6 de ago. de 2020

descaso



quando bati aquela porta, a mesma que você abriu, antes, quando havia algo entre eu e você que não eram portas, janelas ou batentes, bati com força porque era para fechar, o que se abre tem de ser fechado, não pode ficar aberto ou entra tudo que é lixo, inútil, sem serviço, tralha, entulho. a vida da gente era, é, um amontoado de entulho, caçamba que ninguém vem esvaziar, somos rejeitos de demolição, nem reciclar presta.

olha aquela janela ali, fui eu que quebrei, aquela maçaneta ali, você que entortou, com seus dentes, com sua boca, de aço, inox, palha de aço, palha assada na morrinha dos dias que passamos destruindo tudo que era lar, nosso, lar, nosso lar, gado, largado, lar gado, curral, eu pastava, você ruminava, boi, boi boi, boi da cara sonsa, pega essa pessoa que tem medo de carinho.

aquela cristaleira, trincou, eu, você, trincamos, trinca de ases, de asnos, de aves, marias, madalenas, arrependidas, arre e pendidas cada uma para seu lado, não querendo dar fé do messias furado estirado no chão, em cruz, via a cruz, crucis, dolorosa, lacrimosa, hosana sem altura.

descaso esse, de quebrar tudo que desaprendemos a usar. descaso, des eu, des você, desatamos a chorar em nós que nunca seriam desfeitos. eu choro porque sinto, você sente porque chora, choramos porque esquecemos.

nessa matemática errada, a equação nunca tem soma, x, y ou z. eu abri os colchetes para você me fechar com chaves, era para multiplicar, feito o cristo com pães e peixes, judas, acabamos foi só dividindo.

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