17 de fev. de 2011
pra onde é que eu vou...
Não ia publicar nada hoje. Havia uma esterilidade de idéias e nem um arado de aço parecia capaz de sulcar os gomos da mente e espremer para fora alguma coisa que prestasse. Ia continuar o conto que escrevo mas, li isto aqui e uma enxurrada de lembranças avançou o sinal vermelho batendo de frente com o vazio e como de toda explosão há que surgir algo, surgiu isto aqui.
Assim como o SCSE, Legião Urbana embalou boa parte de minha adolescência e os mesmos dilemas e angústias que ele camela hoje foram por mim já camelados guardadas, óbvio, as devidas proporções. Sentia as mesmas incertezas e ser homossexual era uma delas eu só não sabia como lidar com ela e as músicas de Russo pareciam falar para o mundo o que eu queria que todos ouvissem mas não tinha voz para bradar.
Mas fosse esse o único análogo da situação estaria bem. Já falei aqui sobre aquele que foi meu primeiro amor (o único sempre será meu wans), meu primeiro de mesmo sexo. Foi uma relação complexa e complicada, éramos jovens, sem saber nada do mundo e não como hoje quando ser homossexual está quase virando tendência e não orientação mas isso é alvo de outro post, não deste aqui.
Enfim, nos conhecemos como disse no link acima e na verdade só começamos a namorar mesmo muito tempo depois pois antes disso apenas nos encontrávamos e trepávamos. Não sabíamos que homens poderiam namorar com outros homens, não tínhamos esse entendimento e buscávamos as repostas juntos.
Mas eu era fraco e intercalava períodos de busca conjunta daquilo que queríamos com longas ausências tentando a todo custo ser normal, ser hetero. Ele morria a cada colapso meu e eu também perdia pedaços de mim ainda que achasse válido para ter uma vida de comercial de televisão. Ainda lembro como ele me ligava aos prantos perguntando porque eu fazia aquilo com ele e eu simplesmente não respondia e esperava ele desligar.
Finalmente, com o passar do tempo e talvez com a ajuda desse mesmo amor masculino ainda que a contragosto vide minhas mancadas, eu assimilei que gostava de homens mas ainda não dele. Ainda achava que ser gay era poder foder com quem eu quisesse e não ter compromisso algum pois a afetividade homo me escapava por completo. Infelizmente, mais uma vez ele pagou o preço e de novo intercalava permanências e ausências sendo que nas segundas me entregava a outros homens pois era novo e não queria me ver preso a um macho apenas.
Ainda hoje me recordo de um dia, durante uma de minhas ausências, me preparava para descer ao litoral com amigos, curtir, paquerar e ele me ligou. Sua voz pálida do outro lado da linha jogava uma sombra sobre minha noite promissora mas novamente adotei uma postura inerte e monossilábica até que ele disse eu te amo e eu simplesmente ignorei. Ele repetiu, perguntando se eu o havia ouvido bem e eu disse um sim tão frio que até o telefone teve medo de mim.
Depois disso, não me recordo ao certo quando nos reencontramos mas sei que foi por iniciativa minha talvez cansado do binômio festa/sexo e afim mesmo de algo sério pois mais uma vez o tempo mostrava que era preciso colocar conteúdo nas coisas ou elas voariam pelo ar de tão ocas. Incrivelmente ele quis me ver e me aceitou de volta mas me presenteou com uma frase que me assombraria para sempre e que me serviu de lição para tudo que vivi depois em termos de relacionamento.
'Eu quero sim' disse ele, não com estas palavras mas o sentido está aí, intacto 'mas aquele amor que eu sentia por você, tudo aquilo, acho que morreu, não sei se posso trazer isso de volta..'
Hoje sei que deveria ter deixado os mortos onde pertencem e dado outro rumo à vida mas algo me impelia para ele e aceitei seus termos de pronto. O pior sempre acontece, ainda mais quando merecemos que ele aconteça e paguei minhas dívidas com juros e correção não tanto por ele (que não era santo e fomentou muitas das atribulações e dissabores pelos quais passamos) mais por mim que agora me apaixonara de uma forma tão cega e desenfreada que ele vinha antes de tudo e todos para mim, arrancaria minha pele para que ele não passasse frio e pavimentaria uma rua com meus dentes para que ele pudesse passar.
Tínhamos momentos de puro amor e êxtase, coisas simples e tão mágicas que eu acreditava que Russo escrevera sua letras mais doces pensando em nós. Em compensação, quando estávamos na tempestade, as letras de Renato mais pesadas serviam também para arrancar o coração um do outro em horas a fio de solidão em estéreo olhando pela janela na direção do outro torcendo para que ele estivesse arrependido e pronto para voltar.
A pior fase foi quando ele, cansado de todos nossos jogos de vai e vem, disse que precisávamos de um tempo, me desesperei mas entendi que era inevitável e nem mesmo minhas lágrimas o demoveriam de sua resolução. Ficamos separados um bom tempo e eu sabia dele através de amigos, cada detalhe eu desejava que me fosse não revelado mas queria saber assim mesmo pois antes isso do que não saber nada dele.
Tentei preencher os espaços mas ele ocupava muitos, não consegui preenchê-los todos e quando eu começava a me acostumar com ele fora de mim eis que ele volta e eu me abro de todo para ele feliz por ter de novo o que sempre quis. Mas coisas que se quebram dificilmente são remendadas a contento e fazemos de conta que ainda podem ser usadas pelo apreço que lhes temos dando vista grossa às rachaduras e falhas no que um dia foi perfeito ou talvez nem fosse assim tão perfeito mas o amor disfarçava essas mesmas falhas. Seria esse o truque? Não deixar o amor velar os defeitos? Aceitá-los como são?
Enfim, não tardou para que voltássemos à rotina de bons/maus momentos e novamente o desgaste veio, com mais força como era de se esperar. Dessa vez eu pedi o afastamento sob protestos lacrimosos dele mas fiz pé firme e fui em frente. Quando eu encontrava alguém que me interessava, por alguma magia desconhecida ele aparecia do nada e me punha a balançar deixando a possibilidade de um amor novo para trás em troca daquele que eu já conhecia fosse bom ou ruim.
Ficamos nessa um bom tempo, gastando nossas energias com algo que não funcionava mais mas que era impossível de por fim. Não sei explicar como precisávamos um do outro, era algo tão fundo, tão extremo que apenas vidas passadas poderiam fornecer alguma base plausível para elucidação de tudo aquilo. Lembro de uma cena no apartamento que alugava quando morei só pela primeira vez, ele e eu no banheiro em pé, prontos para entrar no banho e ele me olha fundo e diz que se não fosse por mim, não teria ninguém para cuidar dele e eu respondi que minha missão na terra era exatemente essa, olhar por ele.
Um amor doente talvez mas ainda assim um amor de força arrebatadora e que talvez ainda hoje, relembrando aqueles que passaram por aqui e que sejam dignos de nota, pudesse exercer alguma força sobre mim, nenhum outro ex teria esse poder. As coisas são como são e quem leu o post que mecionei lá em cima sabe como acabou essa estória.
Não me arrependo de nada disso, pelo contrário, me orgulho de tudo e ainda hoje, em raros momentos de saudosismo como este, mesmo as lembranças mais ásperas me caem como açúcar pois são parte dessa coisa doida que vivemos com tamanha intensidade que se consumiu e se consumou muito rápido.
Não sei o que existe depois da morte mas, se eu for antes de meu wans, gostaria que ele estivesse me esperando lá para dar um oi e pormos os assuntos em dia quem sabe.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
lembranças aleatórias não relacionadas com a infância
Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...
-
Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...
-
seis horas, ave maria, rosário na mão para entrar no vagão cheio. vai com a turba, vai fundo, não tem volta, apenas vai. seis horas, ave...
-
eu não, eu não e você eu sim, eu sim. essa dicotomia foi se arrastando pra dentro de nós com o tempo, matando aos poucos, pressionando se...
Post intenso, certas partes lembrei do meu antigo relacionamento, e quanto ao Russo, incrível!
ResponderExcluirUm bom cd pra acompanhar o post é "A Tempestade - O livro dos dias".
Que legal que gostou do meu post, e olha que eu estava pensando em postar a trilha sonora de True Blood haha.
Enfim, obrigado por acompanhar o blog
Primeiro... Muita honra em ser citado por você... xD
ResponderExcluirSegundo, sua história me deixou inquieto... Muito densa, intensa, cheia de ápices de depreções... Não cheguei a ler o outro post, mas já posso até imaginar o que tenha acontecido (love in the Afternoon). Mas enfim, poderia render um bom filme, ou um bom livro (juro).
Um abraço, Melo... Até o próximo
Essa intensidade que machuca e alimenta... Que a gente não sabe se é amor ou doença. Medo do que eu faria agora, mais experiente e menos assustado, se tivesse que viver isso de novo. Medo e uma ponta de cuiriosidade!
ResponderExcluirCaralhos me fodam! Li o post com o coração na mão... Maridão e eu também temos uma história pra lá de intensa - nem tudo foi parar no DPNN, daria um blog à parte - vi muito de nós dois no teu relato. Também não sabíamos nada do que estava acontecendo conosco e embarcamos, sem rótulos ou ideias pré-concebidas. Demos sorte e estamos juntos até hoje.
ResponderExcluirSei que a trilha sonora é Legião, mas foi impossível não me lembrar do Morrissey:
"you think you were my first love,
but you're wrong: you were the only one, who's come and gone."
Post intenso, denso, verdadeiro e transparente como tudo q o Melo se propõe a escrever e partilhar. Penso q ele retrata quase todas as relações humanas e afetivas profundas e verdadeiras q vivemos. Me identifiquei e muito em sua narrativa ... esta frase bateu muito forte: "Um amor doente talvez mas ainda assim um amor de força arrebatadora". Relações são assim mesmo e, acho q por isto mesmo são coisas ricas q nos ensinam e dão sentido à vida, mesmo q permeadas não só alegrias, mas de alegrias sempre sangradas por algum tipo de dor e sofrimento. Não me arrependo de nada q eu fiz tb, mas como sempre afirmo, arrependo de coisas q não fiz [provavelmente pela inexperiência, pelo medo e insegurança] e que, se tivessem sido feitas talvez tirássemos maior e melhor proveito destas relações. Querido amigo, seu relato me calou fundo, neste momento em particular ... enfim ... sigamos em frente pois ainda nos resta algo por viver e q saibamos vivê-los plena e intensamente...
ResponderExcluirUm beijo mais do q carinhoso ... hoje vc merece isto mais q em outros momentos ...
;-)
Só depois de um tempo conseguimos enxergar tudo isso como vc vê hoje!
ResponderExcluirE é melhor ainda ter um amor exemplar como vc e o wans têm, pra saber que o que passou não era saudável!
bjo
Realmente, não porque nos culparmos quando não sabemos como as coisas funcionam. Se é que existe uma forma certa das coisas funcionarem. No fim, tudo é um grande aprendizado.
ResponderExcluirE que bom que tem tudo sido um ótimo aprendizado pra você, Melo. Um beijo grande e tudo de bom pra você.
Só não curto muito Legião XD.
Eu tentei por em palavras, mas não consegui.
ResponderExcluirMeu amigo
ResponderExcluirVocê não imagina, o tanto que seu relato me tocou. Sempre vale a pena.
Bjão
Que forte isso! E eu sempro acho melhor do que a palidez, esta coisa xoxa, sem cor... Bj!
ResponderExcluirIsso que é post visceral, to sem palavras, adorei
ResponderExcluirbjs
Gente...
ResponderExcluirPra quem não ia escrever nada... hehehehe!
E deixa de besteira que aqui ninguém vai cantar pra subir, não. Somos eternos. E ainda temos que nos ver pessoalmente antes de qualquer partida.
Bjzzzzz!
P.S: Só agora vi que o bloggerdroid não upou a foto, já coloquei lá
ResponderExcluirbjs