9 de ago. de 2011

memórias verdes...



Cheguei na casa que já foi minha e que hoje é apenas um lar de emergência, precisou, quebra a tampa e aciona. Ainda me sente como casa mas as doses precisam vir assim, homeopáticas, o excesso corrompe meu senso familiar e me impele de volta à minha casa de agora, onde eu vejo a mim mesmo nas paredes e coisas ao redor.

Os laços familiares existem mesmo e, ousado, ensaio proclama-los mais fortes em virtude da distância e convivio potual e breve, como disse, dosado parcimoniosamente. Mas, eu não sou mais lá, não cabe mais lá, não pertenço como antes, cousas da vida, voei, fiz outro ninho e o compartilho com um amor que há muito tem ousado dizer seu nome.

Enfim, fui lá, ter com os meus de sangue comum, aprazível, agradável, beira o tédio em alguns momentos mas a sensação de contedúdo/continente vem forte sabe? Deixa você confuso sobre ter saído de lá um dia mas então vem a clareza de que a vida seguiu seu rumo e que fiz a melhor escolha, voltar hoje, só como caso de extrema necessidade ou quando mesmo bate, fundo lá, aquela vontade de falar 'irmão' e 'pai' e sentir aqueles aromas de coisas que você julgava ter esquecido, passado, largado, soterrado mas não enterrado.

Íamos limpar a garagem, medo, sim muito pois dali nem mesmo eu sabia o que poderia emergir. Camadas sobrepostas de relíquias familiares e pessoais, que deveriam, em tese, permanecer dessa forma e dali sair apenas para o lixo sem que nenhum de nós que as colocamos por lá levantasse dedo para salvá-las, pede-se a um desses homens que aceitam entulhos reais e morais que os leve de bate e pronto e sem questionar se isso ou aquilo deve ficar, se tem valor algum para a família, se realmente desejamos que se vá.

Foi-se o homem e sua ajudaente/esposa a limpar aquele quarto de carros que há muito um não via posto tão entupido de memórias estava. Foram saindo as coisas, formas, cheiros, artigos dados como perdidos, suplantados por outros mais do atual ou simplesmente esquecidos, deixados para trás num turbilhão de fatos e versões que lhes roubaram o siginificado primordial.

'Esse é de ficar' diz o irmão 'Não vai não! Fica'

'Mas' rebate sua mulher' 'É assim que vai limpar isso? De cada três coisas que saem, você quer manter duas!'

'Vista grossa' arremedo eu 'Deixa ir senão precisa fazer mais uma garagem...'

Roupas, jogos de chá, tapetes, quadros, livros, enciclopédias, revistas, discos, cds, fitas VHS, brinquedos (para nós, os mais novos os tomariam por coisa de museus), ferramentas, documentos, fotos, coisas sem nome e utilidade ou ambos que nos lembremos de forma efetiva, tintas, papéis, cartas.

Saindo assim, cornucópia familiar exposta ali para quem desejasse ver, besteira, só tinha a nós de platéia mesmo. Foi saindo assim, fazendo um volume do lado de fora e nós, confrontados com nossas vidas passadas, íamos assim tentando desapegar de coisas que nem sabiamos mais ser, longe dos olhos, oras, e que agora de novo postas ante esses servos ingratos que nos comandam as caras, despertavam desejos pensados mortos mas que estavam apenas sondando o ambiente e esperando a hora de brotar.

Fazer as coisas é uma arte mas, arte suprema é desfazer-se delas, dizer não às que não te servem mais, mandar embora, largar, desapegar. Somos criaturas cumulativas por natureza, desejamos acumular tudo quanto for possível, material e emocionalmente, fazer o quê? Somos assim mesmo, compulsivos e daí o imenso fardo que levamos até o momento de larga-lo na hora de ir de vez.

Iam as coisas brotando daquela tumba sem fim.

'Este sim', 'Este não!', 'Este não sei, deixa ali de lado...'

Saindo cada vez mais, desapego, desapego, precisa fazer é coração duro além da vista grossa. Sai uma caixa de sapatos, cheia de fitas cassete, paro e fico mirando aquelas coisas quase sem uso hoje. Um tempo em que eu as fazia para meu namorado na época e vice-versa e não apenas as músicas gravadas mas fazíamos capas para as fitas, pequenas obras de arte concebidas para um único propósito, agradar o outro, arte é (deve ser) isso, fazer algo com gosto para outra pessoa e que, de tão coração que se pôs, fica ao agrado de muitos e passa a ter valor como arte em si e não mais como mimo ou agrado.

Não só por essas, especiais, passei, haviam outras, de outros motivos e o tempo andou para trás ali comigo. Ao lado delas, algumas cartas, poucas, as que escaparam da últma vez em que me desapeguei de memórias físicas (para as aqui de dentro, conto com o tempo insensível). Poucas, digo aqui, mas que mostraram um momento ímpar daquele amor de danação nos consumia então.

Fui lendo, relembrando, recordando e coisas que julgava idas voltaram tão claras a mente quanto uma tela virgem, vi sim tudo aquilo e mais e as palavras nas cartas pulavam alegres à minha frente como satisfeitas de ainda terem alguma utilidade. Se me levaram a lembrar coisas boas, também não se fizeram de rogadas em me esfregar na cara que o conteúdo em algumas páginas era não tão doce, não ia amargar mas a língua ia repuxar no final. Li aquilo com gosto e sem amargura ou arrependimentos, era outro tempo e outro eu o que, se não serve como desculpa, vai ao menos de consolo.

As datas nas cartas me alimentavam mais de dez anos atrás, pensar em remorso seria inútil e simplesmente um saudosismo reconfortanet foi me acolhendo, tranquilizando. Acabei de ler as cartas e fiquei ainda ali mirando as fitas cassete, que fazer com elas? Guardar? Talvez mas quando iria realmente ouvi-las? Nunca é a reposta mais provável e assim, acionei os mecanismos do desapego e fui vertendo uma a uma no esquecimento reciclável.

Então, uma das últimas cortou esse processo de liberação. A capa era apenas um pedaço de papel canson onde se havia aplicado (eu o fiz) giz de cera preto e, no canto inferior direito lia-se, em letra set, apenas 'russo'. Abri a caixinha, com jeito, medo que essa relíquia se desfizesse no ar de minha ansiedade turbinada por uma lembrança mais forte.

Dentro, a fita intacta, a relação de músicas lado A/lado B e, sob a capa que eu fizera para aquela jóia, a capa original onde li a letra de meu amor de então, bem feita, escrita com estilo, charme e amor (sim): 'Cada vez que ouvir uma dessas músicas, lembre-se que estarei pensando em você' seguidos de nome e data.

Fechei a caixinha, olhei bem para ela, jogando-a desta mão para outra, dei aquele riso meio de lado namorando-a, resgatei um choro que vinha correndo lá do fundo, respirei um pouco mais fundo, soltei o ar de uma golfada e a guardei no bolso, despachei as restantes para seu destino incerto.

E a dedicatória, prova-se ainda hoje, verdadeira....

4 comentários:

  1. Se eu fosse o Wans eu passava um trator por cima dessa fita, humpf! Mas, te amando mais do que o ciúme consegue arranhar, provavelmente deixaria a idéia de lado e te abraçaria, pra consolar sua saudade. :-)

    ResponderExcluir
  2. Own, rolou até uma lágrima aqui =´]

    E alguns afetos não tem como nos livrarmos, nem vale a pena tentar. São tão arraigados em nós e de uma força tão grande que só nos resta curti-los da melhor forma possivel

    BJs

    ResponderExcluir
  3. Oi menino
    Lindo e comovente. Acionar os mecanismos do desapego é muito difícil. Muitas vezes já tentei me desfazer de lembranças guardadas no armário, mas não dei conta, seria como jogar fora, um pouco de minha vida.
    Bjão

    ResponderExcluir

one is the loniest number...

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...