26 de jun. de 2010

tic tac

O estilo de vida que levamos nos impõe uma condição futura quase inescapável: solidão. Alguns poderão escapar dela de forma auto infligida ou por capricho do destino mas os que sobrarem terão, em sua grande parte, de encará-la e prestar-lhe contas.


Isso não se restringe ao nosso meio, não tema ser mais uma sina por gostarmos de meninos. Os 'normais' gozam da mesma sorte ainda que ponham rebentos no mundo na triste esperança de que estes, no futuro cinza, lhes dêem a recompensa por trazido aqui tê-los e feito com que vingassem.

Herança ocidental nefasta que põe uma letra escarlate sobre os mais velhos enxergando neles um peso, fardo e aborrecimento sem fim ao invés de referência, gratidão, conhecimento e aprendizado. Colocamos eles de escanteio, como um brinquedo que não mais uso deve ter e só serve para acumular pó e ocupar espaço.


Sexta, fomos à padaria e, enquanto pagávamos a conta, um senhor com claras dificuldades de locomoção me pediu se poderia ajudá-lo a descer o (para mim) pequeno degrau que separava o estabelecimento da calçada.

Disse que sim, claro e ajudei-o a descer deixando-o encostado numa parede. Voltei para ver Wans onde estava e, ao saírmos, o senhor ainda estava lá e, meio que sen jeito, pediu se poderíamos ajudá-lo a atravessar a rua ao que mais uma vez disse sim.


Fomos entao eu o guiando e Wans ao lado e conversando. Ele contando que era diabético e que a causa de seus problemas de locomoção era justamente a doença. Atravessamos a rua e íamos deixá-lo seguir adiante mas, por essas coisas da vida, essas decisões que tomamos a esmo mas, na verdade, tomadas pelo coração mole que, apesar de embalado em capa cáustica, não sabe dizer não, perguntei onde ele morava e ele, creio que mostrando alívio por não ter de seguir só, disse que morava alguns metros a frente (quilômetros para ele) e, então, nos oferecemos para levá-lo até a porta de casa.

No caminho, ele nos contou que morava só, em frente ao minhocão (Elevado Costa e Silva no centro velho de SP) e os filhos o viam raramente. Disse morar ali há mais de 26 anos e que, certo dia, não sabia dizer como, caíra da cama e não conseguia levantar-se tanto pelo tombo em si como por sua dificuldade em mover-se normalmente.


Segundo ele, ficou assim pois dois dias quando finalmente alguém veio em seu socorro. Nesse ponto, o deixamos na porta de casa e seguimos nosso caminho mas não pude conter o choro que brotou icontrolável lá do fundo.


Não cabe aqui pensar se era ou não verídica a narrativa dele, resultado da senilidade ou qualquer doença degenerativa que espera apenas ficarmos velhos para nos mostrar seus dentes. Fato é que, como ele, tantos outros estão, neste mesmo momento, caídos no chão, conversando com a tv, comendo sozinhos ou vivendo em um mundo de lembranças posto que o presente nada mais quer com eles e o futuro nem mesmo quer saber de sua existência.

Não quero ficar assim, não vou ficar assim e não quer que vocês ou meu Wans fiquem pois é uma crueldade sem igual. Penso então que não vejo meu pai tanto quanto deveria ou gostaria e que apenas quando ele não puder mais me ver é que vou me dar conta disso e eu vou saber que é tarde demais.


Assim, se você ainda pode, vá ver os seus velhos (sejam eles quem forem) o quanto antes pois amanhã será você esperando por nada mais que uma visita e um abraço.

9 comentários:

  1. este é um grande conselho. Tenho consciência do grande papel que meus velhos fazem em minha vida. Percebo tb nitidamente a ideia lá em cima do investimento para futuros rendimentos. E estes rendimentos eu não posso negar, pois sem eles não seria nada.

    Abração e excelente domingo!

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  2. ah, o reader já tá recebendo suas postagens completas. Vc é dez!

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  3. Eu não vejo a solidão como meu destino, porque penso que morrerei bem antes de isso se tornar um fardo inescapável.

    Mas todas as vezes que vejo essas situações, não sendo hipócrita a ponto de dizer que não sou assim nem faria isso, porque definitivamente não sei como vai ver na senilidade de Papis e Mamis, eu penso que a hora de todo mundo chega. E ai, é a vez de sofrer, pedir, e dar sorte ou não de ter alguém que quebre esses padrões ao seu lado.

    Um beijo Melo!

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  4. Você quer acabar com o meu sábado?

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  5. caraca ... vc me comoveu às lágrimas querido ... mas enfim ... somos assim mesmo ... graças a Deus cuidei do meu pai até o seu último suspiro [uma perda muito pramatura mas q me ensinou muito da vida] ... depois foi minha irmã [outra perda prematura mas q tb me ensinou mais e mais] ... hoje tenho a mamys aqui comigo [85 anos, saudável fisicamente mas em decadência mental] e dela cuidarei até o fim se eu ainda estiver por aqui ... qto a mim sei o que farei ... cuidarei do DD e serei cuidado por ele até qdo pudermos ... depois estamos de pacto selado ... vamos os dois para uma clínica onde profissionais nos ajudarão a terminar nossos dias juntos ...

    ah! hoje não era um bom dia para ler isto ... estou chorando ... não de medo ... mas de angústia pela situação do Senhor da experiência vivida por vcs ...

    Melo e Wans! voces são duas pessoas de enorme dignidade ... que coisa boa poder tê-los como amigos ...

    bjux aos dois

    ;-)

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  6. essa é uma situação muito "modafoca"...if you know what i mean

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  7. Triste mesmo. Perdi meu pai no começo do ano, mas te digo que sua morte não foi tão dolorosa quanto os seus dois últimos anos de vida, quando aquele senhorzinho cheio de vida foi definhando aos poucos diante de meus olhos, sem forças nem mesmo para respirar. Mus irmãos tem sua própria família, e eu fiquei com meus pais, a situação invertida, eu muito mais pai deles... Ele teve seus filhos ao seu lado o tempo todo, passei boas noites com ele no hospital, passei longas noites em claro em casa, com medo de ele ter uma parada respiratória, já que precisava de tubo de oxigênio.
    Fiz tudo o que era possível, mas ele faleceu. Durante o velório, não pude deixar de pensar no meu futuro, e até cuidar bem mais da minha saúde. Família não é garantia de companhia na velhice, mas que é bom saber que você pode contar com alguém, é inegável.

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  8. Ai, que susto!
    Considerando o histórico depravado do casal jurei que iam levar o velhinho para um animado threesome... hehehe!
    Brancadeiras à parte... lindo post. Eu amo e cuido dos meus velhos!
    E pára de chorar, baby: coloquei teu link na minha lista, tá?
    Hehehe!
    Bjozzzzz!

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  9. gata, situação complexa essa...a gente não tem como saber se ele sofre pelo descaso ou se tá colhendo o q plantou com os filhos...enfim, bora plantar boas sementes hj para q a colheita amanhã seja prospera.

    bja meu c q brilha

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