótica demasiada dos outros relatos já aviso que este não conterá tanta putaria posto que fale mais ao coração do que ao pinto ainda que os dois, muitas vezes, estejam um no lugar do outro mas nunca o outro no lugar do um, enfim, filosofia barata, pense o que quiser afinal coração e pinto cada um tem o seu.
Como já sabem, já possuía com o cinemão uma relação simbiótica. Como largar esse templo do prazer que me proporcionava rolas a granel? Deixo claro, no entanto, que minha assiduidade não era militar tendendo mais para a do funcionalismo público dos anos de chumbo. Enfim, certo dia, uma Sexta acho, marco bem os dias que me são importantes ou grande maioria deles, fui ao cinemão, Art Palácio pois em minha opinião era o melhor provido de rolas. Cheguei lá e fiz alguns atendimentos básicos, o movimento estava fraco sabe-se lá por que.
Já estava me preparando para ir embora quando resolvi dar uma última volta para ver se, de repente, não rolava um boquete de última hora. Então, encostei-me a um dos cantos do fundo e fiquei ali uns minutos prometendo a mim mesmo que iria embora se nos próximos cinco minutos nada rolasse. Destino traquina que prega peças a todo o momento, a ilusão do controle é tão absoluta que nos deixa cegos mas, suas peripécias nos colocam no devido lugar onde planos e planejamentos são desfeitos tão rapidamente quanto foram elaborados.
Eis que encosta ao meu lado um carinha. Distante o suficiente para nos vermos, não para nos tocarmos. Ele não era bonito mas algo emanava dele, um ‘it’, e acho que de mim ele sentia o mesmo pois os olhares eram retribuídos. Aos poucos, a distância foi diminuindo, timidamente, até que estávamos realmente lado a lado mas, seguindo o ritual local, mesmo a essa distância, ainda os olhares buscavam cumplicidade, autorização e as mãos eram por demais recatadas para atrever um toque.
Finalmente, os olhares não deixavam margem a outra coisa que não fosse ação e nossas mãos se uniram só para em seguida nós mesmos nos unirmos. O beijo foi longo, doce, saboroso, não era beijo de sexo casual mas de algo além. Fatalmente descobrimos a intimidade um do outro e confesso que ele tinha uma neca de respeito. Sim, nos pegamos ali mesmo, nos mamamos, beijamos, amassamos e gozamos farta e avidamente. Porém, depois de matado o tesão, não houve a separação já esperada e que não representava para ninguém ali um problema posto que a finalidade principal da união já fora consumada (ainda que intimamente, creio que todos – eu incluso - desejassem ardentemente que aquele fosse o primeiro de muitos encontros e que dali, daquele caldo de luxúria saísse algo que germinasse amor duradouro mas ninguém, conscientemente, admitiria isso).
Ficamos ali, de mãos dadas, um de frente para outro, olhos alinhados e o sexo já não era o moto que nos movia. Havia certa tristeza nele, algo que precisava de carinho e atenção e não sei ao certo que ele viu em mim mas acho que foi alguém que tinha amor para dar e ainda não encontrara nada além de fodas. Então, do nada ele me disse: ‘Fica comigo’. Não sabia como responder àquilo, assim de cara, ainda que gostasse de estar com ele ali e que intimamente desejasse vê-lo mais vezes, assumir de bate e pronto um compromisso deixava meu lado messalina preocupado pois era novo e ainda tinha muita rola pra chupar antes de adotar um fixa.
‘Quanto tempo’ foi minha resposta e ele rebateu ‘Pra sempre...’ piorando a situação. ‘Pra sempre é muito tempo’ disse eu ‘E se a gente for se vendo e ver como fica?’ e ele ‘Tá bom’. Lembro que resolvemos sair dali e paramos num boteco próximo para tomar algo, uma coca acho, ainda não tinha desenvolvido plenamente meu gosto pelos gorós. Ficamos conversando muito, coisas que gostávamos de fazer, como éramos e essas amenidades típicas dos recém apaixonados e que não tem peso algum naquele momento pois ambos eram pouco capazes de distinguir ou mesmo refinar ou descartar afinidades. Acompanhei-o até o Metrô São Bento e combinamos de nos encontrar no próximo Sábado dentro do Art Palácio.
Falta completa de criatividade ou tino amoroso inexperientes que éramos os dois, dentro do cinemão? E se um pegasse o outro com um caralho na boca afinal mal tínhamos nos conhecido e entre nós havia o mesmo compromisso de Judas com Jesus mas, a mesma inexperiência nos fez crer mutuamente coisa que o tempo se encarrega de matar e torna algo inverossímil ao nos tornarmos adultos. Na verdade, escolhemos aquele lugar pois ainda que não soubéssemos o que era ser guei, sabíamos que éramos os diferentes e que não poderíamos nos encontrar simplesmente em praça publica, nos beijar e sair de mãos dadas sem sermos alvo de lapidação. O medo é genético, já vem embutido nos que sabem que serão discriminados.
No dia marcado eu lá estava antes do horário. E as horas começaram a passar e o desapontamento a crescer e já me conformara em afogar as mágoas num balde de porra mas, sabe-se lá porque, resolvi ir embora. Estava na entrada do Metrô São Bento quando dou de cara com ele. Disse que já estava indo embora e ele se desculpou pois morava longe, nos acertamos e fomos para nosso cinemão. Destino matreiro, maldito e que escreve certo por linhas tortas; por pouco não perco aquele que foi a grande paixão da minha vida (Wans não se encaixa aqui, é um caso à parte e inexplicável pois minha essência não pode ser de outro) e dali correram cinco anos cheios de alegrias, tristezas, tumultos, infantilidades e todos os elementos que costumam marcar as relações que queimam dez anos em cinco. Um blog não seria bastante para contar todas as estórias mas me comprometo a contar as melhores com o tempo.
Hoje, ele não está mais aqui, se foi. Para minha infelicidade, em um ponto de nossas vidas quando já não nos falávamos tendo tomado rumos diversos na vida; e essa infelicidade só não se transformou em remorso porque, dias antes dele partir, resolvi visitá-lo (Wans insistiu para que eu fosse e me acompanhou, como se soubesse que seria minha última chance de limpar esse carma) e acertar as coisas entre nós. Foi um momento único pois ainda que anos tivessem nos separado, ao vê-lo, tive a impressão de ter saído de sua casa no dia anterior como se nada tivesse mudado. Combinamos que no próximo final de semana eu o levaria para dar uma volta pois ele andava em depressão profunda inclusive com problemas de saúde decorrentes da mesma.
Infelizmente, não deu tempo. Na Sexta do final de semana prometido ele faleceu. Não me esqueço de como isso me pareceu delicadamente orquestrado por forças superiores para que ambos pudessem dar o próximo passo cientes de que nada mais deviam um ao outro. O baque foi forte e demorei um pouco para assimilar a perda, sem o Wans não teria conseguido. Uma parte importante de minha vida foi com ele, uma época em tudo era novo, descobria-se muito e nos aventurávamos no mundo guei. Parece que ninguém mais foi tão feliz descobrindo as coisas como nós, ser guei era algo novo, proibido e não meio modismo como se prega hoje mas, pode ser apenas saudosismo puro.
Nunca o esqueci e se a morte me reserva suas surpresas para o pós-vida, gostaria muito que ele fosse uma delas para que pudéssemos por em dia todas as conversas que nunca tivemos.
muito bacana isto querido Melo ... de certa forma tb vivi algo parecido mas por estas coisas da vida acabou mal acabado e com muitas coisas por serem ditas ... isto não é legal mesmo ... mas enfim ... a vida para mim continuou e eu tenho o Wander e ele a mim ... acho super legal este resgate de memória qdo podemos nos revelar e ver o nosso amadurecimento ao longo do tempo ...
ResponderExcluirbjux aos dois
;-)
Cada um sabe de suas vivências e não cabe a ninguém tachar como certo ou errado. E obrigado por compartilhá-las.
ResponderExcluirNem sei o que dizer. Realmente tocante - e que se encontrem novamente, seja esse o caso, pra botar a conversa em dia. E que bom que o Wans apareceu em sua vida. São poucas as pessoas que nos marcam verdadeiramente.
ResponderExcluirEu lembro desse dia. Fico feliz por fazer parte de algo que para você foi tão importante. Sei o quanto foi bacana pra você vê-lo pela última vez. Queria ser tão valioso pra ti como ele foi. E quer saber, eu fui, eu sou, e serei pra sempre...
ResponderExcluirLove U!
Tolinho!!! Tô te sacando faz tempo... esses contos todos tem apenas um objetivo: excitar os leitores. E assim, excitados, todos vamos desejar virar personagens dessas crônicas calientes para sermos contados por ti algum dia... hahahahaha!!!!
ResponderExcluirE para mim as crônicas do cinemão não deixaram a impressão de que és uma puta sem precedentes. De forma alguma. Eu já pensava isso antes delas. HAHAHAHAHAHAHAHA!!!!! Just kidding, man! Adoro-te!!! E pode vir de boca que está no ponto. O chocolate. Tô falando do chocolate!!!!! Hehehe!