13 de mai. de 2020

LOVESEXY

Que Prince era um gênio não restam quaisquer dúvidas e talvez por isso mesmo, este seja um de seus discos mais subestimados.


Explico.

Em 1987, ele lançou 'SIGN O'THE TIMES', um sucesso retumbante de crítica mas comercialmente um 'fiasco' sim, entre aspas porque Prince, mesmo quando fazia fiascos (e SOT não foi um deles), ainda era melhor do que a média.

Alguns críticos, entretanto, teceram comentários pouco elogiosos ao disco - blasfêmia, o disco é foda - acusando Sua Majestade Púrpura de renegar a música negra e enveredar pelo mundo pop. Aqui começam as lendas ao redor de LOVESEXY e o disco que está entre ele e SOT - THE BLACK ALBUM.

A história 'oficial' é que o projeto inicial de Prince para SIGN O'THE TIMES seria um álbum quádruplo, sim, QUÁDRUPLO e material para isso ele tinha mas, obviamente, a gravadora engavetou tal absurdo, quem em sã consciência lançaria um álbum quádruplo quando a indústria da música passava por - mais uma - crise?

Prince lançaria.

Ainda no roteiro oficial, diz-se que BLACK ALBUM foram sobras de SOT e que ele se recusou a lançar optando por LOVESEXY que também era composto de sobras de SOT. A disputa deu-se porque Prince desejava que BLACK ALBUM fosse lançado sem arte de capa ou contra-capa, sem informações sobre as faixas, sem encarte, em nome do artista, sem nada, apenas uma capa preta e o disco dentro, como a gravadora jamais concordaria com isso, o projeto foi abandonado e LOVESEXY nasceu.

Bem, essa a história quase oficial. Eu prefiro outra que me parece mais condizente com a personalidade de Prince não que esta que contei acima não seja típica de seus rompantes ou rusgas com as gravadoras.

Reza a lenda que efetivamente, SOT deveria mesmo ser um álbum quádruplo mas que o terceiro disco (que seria o BLACK ALBUM) componente do projeto, era totalmente destoante do resto do material porque ele o usara como resposta aos críticos que o haviam acusado de ter esquecido como fazer música 'negra' e ter se rendido ao pop dando ao disco ares muito mais cáusticos, sombrios e pesados.

Como a gravadora abortou o álbum quádruplo, Price resolveu lançá-lo em separado em 1987, mesmo ano de SOT deixando a gravadora em polvorosa, nenhum artista poderia lançar dois discos no mesmo ano, lembrem, era antes do streaming e a facilidade de compartilhamento de músicas.

Mas, ele insistia que o disco fosse lançado como idealizado e ainda em 1987 e como disse acima, sem nome, sem informações, sem título, sem nada nem nome das faixas ou qualquer coisa ou seja, a gravadora surtou mas teria de lançar o disco por razões contratuais tentando negociar para 1988.

Nesse meio tempo, dizem que durante uma 'bad trip', Prince teve uma epifania e passou a considerar BLACK ALBUM como algo maligno, das trevas, fruto de uma influência nefasta que ele chamava de 'Spooky Electric' e que seria o diabo. Decidiu renegar o disco e, poucas semanas antes do lançamento oficial, mandou recolher as pouco mais de 500.000 cópias que já haviam sido distribuídas e destruí-las, o BLACK ALBUM fazia seu debut no universo de discos piratas mais cobiçados.

Há quem diga que na epifania, Prince teve algum tipo de revelação e foi a partir daquele momento que se converteu o que eu, sinceramente, acho pouco crível pois temas relacionados a Deus sempre permearam sua obra. Provavelmente, a 'bad' deve ter causado algum curto circuito e o BLACK ALBUM, que realmente era um disco pesado, funky, sombrio, pornográfico até acabou simbolizando para ele algum tipo de totem maligno e causador de desgraça a ponto de renegar sua obra.

O disco foi lançado oficialmente em 1994 numa tentativa de encerrar a disputa que se arrastava já alguns anos com sua gravadora mas poucas cópias foram disponibilizadas e Prince se recusou veementemente a falar sobre o disco, sair em tour ou qualquer tipo de promoção do álbum relegando-o novamente para a obscuridade tanto que nem de sua discografia oficial ele faz parte.

Em seu lugar, surgiu LOVESEXY que também eram 'sobras' das sessões de SOT revisitadas e finalizadas, apenas a faixa 'When 2 R in love' foi reutilizada do BLACK ALBUM. Lançado em 1988 como sucessor de SOT, mostra Prince refeito, renascido e passando uma mensagem de luta entre o bem e mal usando a sexualidade como caminho para atingir algum tipo de elevação espiritual.

Pessoalmente, acho que esse disco sofreu pela celeuma SOT/BLACK ALBUM e acaba sendo considerado como um disco menor de Prince. Ledo engano. O disco é uma gema de música pop, funk e rock com arranjos precisos e preciosos, construções vocais úncias e letras mais do que profundas discorrendo sobre amor, ódio, preconceito, guerra, solidão e como suplantar o mal que habita em nós se escolhermos o bem que também habita o mesmo espaço.

Prince desejava passar uma mensagem de esperança e fé, festa, positividade e LOVESEXY fala exatamente disso desde a abertura com 'EYE NO' onde explica saber que existe um céu e um inferno, passando por 'ALPHABET STR' (hit mas não é a melhor música do disco) onde há um dos melhores raps já feitos numa canção (o vídeo da música tem uma mensagem secreta onde se pode ler 'DON'T BUY THE BLACK ALBUM, I'M SORRY') e baladas como 'WHEN 2 R IN LOVE' e 'ANNA STESIA' onde ele novamente fala sobre a dificuldade de escolher entre o bem e o mal, o disco fecha com 'POSITIVITY' e sua mensagem de que aos escolhermos o mal, ele nunca mais nos deixará ir embora.

Um detalhe interessante é que a versão em CD e streaming do disco, as faixas não possuem separação ou seja, você é forçado a ouvir o disco como uma sequência única (no vinil há uma informação igual mas fica mais evidente a separação entre as faixas) parte da ideia de Prince de passar a impressão de algum tipo de obra conceitual que não se pode desmembrar assim como não podemos desmembrar nossas almas.

De qualquer forma, LOVESEXY pode não ser o melhor disco de Prince mas é um disco emblemático e testemunho digno de sua genialidade, apesar de já estar com o embrião do que viria a ser sua nova banda, NEW POWER GENERATION, em muitas músicas ele faz todas as vozes e toca todos os instrumentos.

No final das contas, ele fazia o que queria sem se importar com rótulos ou críticas.

 

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